São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2004

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Bush venceu, mas Kerry não foi o derrotado

NELSON ASCHER

COLUNISTA DA FOLHA

Bush venceu, mas não foi Kerry o derrotado. O desafiante representava menos a si e suas idéias do que aquilo que ficou conhecido nos EUA como ABB ("anyone but Bush", qualquer um menos Bush). Tratava-se não tanto de uma disputa entre dois candidatos como de um plebiscito sobretudo a respeito da política exterior da administração reeleita.


Os americanos endossaram uma estratégia bélica que inclui a aliança com Israel na luta contra o terror


Pois embora o presidente tenha chegado à Casa Branca decidido a seguir os passos prudentes e realistas do pai, os eventos o forçaram a redefinir o papel de seu país no mundo. Tal redefinição, a mais radical desde o começo da Guerra Fria, despertou oposições variadas no mundo inteiro.
A principal veio do núcleo franco-germânico da Europa cujas ambições estratégicas e interesses comerciais foram solapados. Antes da guerra do Iraque, Paris e Berlim vinham conseguindo assumir a liderança da União Européia, impondo-lhe sua política externa, em especial no Oriente Médio de onde, após o fiasco do plano de paz promovido por Clinton, os americanos começavam a recuar. Os europeus haviam também, através da "força suave" (soft power), usado instituições como a ONU para alavancar seu poder.
Graças a eclosão da Guerra contra o Terrorismo, a "força suave" foi eclipsada pela "dura" (hard power), da qual os EUA detêm praticamente o monopólio mundial. No princípio, foi o Velho Mundo que tentou se opor. Mas, uma vez passado o choque do 11 de setembro, os adversários internos de Bush aderiram ao movimento. É curioso observar que os protestos à campanha iraquiana foram mais intensos na Europa e nos EUA do que no próprio mundo árabe-islâmico.
O que era uma discordância racional diante das ações de um presidente tomou vida própria e se transformou numa gigantesca onda frenética de antiamericanismo incitada por governos, partidos e meios de comunicação. Bush se tornou o símbolo de um país temido e detestado seja no estrangeiro, seja por muitos de seus concidadãos. Não é à toa que Kerry falava em "reingressar na comunidade internacional".
Sua proposta, porém, por mais popular que fosse, de George Soros a Hollywood, junto às elites litorâneas, não seduziu um eleitorado capaz de ver que os aliados de outrora converteram-se em rivais. Este deixou claro que não se satisfaria com soluções parciais nem com uma segurança apenas relativa perante os perigos do novo século e, portanto, sufragou Bush com uma maioria indiscutível, assegurando aos republicanos ainda mais cadeiras nas duas casas do Congresso. Essa influência crescente se estenderá, com novas nomeações de juízes conservadores, ao Judiciário.
Reelegendo o presidente, a maioria dos americanos endossou uma estratégia bélica que inclui a ocupação da Mesopotâmia, a aliança com Israel na luta contra o terror, pressões cada vez maiores destinadas a evitar a nuclearização do Irã e tudo o que possa marginalizar a "Velha Europa" ou organizações internacionais desmoralizadas. Os americanos afirmaram que acreditam em seu país e lutarão por ele.


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