São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2004

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Bush ganha legitimidade ausente em 2000


Individualismo em versão texana conflita com as alianças externas

Vigorou imagem de proteção do país contra novos atos terroristas



JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Algo de sutil mudou na percepção de George W. Bush. Sua reeleição, por 3,6 milhões de votos, deu-lhe uma legitimidade que havia sido contestada nas eleições de 2000, quando ele obteve a maioria apenas no Colégio Eleitoral, mesmo assim por conta das nebulosas apurações na Flórida.
Ele não será a partir de agora menos individualista em termos externos, mais responsável na política fiscal, menos conservador em suas políticas internas ou menos sumário na maneira de conceber a moral e a religiosidade.
Mas a soma desses atributos torna-se aceitável e consensual dentro de um bloco majoritário de eleitores que o reelegeu.
Bush continuará a ser previsível nos próximos quatro anos. Manterá as lições do 11 de Setembro para atribuir ao terrorismo -e não na ausência de democracia ou de bons indicadores sociais em países estrangeiros- o verdadeiro divisor de águas. Ele "protegeu" os EUA de novos ataques.
O Iraque permanecerá como o tópico principal de sua agenda. Para seus eleitores, "se o presidente começou, vamos deixá-lo terminar" a tarefa iraquiana.
Um segundo mandato presidencial é o último que um homem público americano pode exercer consecutivamente. A política não é mais feita de olho nas urnas. Inflexões são possíveis.
Mas não é fácil prever de que maneira agirá esse novo Bush. A Casa Branca permanecerá como ponto de encontro de tendências conservadoras que reemergiram nos anos 80, a "era Reagan", e que em se adaptaram ao pós-Guerra Fria -com evangélicos do sul, intelectuais neoconservadores.
Sem o comunismo como inimigo, há a Al Qaeda e o extremismo islâmico, a suposta queda dos valores familiares e as experimentações genéticas, as pressões em favor do casamento gay e a ampliação do Estado para a gestão de políticas sociais que exigiriam a elevação dos impostos.
O Iraque foi para o presidente uma obsessão. Em seu livro, Bob Woodward confirma que o plano de deposição de Saddam Hussein foi desencadeado dez dias depois do 11 de Setembro, e bem antes das operações no Afeganistão que deixaram escapar Osama Bin Laden. O relatório do Senado sobre os equívocos dos serviços de inteligência reforçou a tese de que Bush, com informações menos categóricas, procurou interpretá-las segundo suas conveniências. O perigo de Saddam, ao ser inflado, deu o sinal verde para a invasão.
O presidente tem insistido que o mundo está menos ameaçador depois que Saddam foi deposto. Mas desapareceram do discurso oficial a suposta existência, no arsenal do ex-ditador, de armas de destruição em massa ou a possibilidade de ele transferi-las para grupos terroristas.
A biografia de Bush permanece inalterada. Nascido em Connecticut, há 58 anos, mudou-se para o Texas ainda criança. Foi um estudante inconstante, sem currículo notável nas escolas que freqüentou. Não combateu no Vietnã. Freqüentou a Força Aérea da Guarda Nacional (1968-1973), onde não corria nenhum risco.
Matriculou-se em Yale. Formou-se em história. Obteve um MBA em Harvard, em administração de empresas. Em Yale ele conviveu com a juventude da elite intelectualizada americana. Da qual ele não fazia parte e que possivelmente reforçou o sentimento de que o excesso de teoria atrapalha a tomada de boas decisões.
Seu pai, o ex-presidente George Bush (1989-1993), é um bem-sucedido homem de negócios. O atual presidente foi dono de concessões de petróleo e em seguida acionista de um time de beisebol. Com o apoio do pai, elegeu-se duas vezes governador do Texas (1994-2000). Avesso ao consumo da chamada alta cultura (teatro, dança, poesia, música erudita), cultiva certa simplicidade espiritual. O que, de defeito para adversários, tornou-se uma poderosa arma política para conquistar a confiança de seu eleitorado.
Dentro dele, Bush é um "homem bom", regenerado do alcoolismo da juventude, pai de duas gêmeas e metodista -converteu-se à religião da mulher, Laura.
O presidente não se exprime com palavras difíceis. Tem o sotaque anasalado dos sulistas. Qual pastor em seu púlpito, refere-se de modo enérgico a Saddam Hussein e demais inimigos.
Num dos debates eleitorais com John Kerry, ele o acusou de querer "terceirizar" com os europeus a defesa militar dos Estados Unidos. Uma maneira eufêmica de desvalorizar as alianças, de menosprezar o multilateralismo.
Mas seus eleitores o compreenderam. Em lugar de fraqueza política, enxergaram uma prova revitalizante do individualismo, uma das características culturais dos texanos, que os leva a aceitar o porte de armas e a aplicação contínua da pena de morte.


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