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Eleição consolida divisão profunda, dizem analistas
MARIA BRANT
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A manhã de ontem, não surpreendentemente, foi de luto para
os eleitores de John Kerry. Mas,
conforme a vitória de George W.
Bush se consolidava, o sentimento predominante em revistas e
blogs simpatizantes do Partido
Democrata não era tanto o de tristeza quanto o de raiva.
Entre os autores de blogs populares, alguns ameaçavam emigrar
para o Canadá -como Tom, do
"Chicago Files"-, outros davam
razão a europeus que vêem os
americanos como "um bando de
ignorantes estúpidos"-como
Xeni Jardin, do BoingBoing.
A reação parecia confirmar a
previsão circulada em e-mails e
reproduzida em blogs à exaustão
na semana passada, de que, quem
quer que ganhasse a eleição, ganharia de quebra uma metade
"extremamente irritada" do país.
A frustração parecia ser maior
do que em 2000, quando Bush ganhou de Al Gore por uma decisão
da Suprema Corte, exatamente
porque, nesta eleição, a legitimidade do presidente republicano é
inquestionável. Com uma diferença de 4 milhões de votos e a
maioria na Câmara e no Senado,
além da vitória conservadora nos
plebiscitos estaduais, é inegável
que a maioria dos americanos
prefere Bush a Kerry.
Segundo analistas ouvidos pela
Folha, a divisão do país é profunda, e veio para ficar. Para alguns,
ela é mais personalista e ideológica do que propriamente política, e
tende a se aprofundar ainda mais,
tanto da parte dos republicanos
quanto da dos democratas.
Por um lado, republicanos devem acentuar a divisão simplesmente porque não precisam do
apoio democrata. David Plotke,
chefe do Departamento de Ciência Política da New School University (Nova York), diz que
"Bush vai considerar que está autorizado a pôr em prática suas
principais políticas sem ter de fazer compromissos".
Para o cientista político Alexander Keyssar, da Universidade
Harvard (Cambridge), há uma divisão "extremamente aguda" no
eleitorado americano, e ela não
desaparecerá rapidamente. "A
questão não é a de se os democratas vão querer trabalhar com
Bush, mas se os republicanos estão preparados para fazer concessões aos democratas, o que não fizeram no primeiro mandato."
Por outro lado, segundo os analistas, os democratas terão de refletir sobre sua identidade se quiserem ampliar sua base. "A divisão agora é muito intensa, cheia
de animosidade. Se ela provém de
diferenças reais quanto a certas
questões ou [se centra na figura
de Bush], está menos claro", afirmou Potke. "Na campanha, Kerry
atacou Bush como um incompetente, sem enfatizar a profundidade de sua discordância com ele."
Para Keyssar, o Partido Democrata terá de se mover ainda mais
para o centro, competindo com
os republicanos, ou para a esquerda, marcando oposição clara.
Segundo Stephen Wayne, especialista em política da Universidade Georgetown (Washington), o
dilema põe democratas em uma
"sinuca de bico".
"Eles não podem se mover demasiado à direita para ampliar
sua base, mas por outro lado não
podem abraçar o liberalismo em
um país que se torna cada vez
mais conservador", afirmou. "A
boa notícia para os democratas é
que eles não perderam por muito,
ganharam o apoio de eleitores jovens, que votaram pela primeira
vez, e elegeram novos quadros."
Vozes na esquerda do Partido
Democrata, frustradas com a gradual aproximação do partido ao
centro também acharam pontos
positivos, ou um prêmio de consolação, nos resultados de ontem.
O colunista da "The Nation"
David Corn, autor do best-seller
"The Lies of George W. Bush"
(Crown, 2003), disse em artigo
que a boa notícia da eleição era
precisamente a de que mostrou
que os EUA são um país dividido.
"Quase -quase- metade do
eleitorado rejeitou a liderança de
Bush, sua pauta, suas prioridades,
suas falsidades", afirmou. "Quase
metade desejava uma liderança
melhor e mais honesta."
Corn vê outra esperança na eleição de Bush, curiosamente repetida em diversos blogs de simpatizantes democratas: o fato de que
segundos mandatos presidenciais
sempre estiveram marcados por
escândalos nos EUA. Nixon teve
Watergate, Reagan, os Irã-Contras, e Clinton, Monica Lewinsky.
O analista crê que o Iraque deva
ser o foco do escândalo de Bush.
Resta saber se, até lá, os democratas já terão achado nova identidade -incluindo quanto a seu
apoio à invasão do Iraque- e tornado isso claro para os eleitores.
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