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Analista prevê reforço de laços com China
A China será o centro industrial do mundo e os EUA, a força político-militar
Os EUA não conseguirão manter
uma enorme força militar no Iraque
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DA REDAÇÃO
Há uma espécie de aliança geopolítica tácita entre a China e os
EUA na cena internacional atualmente. Assim, ao longo do século
21, a China se transformará no
grande centro comercial e industrial do planeta, enquanto os EUA
serão a potência político-militar.
E o presidente George W. Bush
deverá aprofundar a tendência.
A análise é de Charles Tilly, historiador, especialista em relações
internacionais da Universidade
Columbia (Nova York) e autor de,
entre diversos outros, "From
Contention to Democracy" (da
contenção à democracia).
(MÁRCIO SENNE DE MORAES)
Folha - Quais serão as conseqüências globais da vitória de Bush?
Charles Tilly - Ele verá seu triunfo eleitoral como uma aprovação
popular de sua política externa.
Infelizmente, isso significa que as
prioridades e o estilo dessa política não deverão ser alterados. Essa
tendência fará que os aliados tradicionais dos EUA, sobretudo os
europeus, se afastem ainda mais
do governo americano, minando
sobremaneira sua força global.
Mais quatro anos de Bush na
Presidência poderão levar a uma
crise financeira nos EUA, pois as
despesas militares elevadas e os
cortes de impostos produzem déficits enormes. Com isso, o dólar
poderá entrar em colapso.
Os EUA têm um extraordinário
déficit em suas contas externas,
que vem sendo financiado pela
compra de títulos do Tesouro
americano por parte de potências
asiáticas, sobretudo a China e o
Japão. Mas o voto de confiança na
economia dos EUA deverá declinar, o que poderá gerar uma crise
financeira internacional. E a polarização entre muçulmanos e não-muçulmanos tende a agravar-se
em razão das políticas de Bush.
Folha - Haverá novos ataques
preventivos nos próximos anos?
Tilly - Tudo depende do que
ocorrerá no Afeganistão e no Iraque. Afinal, os EUA não têm força
militar nem financeira para dar
início a uma nova guerra atualmente. Mesmo os "estrategistas"
do Pentágono reconhecem que
não é possível começar um novo
conflito sem ao menos conter o
agravamento dos dois primeiros.
Por ora, um ataque do gênero
está além das capacidades militar
e financeira dos EUA. Isso sem falar na opinião pública americana,
sem a qual uma ofensiva seria fadada ao fracasso político. Ela não
aceitaria novas ações militares.
Folha - O sr. vê solução para a crise iraquiana no futuro próximo?
Tilly - Não. Duas perguntas são
importantes aqui. Primeiro, há
saída para a crise iraquiana? Segundo, qual será a estratégia aplicada pelo governo dos EUA? Bush
e seus assessores buscarão achar
um modo de fingir que estão
transferindo a autoridade política
a um governo iraquiano, mantendo um número pequeno de soldados no país e na região para ter a
situação "sob controle".
Isso será feito o mais rápido
possível porque os EUA não têm
os recursos necessários para manter uma enorme força militar no
país, que vem-se tornando um incomodo cada vez maior. Se essa
estratégia funcionará, não sabemos. Afinal, há boas chances de
que haja a eclosão de uma guerra
civil quando as forças americanas
e internacionais deixarem o país.
Por outro lado, existe uma solução razoável para a crise. Contudo
ela passa pela criação de uma coalizão, sob a égide da ONU, formada sobretudo por Estados muçulmanos, que assumiriam parte da
responsabilidade pela pacificação
e pela estabilização do Iraque. Isso seria um passo crucial para
permitir alguma forma de colaboração entre Estados muçulmanos
e não-muçulmanos. Porém não
creio que Bush e seus assessores
queiram seguir esse caminho.
Folha - Como evoluirão as relações transatlânticas no futuro?
Tilly - Elas se tornarão piores do
que foram nos últimos dois anos.
A divisão entre os amigos dos
EUA e seus inimigos será exacerbada. A possibilidade de cooperação entre os EUA e as potências
européias em áreas como o controle da proliferação de armas de
destruição em massa declinará.
Os principais Estados europeus
e latino-americanos vão reduzir
seu escopo de colaboração com
um governo unilateralista americano. A política externa de Bush
continuará a minar o "soft power" [a força internacional de um
país que advém de sua influência
cultural e ideológica] dos EUA.
Folha - Isso tornará uma solução
para a crise israelo-palestina mais
difícil, não é?
Tilly - Sem dúvida. Sem uma
harmonização das posições americana e européia, um acordo de
paz no Oriente Médio fica mais
distante. Com Bush no poder, as
iniciativas de Ariel Sharon [premiê de Israel] passam a ser muito
importantes. É possível que a retirada das tropas israelenses da faixa de Gaza sirvam para acalmar a
situação, mas isso ainda é incerto.
Folha - E quanto ao Afeganistão?
Tilly - Em vários aspectos, a crise
afegã é mais grave que a iraquiana. O Afeganistão tornou-se de
novo o maior produtor mundial
de heroína, e há menos controle
do poder central sobre o restante
do país hoje do que no passado.
Assim, as redes criminosas que
conectam o Afeganistão ao restante do planeta se tornaram mais
fortes nos últimos anos, o que é
muito grave, e os EUA não parecem dar o devido valor à situação.
Quanto maior for a influência
dos senhores da guerra e dos traficantes na sociedade afegã, maiores são as chances de outros criminosos buscarem negociar com
os afegãos, já que há um clima de
ilegalidade em todo o país.
Folha - A China ameaça os EUA?
Tilly - Ela ajuda os EUA, pois financia seu déficit. Acredito que
nos dirijamos agora em direção a
um mundo em que a China será o
grande centro comercial e industrial e os EUA serão a potência político-militar. Há uma espécie de
aliança tácita entre os dois países,
e Bush deverá aprofundar a tendência, sobretudo por conta do
déficit que suas políticas gerarão.
No século 21, haverá, portanto,
dois centros de poder, pois há
uma espécie de "divisão de poder" entre a China e os EUA. Estes
perderão a primazia econômico-comercial, e a China ganhará força nesse campo. Essa aliança geopolítica está em vigor há algum
tempo, o que é uma má notícia
para o restante do planeta.
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