São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2004

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Cautela extrema marca cobertura das TVs


Experiência desastrosa de 2000 levou emissoras a atrasar conclusões

Das grandes redes, somente a Fox arriscou o resultado de Ohio



CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE WASHINGTON

As eleições presidenciais americanas da era da televisão seguiam até o ano 2000 uma rotina segura e tranqüilizadora: ao longo da noite da votação, as emissoras recebiam o resultado das pesquisas de boca-de-urna feitas em conjunto por elas e decidiam individualmente quando tinham dados suficientes para proclamar o vitorioso em cada Estado até um candidato chegar aos 270 votos eleitorais e ser considerado eleito.
A cada quatro anos as coisas seguiam essa ordem previsível e por volta das 11 da noite, um pouco tarde para a maioria das pessoas mas um sacrifício cívico suportável a cada quatro anos, os americanos iam para a cama sossegados sabendo quem iria governá-los nos próximo quadriênio.
Muitas vezes, os postos de votação na Costa Oeste do país nem haviam fechado e os eleitores daquela região já sabiam que o seu voto, ao menos para a Presidência, não teria o menor efeito, porque o presidente já estava escolhido e consagrado.
Do ponto de vista jornalístico, as redes de TV lutavam pela duvidosa e efêmera glória de ter anunciado em primeiro lugar para a nação o nome do novo presidente. As "decision desks" (grupos de analistas que resolvem quando os números da boca-de-urna são estatisticamente confiáveis para garantir o resultado final) se esfalfavam para chegar a essa conclusão o mais rapidamente possível.

Tudo diferente
Tudo, evidentemente, mudou em 2000. Na pressa para sair à frente das demais, num horário já muito adiantado para os padrões da audiência, as redes se atropelaram e deram a George W. Bush o Estado da Flórida, que tinha uma apuração apertada e atrasada, e em conseqüência a Presidência.
A confiança no sistema era tamanha que o vice-presidente Al Gore, candidato à sucessão de Bill Clinton, admitiu a derrota, apesar de os dirigentes estaduais de seu partido, o Democrata, lhe passarem informações que contrariavam os números das redes de TV.
Na longa madrugada da apuração de 2000, as redes de TV voltaram atrás, declararam que Gore era o presidente eleito e se retrataram mais uma vez para dizer que nenhum dos dois candidatos tinha a vitória assegurada. Saíram "com a cara toda suja de ovo", segundo a expressão de Tom Brokaw, o âncora da NBC.

"Até o último voto"
Neste ano, elas resolveram mudar de comportamento para se redimir do vexame. Todos os âncoras anunciaram, ao abrir a cobertura, que eles preferiam agora ser o último a anunciar o resultado do que anunciar um resultado que se revelasse equivocado.
As pesquisas de boca-de-urna continuaram sendo feitas em "pool" por elas, mas por meio de um novo instituto. Os dirigentes das emissoras disseram que as "decision desks" não ficariam mais olhando as transmissões das concorrentes para não se deixarem influenciar pelo desejo evitar o furo. Nenhum Estado seria declarado antes de a votação local se encerrar inteiramente (o que não havia acontecido na Flórida em 2000).
Mesmo assim, as redes Fox (à 0h41) e NBC (à 1h) acabaram dando Ohio a Bush antes de a decisão no Estado estar clara. A Fox, que é claramente favorável ao presidente, pode ter seguido sua lógica política. Mas a NBC, logo a rede do Tom Brokaw sujo de ovo, não tinha justificativa para seguir essa linha.
Tanto, que ela se segurou e não anunciou durante a madrugada a vitória de Bush em Nevada, mesmo depois de ser matematicamente impossível uma reviravolta, porque caso o fizesse teria também de proclamar a reeleição do presidente, o que (naquela altura) era altamente duvidosa, já que o candidato democrata à Vice-Presidência, John Edwards, anunciara a disposição do partido de "lutar até o último voto".
De qualquer maneira, as conseqüências da precipitação da Fox e da NBC ficaram minimizadas com a resolução de John Kerry, às 11h, de desistir de batalhas jurídicas e reconhecer a reeleição de Bush.
As redes de TV americanas, no entanto, precisam se preparar para o pleito de 2008. Se o país se mantiver dividido como tem estado desde o início do século 21, elas terão novos problemas desse tipo a enfrentar daqui a quatro anos. E os americanos que gostam de política, mais uma noite insones à frente do vídeo.


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