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ANÁLISE
Pensador buscou ordem na desordem dos homens
EDGAR DE ASSIS CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Anarquista de direita, astrônomo das constelações humanas, de inteligência neolítica.
Foram algumas das atribuições
que Claude Lévi-Strauss se deu
quando lhe perguntavam quem
era esse monstro sagrado responsável pela criação do estruturalismo, segundo seu "dicionário íntimo", de 1985.
Esse homem universal-singular, de família judaica, nasceu por acaso na Bélgica, em
1908, porque o pai, pintor, se
deslocara da França para executar retratos. Com dois meses,
retornou a Paris, onde viveu até
os 20 anos. Das lembranças paternas, fixou-se a imagem de
um "bricoleur" sempre atento a
experimentações.
Nos estudos secundários, familiarizou-se com Marx, Kant,
Hegel, Jaurès, e aderiu ao Partido Socialista, militância que
perdurou até a vinda ao Brasil.
Em 1927, ingressou na faculdade de Direito, paralelamente
aos estudos de filosofia, na Sorbonne. Em 1934, Celestin Bouglé convidou-o para integrar a
missão francesa como professor na recém-criada Universidade de São Paulo.
Partiu de Marselha, em 1935,
em direção a um Brasil desconhecido. Em 1936, pesquisou
os caudiuéus e os bororo e, em
1938, os nambiquara. O batismo etnográfico em sociedades
reduzidas à "expressão mais
simples" lhe permitiria desenvolver a ideia da unidade do gênero humano.
Mas a descrição pura e simples já não lhe contentava.
Mesmo que professasse um
"estruturalismo ingênuo", faltava-lhe uma interpretação capaz de introduzir uma ordem
na desordem das coisas e dos
homens. Nos Estados Unidos,
como participante de um plano
de salvação de intelectuais europeus perseguidos pelo nazismo, satisfez essa necessidade.
Em 1941, estabeleceu contatos com os surrealistas André
Breton e Max Ernst e, por meio
de Roman Jakobson, entrou
em contato com a linguística.
É impossível avaliar todas as
dimensões da obra, mas alguns
momentos podem ser identificados. Um, de 1949 a 1962, marca a consolidação da linguística
como modelo de análise da cultura como um todo. De 1962 a
1974, a aceitação de um inconsciente trans-histórico e transpessoal já é tácita.
Os textos de 1975 a 1993 representam a consolidação do
paradigma e a abertura para
uma concepção mais estética
para a existência humana. Um
quarto momento talvez possa
ser identificado, entre 1994 e
1996, como uma "arte da memória" exercitada em "Saudades do Brasil" e "Saudades de
São Paulo", que ilustram que
tudo o que fizemos com os índios fazemos conosco, negando
nossa condição humana.
De certa feita, ele, que insistia em não se lembrar do passado, disse que o sentimento ao
voltar das pesquisas de campo
era o de quem trazia na valise
um punhado de cinzas, cinzas
que guardou para deixar claro
para as futuras gerações que o
sentido último das coisas é
sempre imperfeito, efêmero.
EDGAR DE ASSIS CARVALHO é professor
titular de Antropologia da PUC-SP.
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