São Paulo, quarta-feira, 04 de novembro de 2009

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ANÁLISE

Pensador buscou ordem na desordem dos homens

EDGAR DE ASSIS CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Anarquista de direita, astrônomo das constelações humanas, de inteligência neolítica. Foram algumas das atribuições que Claude Lévi-Strauss se deu quando lhe perguntavam quem era esse monstro sagrado responsável pela criação do estruturalismo, segundo seu "dicionário íntimo", de 1985.
Esse homem universal-singular, de família judaica, nasceu por acaso na Bélgica, em 1908, porque o pai, pintor, se deslocara da França para executar retratos. Com dois meses, retornou a Paris, onde viveu até os 20 anos. Das lembranças paternas, fixou-se a imagem de um "bricoleur" sempre atento a experimentações.
Nos estudos secundários, familiarizou-se com Marx, Kant, Hegel, Jaurès, e aderiu ao Partido Socialista, militância que perdurou até a vinda ao Brasil.
Em 1927, ingressou na faculdade de Direito, paralelamente aos estudos de filosofia, na Sorbonne. Em 1934, Celestin Bouglé convidou-o para integrar a missão francesa como professor na recém-criada Universidade de São Paulo.
Partiu de Marselha, em 1935, em direção a um Brasil desconhecido. Em 1936, pesquisou os caudiuéus e os bororo e, em 1938, os nambiquara. O batismo etnográfico em sociedades reduzidas à "expressão mais simples" lhe permitiria desenvolver a ideia da unidade do gênero humano.
Mas a descrição pura e simples já não lhe contentava.
Mesmo que professasse um "estruturalismo ingênuo", faltava-lhe uma interpretação capaz de introduzir uma ordem na desordem das coisas e dos homens. Nos Estados Unidos, como participante de um plano de salvação de intelectuais europeus perseguidos pelo nazismo, satisfez essa necessidade. Em 1941, estabeleceu contatos com os surrealistas André Breton e Max Ernst e, por meio de Roman Jakobson, entrou em contato com a linguística.
É impossível avaliar todas as dimensões da obra, mas alguns momentos podem ser identificados. Um, de 1949 a 1962, marca a consolidação da linguística como modelo de análise da cultura como um todo. De 1962 a 1974, a aceitação de um inconsciente trans-histórico e transpessoal já é tácita.
Os textos de 1975 a 1993 representam a consolidação do paradigma e a abertura para uma concepção mais estética para a existência humana. Um quarto momento talvez possa ser identificado, entre 1994 e 1996, como uma "arte da memória" exercitada em "Saudades do Brasil" e "Saudades de São Paulo", que ilustram que tudo o que fizemos com os índios fazemos conosco, negando nossa condição humana.
De certa feita, ele, que insistia em não se lembrar do passado, disse que o sentimento ao voltar das pesquisas de campo era o de quem trazia na valise um punhado de cinzas, cinzas que guardou para deixar claro para as futuras gerações que o sentido último das coisas é sempre imperfeito, efêmero.


EDGAR DE ASSIS CARVALHO é professor titular de Antropologia da PUC-SP.


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