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Pinochet e Chile: uma relação inapresentável
PATRICIA VERDUGO
Quem rezava ontem, no
Chile, para que Pinochet não
morresse? Obviamente sua
família, assim como quem o
chama de "el tata" [papai] e
admira o "valente soldado"
que derrotou o comunismo.
Os mesmos que foram homenageá-lo diante de sua casa para celebrar seu aniversário número 91. E diante
dos quais disse que assumia
"a responsabilidade política
por todo o realizado".
Mas também rezavam as
famílias das vítimas e todos
os chilenos que se solidarizam com a causa dos direitos
humanos. Parece estranho,
mas é assim. Porque sua
morte fecharia todos os processos com um selo lapidar:
"arquivado definitivamente
por morte do imputado" (artigo 93 do Código Penal).
E se Pinochet morre sem
nenhuma condenação estabelece-se um marco que
marcará o Chile com um selo
indelével: sua incapacidade
para fazer justiça.
A transição chilena teve
um preço: a impunidade de
Pinochet. Assim, o ex-ditador entregou a faixa presidencial a Patricio Aylwin no
dia 11 de março de 1990 e
continuou, por mais oito
anos!, como chefe do Exército. Com a chave do arsenal na
mão, impediu toda investigação judicial que o implicasse
ou a membros de sua família.
Depois desses oito anos de
impunidade, tirou o uniforme para se tornar senador vitalício. E ainda estaria no Senado se não fosse pela ação
da Justiça espanhola. Ficou
preso em Londres por mais
de 500 dias. O Chile defendeu seu direito de julgá-lo e
logrou sua repatriação "por
razões de compaixão", diante de sua frágil saúde. Fragilidade que evaporou ao pisar
em terra chilena, naquela famosa cena em que se levantou da cadeira de rodas.
Quando as provas contra
ele eram irrefutáveis -no caso da Caravana da Morte- as
cortes o declararam louco
em 2001. Arquivamento definitivo por demência do
acusado. Novamente foi uma
mão estrangeira que colocou
as coisas em seu lugar. O Senado dos EUA revelou suas
contas secretas em 2004,
contas em que Pinochet decidia milionários movimentos de dinheiro com uma cordura a toda prova. Isso obrigou as cortes a declará-lo novamente "sujeito apto de
processo". E nisso estamos
no Chile. Mas nenhum juiz
se atreveu a condená-lo.
Mas há muitos a quem a
morte de Pinochet cai como
uma luva, além daqueles juízes com essa "batata quente"
nas mãos. A direita política
precisa se desfazer do pesado
fardo de sua herança se quiser chegar ao governo. E a
Concertação governista precisa resolver essa impunidade pela via mais fácil.
A jornalista chilena PATRICIA VERDUGO é
autora do livro "A Caravana da Morte"
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