São Paulo, domingo, 05 de março de 2000


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CHILE DIVIDIDO
"Pinochet é um poder negativo'

do enviado especial

Augusto Pinochet não possui força para mudar as regras da democracia chilena, mas continua com um "poder de veto não declarado" na política do país, opina a diretora do instituto Mori, a economista Marta Lagos, 46.
Marta duvida que o ex-ditador venha a ameaçar as instituições do Chile, mas poderá atrasar o desenvolvimento político, influenciando parte da população.
"Pinochet não tem o poder de mudar, mas o poder de não deixar que coisas aconteçam. Digamos que é um poder negativo."
O ex-ditador continuará a ser, na opinião da pesquisadora, um importante ator político até morrer: "Veja o que ele fez hoje (anteontem). Todo mundo o achava um velho doente, acabado. E ele sai do avião com bochechas rosadas, caminhando e acenando como se nada tivesse acontecido. Meus Deus, esse homem está dizendo que ainda tem influência".
E de onde vem essa influência? "Diferentemente do que dizem os partidários de Augusto Pinochet, o Chile não está dividido meio a meio em relação ao ex-ditador. Um terço está de um lado; e outros dois terços, de outro", responde Marta.
Segundo a pesquisadora, mais do que apoiar Pinochet, um terço da população apóia "um sistema não democrático". É nessa fatia que a direita, os militares e Pinochet nadam de braçada.
Marta, que recebeu a Folha anteontem à noite na elegante casa em estilo clássico que abriga seu instituto, afirma que esses dados constam de pesquisas realizadas nos últimos dez anos.
"É essa divisão que faz esse país ser o que é, pois, ao mesmo tempo, os outros dois terços são fortemente contrários a valores antidemocráticos", diz Marta.
Os extremos da pirâmide econômica e social do país compõem o um terço autoritário. Estão nesse grupo os ricos, que financiam a direita, e os extremamente pobres, por ignorância, afirma Marta.
A classe média e os mais escolarizados preponderam nos outros dois terços.
A pesquisadora vê um aspecto positivo na detenção de Pinochet. "Foi um teste para a democracia chilena". Os direitos humanos voltaram a ser discutidos.
Segundo ela, 70% julgam Pinochet culpado de crimes contra os direitos humanos, o que não significa que todos eles queiram levá-lo a julgamento. Apenas 50% estão dispostos a pagar o preço de puni-lo judicialmente, segundo os dados do Mori.
A outra metade julga que não vale a pena fazê-lo. São esses 50% que os pinochetistas usam como argumento para enterrar o passado.
Marta considera que o Chile levará pelo menos uma geração para atingir a maturidade democrática.
E avalia que, após "a condenação moral" que Pinochet sofreu, seu país perderá credibilidade na comunidade internacional se não levá-lo a julgamento.
(KA)


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