São Paulo, domingo, 05 de março de 2000


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DE VOLTA
Manifestação pedindo julgamento para ex-ditador é reprimida com cassetetes e gás lacrimogêneo
Polícia reprime ato contra Pinochet

KENNEDY ALENCAR
enviado especial a Santiago

A polícia chilena dispersou ontem às 13h35 uma manifestação de opositores de Augusto Pinochet -convocada em resposta ao tom de celebração dado pelas Forças Armadas ao retorno do ex-ditador ao país. Foi o mais violento confronto desde que o ex-ditador chegou, na manhã de anteontem.
O confronto ocorreu na Praça da Constituição. Um grupo de "carabineros" (policiais) começou a espancar manifestantes que tentavam se aproximar do Palácio de La Moneda, a sede do governo.
Sob sol forte, a polícia esvaziou a praça em menos de dois minutos. Usou cassetetes e pelo menos uma bomba de gás lacrimogêneo. A Folha contou cinco feridos e quatro presos (três deles mulheres, esmurradas fortemente e atiradas no veículo policial com violência desnecessária).
Nessa hora, havia cerca de 2.000 pessoas. O ato chegou a ter 3.000 manifestantes, que marcharam pelo centro da capital chilena antes de se concentrarem na praça em frente ao La Moneda.
"Lagos e Frei (o presidente eleito e o atual) estão protegendo Pinochet e atacando o povo. Desse jeito, é melhor passar o governo direto para ele", disse Rubens Valenzuela, 19, logo após ser atingido por golpes de cassetete.
Valenzuela foi ferido na cabeça, pouco acima da orelha direita. Não foi grave. Limpou o sangue da barba rala e saiu caminhando.
Menos sorte teve o estudante de engenharia Miguel Angel Carval, 24, que havia ido à farmácia, mas acabou apanhando também na cabeça. Deitado perto do chafariz da praça à espera de uma ambulância, Carval não estava no ato, mas ganhou um corte fundo atrás da cabeça. De cavanhaque pintado de azul, segurou a sacola plástica com remédio o tempo todo, enquanto falava com jornalistas: "A polícia devia respeitar os manifestantes. Eles estão no seu direito".
Uma hora antes do conflito, Mireya García, vice-presidente do Grupo de Familiares de Presos Desaparecidos, disse que o ato era "a resposta do povo" à recepção que o ex-ditador recebera na véspera. "A chegada triunfal de Pinochet afeta a imagem do Chile. O governo não deve ficar calado."
Os principais jornais chilenos noticiaram a contrariedade do governo com a recepção ao ex-ditador. As Forças Armadas desobedeceram a orientação de fazer um ato discreto. Segundo o "La Tercera", o fato desencadeou uma "tormenta política".
Pinochet ficou detido 503 dias no Reino Unido, país que analisava um pedido de extradição da Espanha a fim de julgá-lo por crimes cometidos contra cidadãos espanhóis e os direitos humanos. Pinochet foi libertado por razões humanitárias -exames médicos não o consideraram passível de responder a um processo judicial.
Há um debate jurídico no Chile a respeito da legalidade de julgar Pinochet, contra quem correm 61 ações. Mesmo que os tribunais decidam cassar sua imunidade parlamentar, existem dúvidas quanto às provas ou "fortes evidências" de culpa, como diz a linguagem processual chilena, que possam vir a responsabilizá-lo.
Entidades de defesa dos direitos humanos temem que, dentro da interpretação das leis (no caso, em relação às "fortes evidências"), o ex-ditador acabe por encontrar uma forma de escapar da Justiça. O Exército e a direita chilena empenham-se nesse sentido.
"No Chile, o poder está 50% com o governo, 25% com os empresários e 25% ainda com os militares", diz Marta Lagos, do Mori, instituto de pesquisas de opinião.
De acordo com Marta, levantamentos mostram que existe um "temor não dito" da população no que se refere ao poder de influência política dos militares e, por extensão, de Pinochet -o maior símbolo do Exército, a força que realmente conta.


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