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DE VOLTA
Manifestação pedindo julgamento para ex-ditador é reprimida com cassetetes e gás lacrimogêneo
Polícia reprime ato contra Pinochet
KENNEDY ALENCAR
enviado especial a Santiago
A polícia chilena dispersou ontem às 13h35 uma manifestação
de opositores de Augusto Pinochet -convocada em resposta ao
tom de celebração dado pelas
Forças Armadas ao retorno do
ex-ditador ao país. Foi o mais violento confronto desde que o ex-ditador chegou, na manhã de anteontem.
O confronto ocorreu na Praça
da Constituição. Um grupo de
"carabineros" (policiais) começou a espancar manifestantes que
tentavam se aproximar do Palácio
de La Moneda, a sede do governo.
Sob sol forte, a polícia esvaziou
a praça em menos de dois minutos. Usou cassetetes e pelo menos
uma bomba de gás lacrimogêneo.
A Folha contou cinco feridos e
quatro presos (três deles mulheres, esmurradas fortemente e atiradas no veículo policial com violência desnecessária).
Nessa hora, havia cerca de 2.000
pessoas. O ato chegou a ter 3.000
manifestantes, que marcharam
pelo centro da capital chilena antes de se concentrarem na praça
em frente ao La Moneda.
"Lagos e Frei (o presidente eleito e o atual) estão protegendo Pinochet e atacando o povo. Desse
jeito, é melhor passar o governo
direto para ele", disse Rubens Valenzuela, 19, logo após ser atingido por golpes de cassetete.
Valenzuela foi ferido na cabeça,
pouco acima da orelha direita.
Não foi grave. Limpou o sangue
da barba rala e saiu caminhando.
Menos sorte teve o estudante de
engenharia Miguel Angel Carval,
24, que havia ido à farmácia, mas
acabou apanhando também na
cabeça. Deitado perto do chafariz
da praça à espera de uma ambulância, Carval não estava no ato,
mas ganhou um corte fundo atrás
da cabeça. De cavanhaque pintado de azul, segurou a sacola plástica com remédio o tempo todo,
enquanto falava com jornalistas:
"A polícia devia respeitar os manifestantes. Eles estão no seu direito".
Uma hora antes do conflito, Mireya García, vice-presidente do
Grupo de Familiares de Presos
Desaparecidos, disse que o ato era
"a resposta do povo" à recepção
que o ex-ditador recebera na véspera. "A chegada triunfal de Pinochet afeta a imagem do Chile. O
governo não deve ficar calado."
Os principais jornais chilenos
noticiaram a contrariedade do
governo com a recepção ao ex-ditador. As Forças Armadas desobedeceram a orientação de fazer
um ato discreto. Segundo o "La
Tercera", o fato desencadeou
uma "tormenta política".
Pinochet ficou detido 503 dias
no Reino Unido, país que analisava um pedido de extradição da
Espanha a fim de julgá-lo por crimes cometidos contra cidadãos
espanhóis e os direitos humanos.
Pinochet foi libertado por razões
humanitárias -exames médicos
não o consideraram passível de
responder a um processo judicial.
Há um debate jurídico no Chile
a respeito da legalidade de julgar
Pinochet, contra quem correm 61
ações. Mesmo que os tribunais
decidam cassar sua imunidade
parlamentar, existem dúvidas
quanto às provas ou "fortes evidências" de culpa, como diz a linguagem processual chilena, que
possam vir a responsabilizá-lo.
Entidades de defesa dos direitos
humanos temem que, dentro da
interpretação das leis (no caso,
em relação às "fortes evidências"), o ex-ditador acabe por encontrar uma forma de escapar da
Justiça. O Exército e a direita chilena empenham-se nesse sentido.
"No Chile, o poder está 50%
com o governo, 25% com os empresários e 25% ainda com os militares", diz Marta Lagos, do Mori,
instituto de pesquisas de opinião.
De acordo com Marta, levantamentos mostram que existe um
"temor não dito" da população
no que se refere ao poder de influência política dos militares e,
por extensão, de Pinochet -o
maior símbolo do Exército, a força que realmente conta.
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