São Paulo, quinta-feira, 05 de março de 2009

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Leilão de bens de Gandhi revolta a Índia

Herdeiros e governo em Nova Déli tentam impedir realização da oferta pública dos itens, prevista para hoje em Nova York

Americano dono do lote promete usar o que obtiver na venda "para financiar atividades de promoção da não-violência no 3º Mundo"

LUÍS FERRARI
DA REDAÇÃO

Há quase cem anos, ele fez voto de pobreza. Hoje, a intenção de leiloar raros bens deixados como herança pelo mahatma Gandhi (1869-1948) gera uma polêmica que envolve o governo indiano, descendentes do "pai da Índia" e o colecionador americano dono do lote -que é composto por um par de sandálias, um relógio de bolso, um prato e uma tigela metálicos e os emblemáticos óculos de lentes redondas.
Marcada para hoje, a venda será promovida em Nova York pelo Antiquorum, leiloeiro internacional especializado em relógios. O lote dos bens que foram de Gandhi foi avaliado entre US$ 20 mil e US$ 30 mil.
Ainda que o leiloeiro tenha dito que a publicidade trazida pela discussão do caso deva encarecer o lote, seu preço é baixo diante de outros itens do leilão.
Um relógio Patek Philippe, o Sky Moon Tourbillon, teve o preço estimado entre US$ 1 milhão e US$ 1,3 milhão. Um modelo Nastrix que foi do ex-presidente dos EUA John F. Kennedy e do armador grego Aristóteles Onassis foi avaliado entre US$ 150 mil e US$ 250 mil.
Mesmo assim, James Otis, o documentarista americano que diz ter adquirido há dez anos os itens que foram de Gandhi, negou uma oferta de US$ 30 mil de Nova Déli por achar pouco. Antes, havia dito que doaria o lote à Índia ante um compromisso do governo de usar 5% do PIB em programas sociais.
Ele espera obter no mínimo US$ 600 mil e promete: "Usarei o dinheiro para financiar atividades de promoção à não-violência no Terceiro Mundo".

Justiça
O argumento não sensibilizou os indianos, que citaram justamente a doutrina pacifista apregoada por Gandhi para criticar o leilão. "É um ato censurável. O retorno dos bens à Índia com elegância seria seguir o enfoque não violento", disse ontem Tara Gandhi Bhattacharjee, neta do mahatma.
Em vão, a tentativa de impedir a venda passou pela esferas diplomática e judicial.
"O Ministério das Relações Exteriores vai levar o assunto ao Departamento de Estado norte-americano, com objetivo de bloquear o leilão", disse Ambika Soni, ministra de Cultura e Turismo indiana. "Pedimos a nossa embaixada em Washington e a nosso consulado em Nova York que façam o necessário para recuperar os bens durante o leilão ou por qualquer outro meio", declarou o vice-chanceler indiano Anand Sharma.
Anteontem, um tribunal em Nova Déli deu ordem judicial para impedir o leilão. "Mas eles [leiloeiro] foram categóricos em declarar que cumpriram todos os requisitos da legislação americana", disse Tushar Gandhi, revelando não ter esperança que isso faça os bens de seu bisavô voltarem à Índia.
Após a morte de Gandhi, os itens ficaram para sua sobrinha-neta Abha Gandhi, em cujos braços o mahatma morreu após ter sido baleado. A filha dela, Ghita Mehta, herdou os bens e escreveu uma carta assegurando sua autenticidade.
O relógio era um item de especial apreço para Gandhi. Em maio de 1947, por ocasião de seu primeiro encontro com o vice-rei Louis Mountbatten, com quem negociava o fim do domínio britânico sobre a Índia, Gandhi, aparentemente disperso, encheu os olhos de lágrimas ao narrar que a peça lhe havia sido furtada.
Seis meses mais tarde, um desconhecido foi à casa onde o mahatma estava em Nova Déli e confessou ser o ladrão. Ele devolveu o relógio e foi perdoado por um exultante Gandhi.

Com agências internacionais


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