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Leilão de bens de Gandhi revolta a Índia
Herdeiros e governo em Nova Déli tentam impedir realização da oferta pública dos itens, prevista para hoje em Nova York
Americano dono do lote promete usar o que obtiver na venda "para financiar atividades de promoção da não-violência no 3º Mundo"
LUÍS FERRARI
DA REDAÇÃO
Há quase cem anos, ele fez
voto de pobreza. Hoje, a intenção de leiloar raros bens deixados como herança pelo mahatma Gandhi (1869-1948) gera
uma polêmica que envolve o
governo indiano, descendentes
do "pai da Índia" e o colecionador americano dono do lote
-que é composto por um par
de sandálias, um relógio de bolso, um prato e uma tigela metálicos e os emblemáticos óculos
de lentes redondas.
Marcada para hoje, a venda
será promovida em Nova York
pelo Antiquorum, leiloeiro internacional especializado em
relógios. O lote dos bens que foram de Gandhi foi avaliado entre US$ 20 mil e US$ 30 mil.
Ainda que o leiloeiro tenha
dito que a publicidade trazida
pela discussão do caso deva encarecer o lote, seu preço é baixo
diante de outros itens do leilão.
Um relógio Patek Philippe, o
Sky Moon Tourbillon, teve o
preço estimado entre US$ 1 milhão e US$ 1,3 milhão. Um modelo Nastrix que foi do ex-presidente dos EUA John F. Kennedy e do armador grego Aristóteles Onassis foi avaliado entre US$ 150 mil e US$ 250 mil.
Mesmo assim, James Otis, o
documentarista americano que
diz ter adquirido há dez anos os
itens que foram de Gandhi, negou uma oferta de US$ 30 mil
de Nova Déli por achar pouco.
Antes, havia dito que doaria o
lote à Índia ante um compromisso do governo de usar 5% do
PIB em programas sociais.
Ele espera obter no mínimo
US$ 600 mil e promete: "Usarei
o dinheiro para financiar atividades de promoção à não-violência no Terceiro Mundo".
Justiça
O argumento não sensibilizou os indianos, que citaram
justamente a doutrina pacifista
apregoada por Gandhi para criticar o leilão. "É um ato censurável. O retorno dos bens à Índia com elegância seria seguir o
enfoque não violento", disse
ontem Tara Gandhi Bhattacharjee, neta do mahatma.
Em vão, a tentativa de impedir a venda passou pela esferas
diplomática e judicial.
"O Ministério das Relações
Exteriores vai levar o assunto
ao Departamento de Estado
norte-americano, com objetivo
de bloquear o leilão", disse Ambika Soni, ministra de Cultura e
Turismo indiana. "Pedimos a
nossa embaixada em Washington e a nosso consulado em Nova York que façam o necessário
para recuperar os bens durante
o leilão ou por qualquer outro
meio", declarou o vice-chanceler indiano Anand Sharma.
Anteontem, um tribunal em
Nova Déli deu ordem judicial
para impedir o leilão. "Mas eles
[leiloeiro] foram categóricos
em declarar que cumpriram todos os requisitos da legislação
americana", disse Tushar Gandhi, revelando não ter esperança que isso faça os bens de seu
bisavô voltarem à Índia.
Após a morte de Gandhi, os
itens ficaram para sua sobrinha-neta Abha Gandhi, em cujos braços o mahatma morreu
após ter sido baleado. A filha
dela, Ghita Mehta, herdou os
bens e escreveu uma carta assegurando sua autenticidade.
O relógio era um item de especial apreço para Gandhi. Em
maio de 1947, por ocasião de
seu primeiro encontro com o
vice-rei Louis Mountbatten,
com quem negociava o fim do
domínio britânico sobre a Índia, Gandhi, aparentemente
disperso, encheu os olhos de lágrimas ao narrar que a peça lhe
havia sido furtada.
Seis meses mais tarde, um
desconhecido foi à casa onde o
mahatma estava em Nova Déli
e confessou ser o ladrão. Ele devolveu o relógio e foi perdoado
por um exultante Gandhi.
Com agências internacionais
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