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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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"TOTAL RECALL"

História vitoriosa de imigrante austríaco reúne infância difícil, republicanos, mulheres, esteróides e muito dinheiro

Rico e famoso, Schwarzenegger quer o poder

BERNARD WEINRAUB
CHARLIE LEDUFF
DO "NEW YORK TIMES", EM LOS ANGELES

Há 35 anos, um halterofilista austríaco desconhecido que falava poucas palavras de inglês, quase não tinha dinheiro e era totalmente destituído de experiência como ator foi aos Estados Unidos e fez uma previsão: disse que se tornaria astro de cinema, ganharia milhões de dólares, se casaria com uma mulher glamourosa e exerceria poder político.
Por mais exagerados que algumas pessoas possam ter achado seus sonhos, todas as previsões de Arnold Schwarzenegger se realizaram -menos a última. Pelo menos por enquanto.
Ao participar da bizarra corrida eleitoral para tomar o lugar do governador da Califórnia, Schwarzenegger, 56, busca realizar o que ele certa vez descreveu como seu "plano mestre". Ao que tudo indica, sua progressão em direção ao sucesso não foi uma simples obsessão típica de imigrante decidido a fazer sucesso por conta própria. Foi um esforço calculado para transformar-se numa figura invulnerável e poderosa, não apenas em termos físicos.
Além disso, representou o distanciamento total em relação ao garoto austríaco magrelo cujo pai, Gustav, policial e antigo membro do Partido Nazista, o intimidava e às vezes espancava, além de dar preferência a seu outro filho, Menhard, segundo relatos publicados da vida de Schwarzenegger (vale notar que ele não compareceu ao funeral de seu pai, em 1972, nem ao de seu irmão, morto num acidente de carro em 1971).
"Arnold tinha fascínio pelo dinheiro e o poder", disse George Butler, diretor de "O Homem dos Músculos de Aço" ("Pumping Iron"), documentário de 1976 que se tornaria o primeiro sucesso de Schwarzenegger. "Arnold é um homem de ambição infinita."

Carreira em declínio
Não é de hoje que Schwarzenegger manifesta interesse pela política, mas o fato é que sua candidatura a governador acontece num momento em que sua carreira no cinema entra em decadência. Entre 1982, com o lançamento de ""Conan, o Bárbaro", e 1991, quando foi distribuído ""O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final", Schwarzenegger foi um dos atores mais populares do mundo. Mas "O Último Grande Herói", 1992, custou caro e foi um fracasso de bilheteria. À medida que foi envelhecendo, Schwarzenegger passou a atuar numa série de comédias: "Irmãos Gêmeos" fez sucesso, mas "Junior" e "Um Herói de Brinquedo", não. Seus filmes de ação mais recentes, como "Efeito Colateral" e "O Sexto Dia", foram decepções de bilheteria. Seu último filme a chegar aos cinemas, "O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas", já arrecadou mais de US$ 145 milhões, mas, devido ao alto custo de sua produção, não foi muito lucrativo nos Estados Unidos.
Segundo seu melhor amigo e antigo colega fisiculturista, Franco Columbu, o desejo insaciável de sucesso e o senso perfeito de "timing" de Arnold Schwarzenegger são os responsáveis por ele ter chegado até onde chegou. "Ele sabe descer do palco quando está por cima", disse.

Público e privado
Schwarzenegger possui um nome conhecido que lhe confere vantagem enorme em relação à maioria dos outros 134 candidatos à sucessão do governador democrata Gray Davis na eleição especial de 7 de outubro.
Mas o questionamento público mal começou. Schwarzenegger ainda não esclareceu suas posições com relação à maioria das questões, entre elas a crise orçamentária estadual e a imigração.
Com relação ao aborto, porém, ele já se manifestou a favor do direito de escolha da mulher. Sobre empresas e negócios, disse que quer levar mais para o Estado. E, no que diz respeito à economia, ele declarou: "Ainda acredito na redução dos impostos e no poder do livre mercado".
Ele está sendo questionado quanto a sua vida privada -foi acusado de assédio sexual por várias mulheres e de ter sido um admirador de Hitler.
Um perfil detalhado de Schwarzenegger publicado em 2001 pela revista "Premier" o acusou de ser mulherengo contumaz, ter comportamentos grosseiros e trair sua mulher, Maria Shriver. Schwarzenegger qualificou as afirmações como "lixo".
Em investigação recente de suas finanças, o "Los Angeles Times" estimou que sua fortuna seja muito superior a US$ 200 milhões. Isso inclui investimentos imobiliários e uma participação importante na Dimensional Fund Advisors, empresa de fundos mútuos que administra US$ 40 bilhões.
A ascensão de Schwarzenegger não foi apenas política, mas também social. Ele fez uso de sua fama inicial para conhecer Jacqueline Kennedy Onassis. Quando foi lançado "O Homem dos Músculos de Aço", o ator disse ao publicitário do filme, Bobby Zarem, que a pessoa que mais queria conhecer era Jackie. Um almoço foi organizado para apresentar o relativamente desconhecido Schwarzenegger a ela, a Andy Warhol e a outras pessoas.
"Arnold é uma das pessoas mais políticas que conheço. Tudo o que ele faz é político. Ele possui uma habilidade espantosa de chegar a uma reunião, sentar-se com pessoas num restaurante e imediatamente avaliar seus pontos fortes e fracos. Ele manipula as pessoas", avaliou Butler.

Infância difícil
Arnold Alois Schwarzenegger nasceu em 30 de julho de 1947 em Thal, na Áustria, perto de Grazi, e passou sua infância no mesmo lugar. Sua mãe era dona-de-casa. Wendy Leigh, autora de uma biografia, escreveu neste ano num jornal austríaco que o pai do futuro ator tinha um temperamento brutal e sentia prazer em fazer seus dois filhos se voltarem um contra o outro. Segundo ela, Arnold costumava perder nas disputas de boxe ou corrida.
Quando garoto, se tornou fã do halterofilista Reg Park, astro de filmes B sobre Hércules. Na autobiografia publicada em 1977, Schwarzenegger disse que Park se tornou sua "figura paterna de fantasia". Ele contou que os pais o ridicularizavam e desprezavam como bobagem o sonho de transformar seu corpo e se tornar astro do cinema. "O ambiente em casa era muito repressor", disse, em "O Homem dos Músculos de Aço".
Sua sorte começou a mudar quando conheceu Joe Weider, a força motriz por trás da Federação Internacional de Fisiculturismo. Impressionado com o charme e o humor do jovem austríaco e convencido de que era o tipo de figura capaz de transformar o fisiculturismo num esporte popular, Weider o levou aos EUA em 1968.
Aos 20 anos, Schwarzenegger se tornou o mais jovem vencedor do Mister Universo, o maior prêmio amador do esporte (ele conquistaria a coroa outras quatro vezes). Mas teve mais dificuldade em conquistar o título profissional, Mister Olympia, em 1969.
Sua estréia no cinema aconteceu em 1970 e foi pouco promissora: o filme hoje esquecido ""Hercules in New York".
A televisão despertou seu interesse pela política, e, em especial, pelo Partido Republicano. Columbu contou que ele e Schwarzenegger sempre acharam os republicanos muito mais interessantes do que os democratas, que os lembravam do socialismo deprimente que tinham deixado para trás na Europa. Já os republicanos representavam o trabalho duro, a auto-suficiência e uma política externa "musculosa".
A condição de astro do cinema levou Schwarzenegger a conhecer republicanos de alto escalão como Ronald Reagan, o vice-presidente George Bush (pai do atual presidente) e Pete Wilson, o então senador e futuro governador da Califórnia. Schwarzenegger se aproximou especialmente de Bush, admirado por seu pragmatismo e sua visão de mundo.
A equipe de campanha de Schwarzenegger, candidato a governador, é formada por Wilson, republicano que defende medidas rígidas de combate à imigração ilegal, mas que tem uma abordagem mais moderada ao aborto e outras questões sociais, e alguns membros de alto nível de sua antiga equipe de Sacramento.
Outra figura de destaque na campanha é a mulher de Schwarzenegger, Maria Shriver, jornalista de TV e integrante da eternamente democrata família Kennedy. Consta que Shriver atua como fator que contrabalança os republicanos. "Ela encara a disputa na condição de mulher dele", disse uma ex-assessora de Schwarzenegger, Sheri Annis. "Ela não é Hillary Clinton -quer promover Arnold, e não a si mesma."
Ele não votou nas duas últimas eleições presidenciais. E, nos últimos 20 anos, deu mais dinheiro a democratas do que a republicanos -se bem que todos os democratas em questão tenham sido da família Kennedy.
Os setores mais conservadores do Partido Republicano vêm hesitando em apoiar a candidatura de Schwarzenegger. Em questões sociais, pelo menos, suas posições parecem entrar em conflito com as dos conservadores. Sua perspectiva talvez possa ser resumida numa entrevista que concedeu ao "Sunday Telegraph" em 1999, em que disse que o Partido Republicano "vai perder, a não ser que se torne o partido da inclusão". "É preciso receber o estrangeiro que chega sem dinheiro, tanto quanto se recebem o gay, a lésbica, qualquer outra pessoa -alguém que tem pouca instrução, alguém que venha dos bairros pobres das cidades grandes."
Seu currículo político, extremamente pequeno, inclui um período como presidente do Conselho de Boa Forma Física no governo do primeiro presidente George Bush e o patrocínio da bem-sucedida iniciativa eleitoral californiana Proposta 49, no ano passado, que canalizou verbas do Estado a programas voltados aos alunos após o horário das aulas.

Esteróides e nazismo
Schwarzenegger admite ter tomado esteróides no passado para aumentar seus músculos. Em 1997, depois de passar por cirurgia de substituição de válvulas cardíacas, seu médico disse que o problema não foi provocado pelo uso de esteróides, mas era consequência de um defeito congênito.
Por volta de 1990, quando já estava interessado num possível futuro na política, Schwarzenegger procurou o Centro Simon Wiesenthal, em Los Angeles, para tentar avaliar as consequências políticas do passado de seu pai, ligado ao Partido Nazista.
O centro descobriu que o pai do ator tentou entrar para o Partido Nazista em 1938 e que foi aceito em 1941. Mas os investigadores não teriam encontrado provas de que Schwarzenegger, pai, tivesse cometido crimes de guerra.
Desde então, segundo o rabino Marvin Hier, fundador e diretor do Centro Simon Wiesenthal, Schwarzenegger e sua mulher passaram a dar muito apoio ao centro. O casal já teria doado mais de US$ 1 milhão. "Nenhum outro astro já doou tanto assim", disse Hier. "Ele é amigo não apenas do centro, mas do Estado de Israel."
Schwarzenegger vive com a mulher e os quatro filhos do casal em Brentwood, um bairro de Los Angeles. Ele deixa claro que está confiante em sua vitória política, assim como já confiou e foi vitorioso no fisiculturismo e no cinema. Como disse em "O Homem dos Músculos de Aço": ""Sempre sonhei com pessoas muito poderosas, ditadores e gente assim. Sempre fiquei impressionado com as pessoas que são lembradas por centenas de anos".


Tradução de Clara Allain


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