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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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RÚSSIA

Para especialistas, pleito, que será realizado hoje, é manobrado pela administração russa e não resolve a violência

Aliado de Putin é o favorito em eleição na Tchetchênia

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A eleição para presidente (governador) da república separatista da Tchetchênia, que ocorre hoje, transformou-se em mais uma etapa do projeto do presidente da Rússia, Vladimir Putin, de manter as rédeas do poder.
Assim, de acordo com especialistas consultados pela Folha, não há nenhuma esperança de que o pleito seja transparente ou justo nem de que ele sirva como base para a solução do sangrento conflito regional, que se intensificou desde 1999. A eleição presidencial tchetchena é o ponto alto do plano de paz de Putin para a região.
"A eleição é uma farsa. Há inúmeros candidatos, mas só um tem chance de vencer. Trata-se do homem escolhido por Putin para administrar a república secessionista [Akhmad Kadyrov]. O problema é que ele não goza de nenhuma legitimidade aos olhos da população tchetchena, que, com razão, o vê como um títere de Moscou", avaliou Mark Kramer, especialista em questões russas da Universidade Harvard (EUA).
Embora tenha liderado um grupo guerrilheiro no primeiro conflito recente na região (1994-1996), Kadyrov, um clérigo muçulmano moderado, foi apontado por Putin para governar a Tchetchênia em 2000. Desde então, é malvisto pela população local.
Ele recebeu, anteontem, o apoio do Kremlin, numa medida fortemente criticada por organizações não-governamentais que monitoram a situação tchetchena.
Todavia a lista de violações eleitorais não pára aí. O único candidato que tinha alguma chance de derrotar Kadyrov, o industrial Malik Saidullayev, foi afastado da eleição pela Suprema Corte russa por conta de problemas com sua inscrição. Outros candidatos desistiram da disputa para "não participar de uma farsa".
Além disso, os ainda adversários de Kadyrov o acusam de realizar uma campanha de intimidação e de extorsão, visando arrecadar fundos para promover sua candidatura e consolidar seu controle sobre a cena política local.
Para completar o quadro, o Kremlin decidiu, há dez dias, começar a pagar indenização a tchetchenos que perderam suas propriedades por causa do conflito na região, segundo o ministro russo responsável pela questão tchetchena. Entretanto as organizações que monitoram a crise criticaram a medida, afirmando que Moscou busca "comprar votos".
Mesmo o plebiscito ocorrido em março, cujo resultado oficial mostrou que 95% dos tchetchenos preferiram manter a região ligada à Rússia, é contestado pelos separatistas, que falam em fraude.
"Putin não poupará esforços para mostrar aos russos que está resolvendo o problema tchetcheno. Vale lembrar que sua eleição foi fortemente influenciada por sua ação contra os rebeldes tchetchenos. Assim, ele quer assegurar aos russos que está cuidando da questão", apontou Kramer.
"Na verdade, ao dar um verniz de legitimidade aos administradores tchetchenos pró-Moscou, sua preocupação maior é evitar que os separatistas realizem atentados nas grandes cidades russas, como ocorreu em outubro passado ou em julho deste ano. Tudo o que lhe interessa agora é a eleição legislativa de dezembro."

Terrorismo
De fato, para as pretensões eleitorais de Putin -conquistar uma maioria parlamentar que faça com que a Duma (Câmara Baixa do Parlamento) aja conforme seus interesses-, o terrorismo é uma ameaça. Em outubro de 2002, guerrilheiros tchetchenos tomaram um teatro em Moscou, fazendo cerca de 700 reféns. Na retomada do teatro pelas forças especiais russas, 129 reféns e 41 rebeldes tchetchenos morreram.
Em julho último, duas terroristas suicidas detonaram explosivos e mataram 14 pessoas num festival de rock, perto de Moscou.
Os métodos aplicados pelas forças de segurança russas na república separatista reabriram feridas do passado. Afinal, em 1944, sob o regime de Josef Stálin, centenas de milhares de tchetchenos, acusados de colaboração com os nazistas, foram deportados para a Sibéria e para o Cazaquistão.
"A Rússia tem sido bem mais violenta desde 1999 do que foi no primeiro conflito. Grozni [capital tchetchena] está totalmente destruída atualmente. Os russos são obrigados a forçar os refugiados a voltar à região, pois ninguém quer morar num local em ruínas", explicou Andrew Bennett, autor de "Condemned to Repetition: The Rise, Fall, and Reprise of Soviet-Russian Military Interventionism, 1973-1996" (condenado à repetição: ascensão, queda e repetição do intervencionismo militar soviético-russo, 1973-1996).
Mesmo assim, de acordo com os especialistas, o conflito está longe de ser resolvido. "A única possibilidade de solucionar o problema passa por uma negociação política. O problema é que os russos não aceitam conversar com os líderes tchetchenos que gozam de legitimidade aos olhos da população", afirmou Kramer.
Ademais, desde o 11 de Setembro, Putin, que buscará reeleger-se em 2004, ganhou carta branca da comunidade internacional para pôr fim à rebelião tchetchena, argumentando que ela é protagonizada por terroristas.
As perspectivas são, portanto, sombrias. Para Kramer, após a eleição legislativa russa, o Kremlin deverá lançar uma nova ofensiva contra os insurretos.


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