São Paulo, segunda-feira, 05 de outubro de 2009

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Crise faz deposto perder apoio camponês

Produtores e comerciantes eleitores de Zelaya reclamam de queda nas vendas; "dinheiro não circula", diz verdureiro

Impasse hondurenho gera pressão dos dois lados por um acordo; vizinhos da embaixada padecem restrições na vida cotidiana

DA ENVIADA ESPECIAL A TEGUCIGALPA

O prolongamento da crise política em Honduras tem custado ao presidente deposto Manoel Zelaya parte do apoio popular do campesinato. Atingidos pela retração econômica de 2008, muitos pequenos produtores dizem enfrentar hoje uma situação ainda mais drástica, que classificam como "a pior crise da história do país".
O presidente golpista Roberto Micheletti também sente a pressão para um acordo político, vinda de empresários preocupados com as perdas econômicas. A estimativa é de que o país tenha perdido o equivalente a 6% do seu PIB.
A Folha ouviu produtores rurais que vivem da venda de produtos na maior feira da capital. No mercado de Mayoreo, os comerciantes acusam perdas em torno de 60%. Pablo Varella, 57, vende um dos principais alimentos dos hondurenhos, feijões. O preço de um pacote de cinco libras, diz ele, caiu de 50 para 38 lempiras. "Não cobre mais meus gastos."
Guillermo Hernández, 82, que há 28 vende verduras na capital, diz que a situação no campo reflete a queda do consumo na cidade. "O dinheiro não circula, as pessoas cortaram gastos até na comida."
Varella e Hernández, eleitores de Zelaya, se dizem decepcionados. Ainda lembram das políticas populares do deposto, como subsídios à energia elétrica e os aumentos no salário mínimo, mas criticam sua "sede de poder". "Mel [apelido de Zelaya] esqueceu que sua insistência afeta o campesinato. Ele precisa levar isso em conta quando negociar o fim da crise", diz Hernández.
Os shopping centers, reduto da classe média alta, na qual Micheletti tem mais apoio, vivem um renascimento com o fim do toque de recolher. "Quando tínhamos de fechar às 18h, perdíamos a maioria dos clientes, que vinham depois do trabalho", conta a gerente de uma loja em Las Cascadas. Segundo ela, os últimos dias foram de recuperação.
No turismo, onde as perdas são estimadas em ao menos 40%, a crise é ainda forte. "Só nos recuperaremos depois que a calma tiver se estabelecido e tivermos um novo presidente", diz Afonso Cervejon, dono de uma agência de viagens.
Também afetados pela crise -mas aquela iniciada com a volta de Zelaya ao país, em 21 de setembro-, os moradores do pacato bairro de classe média alta Colônia Palmira tiveram a vida transformada em uma intrincada rotina burocrática. Vizinhos da embaixada brasileira, eles estão a poucos metros do presidente deposto.
Mais de 400 policiais e soldados fecham a área de aproximadamente 200 metros em torno da embaixada. Ali ninguém entra ou sai sem uma minuciosa revista. Só moradores, alguns diplomatas e funcionários do governo têm passe livre. Convidados, nem pensar.
As poucas empresas ali fecharam ou trabalham em tempo reduzido. Do lado de fora da trincheira, lê-se em uma janela os dizeres "serviço de buffet". Maria Gutierrez, dona do negócio, fechou as portas temporariamente: ninguém consegue buscar as encomendas.
Cármen Valladares diz que tenta seguir um ritmo normal. Nem as baladas noturnas não foram eliminadas.
Manuel Galdéz reclama do barulho que vem da sede brasileira. "Música, conversas, às vezes parece que é uma festa", diz. Ele relata que muitos vizinhos decidiram abandonar o local até que a situação se normalize.
Por outro lado, Palmira se tornou o metro quadrado mais bem resguardado de Honduras. "Posso deixar a porta aberta", diz Gilda Odoñe, 62. (ANA FLOR)


Leia mais sobre o cotidiano na embaixada brasileira no blog do enviado especial da Folha a Tegucigalpa, Fabiano Maisonnave

www.folha.com.br/0927321



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