São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

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Sharon terá de repensar tática de negociação da paz com vizinhos

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A mais que provável morte de Arafat não criará um problema apenas para os palestinos. O maior problema estará no campo israelense, já que terá sido eliminado o obstáculo em nome do qual o primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, recusou-se a prosseguir com as negociações de paz com o lado palestino.
É o que argumenta Henry Siegman, intelectual que por 16 anos presidiu o Comitê Judaico Americano e que hoje é diretor de pesquisas sobre Oriente Médio do Council on Foreign Relations, nos Estados Unidos.
Ele acredita que Israel não poderá mais evocar um dos seus mais pisados argumentos, o de que o lado árabe da mesa de negociações rejeita sistematicamente saídas para a paz. No entanto, Siegman também afirma que, entre os palestinos, existe um longo trabalho a ser feito no sentido de costurar soluções de compromisso que permitam uma política unitária.
Essa unidade, afirma, por fim, se dará em torno de algo que, exceto por parte dos terroristas do grupo islâmico Hamas, já é consensual: o reconhecimento dos direitos de Israel.

Cisão de líderes
Outros especialistas ouvidos pela Folha acreditam que a morte de Iasser Arafat favorecerá uma divisão entre os palestinos, com lideranças favoráveis a uma linha moderada diante do Estado de Israel, de um lado, e, do outro, outras abertamente predispostas à franca radicalização.
Gideon Rose, que foi conselheiro do governo americano durante a gestão de Bill Clinton (1993-2001) e hoje também é pesquisador do Council on Foreign Relations, disse que a principal preocupação está na impossibilidade de se prever uma linha de conduta coerente entre os sucessores de Arafat.


"A maioria tende a achar que acabou a era em que palestinos eram chefiados por líderes da resistência militar no exílio", afirma pesquisadora


O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP) não fez sucessores. "Ninguém pode substituí-lo como consciência nacional de seu povo." Ele combinava dois atributos: encarnava o nacionalismo palestino e também a relutância em fazer concessões para uma paz definitiva com Israel.
Rose diz acreditar que Mahmoud Abbas, conhecido como Abu Mazen, e Ahmed Korei estariam predispostos a negociar com os israelenses. Mas eles não têm a mesma autoridade de Arafat.
Existem também os radicais que se recusam a qualquer processo de paz. Arafat manteve sua autoridade entre os dois campos ao colocá-los um contra o outro. Com sua morte, as duas tendências deverão se decantar e adquirir liberdade política de movimento. Mesmo para lutarem uma contra a outra.
A reeleição do republicano George W. Bush, diz por fim Rose, foi o sinal de que os Estados Unidos continuarão a não tomar as iniciativas. "A bola continuará no campo palestino." Bush tende a seguir os acontecimentos em lugar de liderá-los.

Duplo favorecimento
Ligada ao escritório de Washington do Instituto de Estudos Palestinos, Nadja Higab também diz acreditar que a morte do líder palestino Iasser Arafat favoreceria ao mesmo tempo os partidários da paz e os defensores de ações mais radicais.
"Creio, no entanto, que será uma oportunidade para repensar as formas de agir, diante do malogro das iniciativas de paz nos últimos 13 anos", diz ela.
O grupo ao qual Nadja Higab pertence tende a tomar por parâmetro as leis internacionais, já evocadas para contestar o muro que Israel constrói na Cisjordânia -o qual, alegam os israelenses, que preferem o termo "cerca", é um empreendimento que visa a dar mais segurança a Israel no sentido de dificultar ações terroristas- e a tratar os direitos palestinos como direitos humanos.
Sem Arafat, Higab afirma que Israel tentará reforçar a autoridade de lideranças locais, cuja emergência estimulou ao longo da década de 1970.
"Os atentados não cessarão, mas a maioria tende a acreditar que chegou ao fim um período em que os palestinos eram chefiados por líderes da resistência militar no exílio."
Há ainda os setores modernos da sociedade palestina -empresários, universitários- cujas vozes se fariam ouvir agora com maior facilidade.

OLP esmagada
Diane Buttu é assessora jurídica da OLP (Organização para a Libertação da Palestina). Sua posição é interessante porque ela fala de dentro de uma organização agora exposta a cisões.
Seu raciocínio é o de que Arafat presidia a OLP, órgão político que negociava com o Estado de Israel e que procurava representar todos os palestinos, mesmo os da diáspora. Chefiava, ao mesmo tempo, a ANP.
Esta última organização, para ela, está enfraquecida em razão do espaço insuficiente que os israelenses lhe deram para funcionar como núcleo de um Estado. É possível que a disputa pela sucessão de Arafat na ANP não seja acirrada. O mesmo não ocorre com a OLP. Há embates políticos pela frente, e fora dessa organização existem os grupos como o Hamas e o Jihad Islâmico, militarizados para combater Israel e que tendem a permanecer na oposição. Não disputarão, diz Buttu, o controle político do movimento.


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