São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

memória

Temas de 1994 voltam na voz da oposição

CLAUDIA ANTUNES
EDITORA DE MUNDO

Nos Estados Unidos, como aqui, a política anda em círculos. Os republicanos conquistaram a maioria na Câmara, hoje em perigo, no segundo ano do primeiro mandato do democrata Bill Clinton. Apoiavam-se numa plataforma, o Contrato com a América, que pretendia varrer os últimos traços do liberalismo cultural e do Estado intervencionista inaugurado pelo governo Roosevelt (1933-1945). Prometiam acabar com um governo "muito grande e intruso" e respeitar "os valores da família".
Ao lado do Leviatã e da frouxidão moral, havia o mote da ética, traduzido na campanha de então como uma guerra da América profunda e honesta contra os vícios de Washington. O contrato prometia acabar com o "ciclo de escândalo e desgraça" na Câmara, onde os democratas eram maioria havia 40 anos.
Vitoriosos, os republicanos trataram de zelar pela moralidade, impondo a Clinton um processo de impeachment pelo caso com a estagiária (ou por mentir sobre isso). O próprio presidente, numa reverência aos novos tempos, engavetava um plano de ampliação do seguro público de saúde e decretava o "fim da era do governo grande".
Com a eleição de George W. Bush, em 2000, os republicanos tiveram a oportunidade de concluir a primeira parte do seu programa, com cortes generosos de impostos para os americanos de renda mais alta e uma ofensiva (não consumada) contra a Previdência. Na batalha contra os políticos, abateram o Legislativo, endossando superpoderes para o presidente. Ao mesmo tempo, sancionavam o aumento dos gastos do governo - agora para a guerra externa e interna ao novo inimigo, o terrorismo.
Entrementes, o slogan da ética naufragava. Ajudados pela onda patriótica que calou a imprensa e pelo duplo monopólio do poder (no Executivo e no Legislativo), republicanos geraram seus escândalos particulares. Corrupção envolvendo lobistas, negócios obscuros com firmas encarregadas da "reconstrução" do Iraque, isenções suspeitas de impostos para petrolíferas.
A esses desmandos os democratas se apegam agora, numa extensão com sinais trocados daquela campanha de 12 anos atrás. Claro, acima de tudo há hoje o grande catalisador da ofensiva oposicionista, o Iraque -69% dos americanos desaprovam a condução da guerra pelo governo. Mas qual é, afinal, a proposta dos democratas? Não se sabe, ou não há uma, mas várias. O certo é que eles querem que a Casa Branca decrete nos próximos dois anos um plano de saída do caos iraquiano -para não terem que fazer isso caso vençam Bush em 2008.
Também há os impostos. Como diminuir o déficit, como ampliar o seguro de saúde que falta a 30% dos americanos sem aumentá-los? Não existe, igualmente, nenhuma definição dos oposicionistas. Os americanos que votam são os mais educados e os mais ricos. Para eles, os republicanos falam do risco da volta do governo "intruso" -não aquele que espiona seus e-mails, mas aquele que mete a mão no seu bolso para dar dinheiro a perdedores.
No momento, as pesquisas indicam que a oposição pode estar sendo mais medrosa que os eleitores, embora o sistema distrital americano torne os prognósticos sobre eleições legislativas pouco confiáveis. Mas os jornais também noticiam que alguns dos candidatos democratas mais bem-sucedidos são aqueles que aproximam seu discurso dos "valores morais" e do ódio a Washington semeado por ideólogos conservadores. Há, portanto, o risco de que as mesmas armas se voltem amanhã contra os atacantes de hoje.


Texto Anterior: A cada eleição, EUA ficam mais "roxos"
Próximo Texto: Oriente médio: Israel continua ataques na faixa de Gaza e mata mais 5
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.