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São Paulo, sexta-feira, 05 de dezembro de 2003

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HISTÓRIA

Registros americanos recém-liberados dizem que o ex-secretário Kissinger incentivou a ditadura a agilizar o "trabalho"

Documento liga EUA à repressão militar na Argentina

Mike Theiler - 27.nov.2002/Reuters
Kissinger, ex-secretário de Estado, em evento na Casa Branca


CAROLINA VILA-NOVA
DE BUENOS AIRES

O ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger deu apoio, em outubro de 1976, à repressão impulsionada pela ditadura militar argentina e pediu que o governo do ditador Jorge Rafael Videla terminasse rapidamente o "trabalho" para evitar um possível corte de ajuda militar pelo Congresso do país, segundo documentos do Departamento de Estado dos EUA recém-liberados.
"Veja, nossa atitude básica é que gostaríamos que vocês tivessem sucesso. Eu tenho uma visão antiquada de que nossos amigos devem ser apoiados. O que não é compreensível nos Estados Unidos é que vocês tenham uma guerra civil. (...) Quanto mais rápido vocês tenham sucesso, melhor", disse Henry Kissinger ao então chanceler argentino, o almirante Cesar Augusto Guzzetti, em uma reunião no hotel Waldorf Astoria, em Nova York, em 7 de outubro de 1976.
"O problema de direitos humanos está crescendo. Seu embaixador pode informá-lo. Queremos uma situação estável. Não causaremos dificuldades desnecessárias. Se vocês conseguirem terminar antes de o Congresso retornar, melhor. Qualquer nível de liberdade que vocês conseguirem restaurar já ajudaria", continuou Kissinger.
Além de transcrições da reunião entre Kissinger e Guzzetti, os documentos também incluem conversas do chanceler argentino com o vice-secretário de Estado da época, Charles Robinson.
Mantidos em sigilo até anteontem, os documentos foram obtidos pela organização não-governamental National Security Archive (NSA), baseada em Washington, sob a lei de liberdade de informação norte-americana.
A liberação dos documentos revela um apoio de Washington à ditadura de Videla, o que era negado de forma sistemática pelo então subsecretário de Estado para a América Latina, Henry Shlaudeman, que presenciou as conversas.

Ajuda econômica
Na ocasião das conversas, o Congresso americano estava prestes a aprovar sanções contra o regime argentino devido à divulgação de relatórios de abusos de direitos humanos. Além da suspensão de ajuda militar, também estavam em jogo créditos de US$ 8 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Tradicionalmente, os Estados Unidos utilizaram o poder de veto do Congresso sobre a liberação de verbas militares -assim como a liberação de empréstimos por organismos multilaterais- como modo de pressionar e manter algum tipo de controle sobre governos latino-americanos, inclusive as ditaduras dos anos 70.
A chamada "Emenda Harkin" condicionava a assistência econômica ao cumprimento de normas de direitos humanos pelos países.
"Faremos o impossível para não aplicá-la [a emenda] à Argentina, a menos que a situação esteja fora de controle. Há dois créditos no banco. Não temos intenção de votar contra eles. Desejamos que tenham nossos problemas em mente. Eventualmente nos veremos forçados a isso", disse Kissinger.
"Há uma tendência de aplicar nossos padrões morais no exterior, e a Argentina deve entender a reação do Congresso com relação a empréstimos e ajuda militar", afirmou Robinson a Guzzetti, em 6 de outubro de 1976.
"Por quanto tempo é necessário manter uma posição firme e dura? Nosso Congresso retorna em janeiro e, se houver uma clara redução na intensidade das medidas sendo tomadas pelo governo da Argentina, então haveria uma situação diferente em que as acusações de que existe um padrão consistente de violações poderiam ser vistas como inválidas."
Segundo Carlos Ossorio, diretor do projeto de liberação dos documentos sobre a ditadura argentina pela NSA, os novos documentos "não deixam a menor dúvida de que havia duas linhas: uma, a oficial, e outra, que mantinham em reserva, como foi a mensagem direta e clara da parte de Kissinger aos militares argentinos".
Nos últimos anos, Kissinger vem sofrendo pressão da Justiça de países como Argentina, França, Espanha e Chile, para que seja interrogado acerca de seu papel, como chefe da diplomacia americana, na Operação Condor (cooperação entre governos militares da América do Sul para reprimir opositores políticos nos anos 70) e em crimes cometidos durante a ditadura de Augusto Pinochet, no Chile (1973-90).


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