São Paulo, sábado, 06 de janeiro de 2007

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Uma política americana sem ideologias?

LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A ascensão triunfal de Nancy Pelosi à presidência da Câmara, marcando a volta dos democratas ao comando das duas Casas do Congresso, mostra que a oposição à Guerra do Iraque não foi o único tema que polarizou as eleições de novembro nos Estados Unidos.
Por causa do perfil político de parte dos eleitos democratas -contra o casamento gay, a favor do livre uso de armas e pelo rigor fiscal no governo- nem todos os conservadores interpretaram as eleições como uma derrota. Não obstante, muitos republicanos reconhecem que a "revolução conservadora" iniciada no governo Reagan (1981-1989) esgotou seus objetivos básicos.
Na definição de um conselheiro de Reagan, o programa contra a legislação sindical, contra o aborto, pela redução de impostos, terá sido muito bem sucedido. Mas a etapa seguinte da dita revolução, consistindo em limitar o déficit orçamentário, não foi adiante. As divergências surgiram na hora de definir as áreas a serem atingidas pela redução dos gastos.
Outra problema grave tem a ver com as Forças Armadas. O desastre da Guerra do Vietnã levou, em 1973, ao abandono do recrutamento obrigatório e à formação de tropas compostas por voluntários. Do mesmo modo, o desabamento do comunismo na Europa Oriental (1989-1991), conduziu a uma redução do contingente americano, dentro e fora dos EUA. Contando 40 divisões no auge da Guerra do Vietnã (1969-1973), o Exército tem hoje apenas 18 divisões.
O prolongamento da Guerra do Iraque traz agora à tona a insuficiência numérica das tropas, a desmotivação dos oficiais e as dificuldades para atrair recrutas. Para além do problema iraquiano, aparecem as perspectivas políticas desenhadas pelo pleito de novembro -nesse sentido, como o Partido Democrata se posicionará nas eleições de 2008.
Observe-se que o partido mudou. A reestruturação levada a cabo por Howard Dean, um dos presidenciáveis democratas, produziu resultados concretos na eleição. Dean reimplantou o partido nos 50 Estados americanos. Deixando de lado a tática de concentrar a campanha em regiões onde os democratas eram fortes, como nos Estados da Nova Inglaterra, ele levou a batalha eleitoral aos bastiões republicanos em Indiana, Idaho, Wyoming, Kentucky e Nebraska.
Partindo da configuração política resultante das eleições de novembro, um especialista, Matt Bai, escreveu um artigo com um título significativo "A última eleição do século 20?". Segundo ele, o sistema partidário tornou-se menos ideologizado. Paralelamente ao declínio dos neoconservadores, os democratas mobilizam setores distintos dos grandes sindicatos, dos ecologistas e dos militantes dos direitos civis, que constituíam as bases tradicionais do partido. Ao lado, surge uma militância mais difusa, como os chamados "filantropos progressistas", exemplificados pelo MoveOn.org (que envolve 3 milhões de internautas).
Desta forma, os democratas tenderiam a se apartar de lideranças de esquerda como Dean, John Kerry ou Nancy Pelosi, para se aproximar de líderes moderados como Barak Obama, senador do Illinois. Do lado republicano, o candidato mais bem situado seria o ex-prefeito de Nova York, também um moderado, Rudolf Giuliani. Nancy Pelosi quer introduzir várias reformas democratas até 23 de janeiro, quando o presidente Bush apresenta o tradicional discurso sobre o Estado da União. Seu programa inclui um aumento do salário mínimo, o apoio à pesquisa com células-tronco embrionárias, a redução dos juros dos empréstimos aos estudantes, programas de saúde pública e corte dos subsídios às companhias de petróleo.
Resta saber se a esquerda democrata, representada por Nancy Pelosi, tem força suficiente, no Congresso e em seu próprio partido, para levar adiante, em 15 dias, esta plataforma política.


LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO 61, é professor titular de história do Brasil da Universidade de Paris-Sorbonne, autor de "O Trato dos Viventes" e editor do blog http:// sequenciasparisienses.blogspot.com


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