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Uma política americana sem ideologias?
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A ascensão triunfal de
Nancy Pelosi à presidência
da Câmara, marcando a volta
dos democratas ao comando
das duas Casas do Congresso, mostra que a oposição à
Guerra do Iraque não foi o
único tema que polarizou as
eleições de novembro nos
Estados Unidos.
Por causa do perfil político
de parte dos eleitos democratas -contra o casamento
gay, a favor do livre uso de armas e pelo rigor fiscal no governo- nem todos os conservadores interpretaram as
eleições como uma derrota.
Não obstante, muitos republicanos reconhecem que a
"revolução conservadora"
iniciada no governo Reagan
(1981-1989) esgotou seus objetivos básicos.
Na definição de um conselheiro de Reagan, o programa contra a legislação sindical, contra o aborto, pela redução de impostos, terá sido
muito bem sucedido. Mas a
etapa seguinte da dita revolução, consistindo em limitar
o déficit orçamentário, não
foi adiante. As divergências
surgiram na hora de definir
as áreas a serem atingidas
pela redução dos gastos.
Outra problema grave tem
a ver com as Forças Armadas. O desastre da Guerra do
Vietnã levou, em 1973, ao
abandono do recrutamento
obrigatório e à formação de
tropas compostas por voluntários. Do mesmo modo, o
desabamento do comunismo
na Europa Oriental (1989-1991), conduziu a uma redução do contingente americano, dentro e fora dos EUA.
Contando 40 divisões no auge da Guerra do Vietnã
(1969-1973), o Exército tem
hoje apenas 18 divisões.
O prolongamento da
Guerra do Iraque traz agora à
tona a insuficiência numérica das tropas, a desmotivação dos oficiais e as dificuldades para atrair recrutas.
Para além do problema
iraquiano, aparecem as perspectivas políticas desenhadas pelo pleito de novembro
-nesse sentido, como o Partido Democrata se posicionará nas eleições de 2008.
Observe-se que o partido
mudou. A reestruturação levada a cabo por Howard
Dean, um dos presidenciáveis democratas, produziu
resultados concretos na eleição. Dean reimplantou o partido nos 50 Estados americanos. Deixando de lado a tática de concentrar a campanha
em regiões onde os democratas eram fortes, como nos
Estados da Nova Inglaterra,
ele levou a batalha eleitoral
aos bastiões republicanos
em Indiana, Idaho, Wyoming, Kentucky e Nebraska.
Partindo da configuração
política resultante das eleições de novembro, um especialista, Matt Bai, escreveu
um artigo com um título significativo "A última eleição
do século 20?".
Segundo ele, o sistema
partidário tornou-se menos
ideologizado. Paralelamente
ao declínio dos neoconservadores, os democratas mobilizam setores distintos dos
grandes sindicatos, dos ecologistas e dos militantes dos
direitos civis, que constituíam as bases tradicionais
do partido. Ao lado, surge
uma militância mais difusa,
como os chamados "filantropos progressistas", exemplificados pelo MoveOn.org
(que envolve 3 milhões de internautas).
Desta forma, os democratas tenderiam a se apartar de
lideranças de esquerda como
Dean, John Kerry ou Nancy
Pelosi, para se aproximar de
líderes moderados como Barak Obama, senador do Illinois. Do lado republicano, o
candidato mais bem situado
seria o ex-prefeito de Nova
York, também um moderado, Rudolf Giuliani.
Nancy Pelosi quer introduzir várias reformas democratas até 23 de janeiro,
quando o presidente Bush
apresenta o tradicional discurso sobre o Estado da
União. Seu programa inclui
um aumento do salário mínimo, o apoio à pesquisa
com células-tronco embrionárias, a redução dos juros
dos empréstimos aos estudantes, programas de saúde
pública e corte dos subsídios
às companhias de petróleo.
Resta saber se a esquerda democrata, representada por
Nancy Pelosi, tem força suficiente, no Congresso e em
seu próprio partido, para levar adiante, em 15 dias, esta
plataforma política.
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO 61, é professor titular de história do Brasil da Universidade de Paris-Sorbonne, autor de "O Trato
dos Viventes" e editor do blog http:// sequenciasparisienses.blogspot.com
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