São Paulo, sexta-feira, 06 de fevereiro de 2009

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Refém libertado pede a governo que negocie com Farc

Sigifredo López, capturado em 2002, contou que os 11 parlamentares cativos com ele foram mortos pela guerrilha, e não em confronto com Exército

FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Libertado ontem pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) após quase sete anos de cativeiro, o ex-deputado colombiano Sigifredo López cobrou do governo que negocie a troca dos reféns ainda na selva por guerrilheiros presos. Bogotá rejeita a proposta.
López, 45, disse que só o intercâmbio pode "trazer com vida os 22 militares [e policiais] que estão amarrados a uma árvore há dez anos". "Libertação unilateral dos civis já e troca dos prisioneiros combatentes."
O ex-refém falou a uma multidão que o aguardava em uma praça de Cali, capital do departamento de Valle del Cauca (sudoeste), pouco após chegar à cidade a bordo do helicóptero Cougar do Exército brasileiro que o retirou da selva. Grisalho e com aparência saudável, López abraçou a mulher, Patrícia, e os filhos Lucas, 20, e Sérgio, 18, ainda na pista de pouso.
O ex-deputado foi o sexto e último refém que as Farc, fracas e desmoralizadas, entregaram a um grupo liderado pela senadora de oposição Piedad Córdoba. O próprio definiu o objetivo da guerrilha: "Não se trata de libertações humanitárias, são políticas".
As Farc tentam influir na opinião pública de modo a furar o consenso em torno da ofensiva militar do governo de Álvaro Uribe contra a guerrilha e relançar o acordo humanitário e a negociação política. Ontem, Córdoba afirmou que o líder das Farc, Alfonso Cano, lhe enviou uma mensagem -ela não a leu- reforçando a proposta.

Uribe e Lula
A operação de entrega foi dirigida pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e teve apoio logístico do Brasil, que cedeu dois helicópteros e 18 militares. Ontem, Uribe ligou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para agradecer.
De acordo com o chanceler Celso Amorim, ele elogiou a "discrição" brasileira na ação. Segundo o relato, Lula disse que, em política, a discrição geralmente é 50% do resultado. Ele confirmou que Uribe vem ao Brasil no próximo dia 17.
López é o único sobrevivente do grupo de 12 deputados de Valle del Cauca sequestrados em 2002. Segundo ele, os outros 11 foram mortos pelas Farc em julho de 2007. O ex-refém disse que não houve fogo cruzado com "um grupo militar não-identificado", como a guerrilha alegara. "Isso é um buraco na minha alma e algo que os colombianos jamais podem esquecer." Na plateia estavam vários familiares das vítimas.
Segundo o ex-deputado, ele só não morreu porque estava cumprindo um castigo, preso a correntes longe dos companheiros. Pelo que soube, um grupo guerrilheiro chegou ao acampamento sem avisar e foi confundido com o inimigo. "Não houve ataque aéreo."
O chamado ao diálogo de López e as críticas à política de Uribe se somam às feitas pelo ex-governador de Meta, Alan Jara, libertado na terça. Ele defendeu a negociação política -exigência de seus valores democráticos e cristãos, disse- em um discurso de uma hora.
"Há um ano e meio não falo com ninguém", disse, ofegante. "Me deixam falar então?"
López, do Partido Liberal, o mesmo de Córdoba, citou a troca de prisioneiros entre palestinos e israelenses para dizer a Uribe que a negociação não significa um revés à política de "segurança democrática" -a estratégia que acossou militarmente as Farc. "A Uribe do que é de Uribe. É um bom presidente. Dizem que a criminalidade caiu. Mas a política tem falhas na parte humanitária", disse.
O ex-refém comparou Córdoba à personagem da mulher do médico do livro "Ensaio sobre a Cegueira", de José Saramago. "Ela é a única que enxerga" numa Colômbia em trevas.

Com a Sucursal de Brasília e agências internacionais


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