São Paulo, domingo, 06 de maio de 2007

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Iraquianos criam nova Bagdá na Síria

População do país árabe aumentou 7% com a chegada de 1,3 milhão de refugiados, que sobrecarregam serviços públicos

"Se eu não fugisse, me matariam", diz ex-campeão de fisioculturismo no Iraque, onde seus músculos perderam a serventia

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A DAMASCO

Ex-campeão de fisiculturismo em sua Bagdá natal, o iraquiano Adnan Mohammad, 33, exibe um olhar desamparado que contrasta com seu porte avantajado. Ao contar porque decidiu deixar para trás a glória esportiva para ser instrutor em uma modesta academia de ginástica no poeirento bairro de Sayida Zaynab, num subúrbio de Damasco, ele parece admitir, a contragosto, que seus músculos de nada adiantaram para lhe salvar a pele.
"Na verdade a decisão foi simples: se eu não fugisse o Exército Mahdi me mataria", conta Adnan, sob o olhar atento de outros refugiados espalhados entre ultrapassados aparelhos de musculação.
Depois de ter dois irmãos mortos pela milícia xiita comandada pelo clérigo radical Moqtada al Sadr, ele preferiu não esperar para ver se as ameaças que recebeu eram verdadeiras. Há nove meses, juntou o pouco que tinha e engrossou a gigantesca onda de iraquianos que invadiu a Síria.
Acusada pelo governo dos Estados Unidos de ser a porta de entrada de 90% dos homens-bomba que aterrorizam o Iraque, a Síria começa a pagar o preço de ser a principal rota de fuga da barbárie em que mergulhou o país vizinho.
Com uma fronteira de 700 quilômetros com o Iraque, o país foi o que mais recebeu refugiados do vizinho desde a invasão americana, em 2003, algo em torno de 1,3 milhão, segundo a última estimativa do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados). A chegada desta multidão aumentou em quase 7% a população de 19 milhões de habitantes e tem representado um impacto socioeconômico que ameaça abalar um dos países mais estáveis do mundo árabe.
O peso dos refugiados já é sentido nos serviços sociais, na disputa por empregos e na inflação, que sobe junto com o número de iraquianos que atravessam a fronteira, a um ritmo oficial de 8.000 por semana. Os preços dos imóveis em Damasco dobraram. Em alguns casos, inquilinos sírios foram desalojados para dar lugar a iraquianos com mais posses, que ofereciam aluguéis mais altos.


O jornalista Marcelo Ninio viajou a convite do governo sírio


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