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Iraquianos criam nova Bagdá na Síria
População do país árabe aumentou 7% com a chegada de 1,3 milhão de refugiados, que sobrecarregam serviços públicos
"Se eu não fugisse, me matariam", diz ex-campeão de fisioculturismo no Iraque, onde seus músculos
perderam a serventia
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A DAMASCO
Ex-campeão de fisiculturismo em sua Bagdá natal, o iraquiano Adnan Mohammad, 33,
exibe um olhar desamparado
que contrasta com seu porte
avantajado. Ao contar porque
decidiu deixar para trás a glória
esportiva para ser instrutor em
uma modesta academia de ginástica no poeirento bairro de
Sayida Zaynab, num subúrbio
de Damasco, ele parece admitir, a contragosto, que seus
músculos de nada adiantaram
para lhe salvar a pele.
"Na verdade a decisão foi
simples: se eu não fugisse o
Exército Mahdi me mataria",
conta Adnan, sob o olhar atento
de outros refugiados espalhados entre ultrapassados aparelhos de musculação.
Depois de ter dois irmãos
mortos pela milícia xiita comandada pelo clérigo radical
Moqtada al Sadr, ele preferiu
não esperar para ver se as
ameaças que recebeu eram verdadeiras. Há nove meses, juntou o pouco que tinha e engrossou a gigantesca onda de iraquianos que invadiu a Síria.
Acusada pelo governo dos
Estados Unidos de ser a porta
de entrada de 90% dos homens-bomba que aterrorizam
o Iraque, a Síria começa a pagar
o preço de ser a principal rota
de fuga da barbárie em que
mergulhou o país vizinho.
Com uma fronteira de 700
quilômetros com o Iraque, o
país foi o que mais recebeu refugiados do vizinho desde a invasão americana, em 2003, algo
em torno de 1,3 milhão, segundo a última estimativa do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados).
A chegada desta multidão aumentou em quase 7% a população de 19 milhões de habitantes
e tem representado um impacto socioeconômico que ameaça
abalar um dos países mais estáveis do mundo árabe.
O peso dos refugiados já é
sentido nos serviços sociais, na
disputa por empregos e na inflação, que sobe junto com o
número de iraquianos que atravessam a fronteira, a um ritmo
oficial de 8.000 por semana. Os
preços dos imóveis em Damasco dobraram. Em alguns casos,
inquilinos sírios foram desalojados para dar lugar a iraquianos com mais posses, que ofereciam aluguéis mais altos.
O jornalista Marcelo Ninio viajou a convite do
governo sírio
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