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EUA
O pesado "The Apprentice", do ex-assessor de Dick Cheney envolvido em escândalo de Washington, agora é alvo de disputa no mercado
Libby fez livro pedófilo, zoófilo e incestuoso
SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL
Setsuo, uma garota virgem de
dez anos de idade, é colocada pela
cafetina do prostíbulo em que
mora, numa aldeia japonesa de
1903, numa gaiola onde vive um
urso treinado. Lá, o animal a violentará repetidamente, diante de
uma platéia de homens, para que
ela se torne frígida, o que a ajudará na regra básica de sua profissão: não se apaixonar pelo cliente.
De que cabeça poderia ter saído
a idéia do pesado período acima,
que consta do romance "The Apprentice" (a aprendiz), escrito em
1996? Do republicano Lewis
"Scooter" Libby, 56, ex-chefe-de-gabinete do vice-presidente dos
EUA, Dick Cheney (de quem
também era conselheiro especial
para assuntos de segurança nacional), e ex-assessor do presidente George W. Bush.
É o mesmo Libby que pediu
exoneração de seu cargo na Casa
Branca na sexta-feira retrasada e
responde a cinco acusações no
processo que investiga o vazamento da identidade de uma espiã da CIA, mulher do ex-embaixador Joseph Wilson, um crítico
da invasão do Iraque por Bush
que escreveu artigo no "New York
Times" desmentindo uma das
alegações da Casa Branca para a
guerra: a de que Saddam Hussein
tentou comprar urânio do Níger.
Wison havia viajado ao país africano em missão da CIA e, no artigo, revelou que nada encontrara
que confirmasse a suspeita.
A revelação da identidade de
Valerie Plame é um crime que pode levar Libby à cadeia e cuja ordem pode ter vindo de cima como
uma retaliação a Wilson.
Carcaça de cervo
Mas voltemos ao livro por um
momento. Ambientado numa nevasca no Japão da virada do século 19, teria custado duas décadas
de trabalho e burilação ao autor. E
é pródigo em bizarrices. Algumas:
* um samurai morre, e seus irmãos violentam a filha dele;
* outro personagem faz sexo
com a carcaça de um cervo;
* a tal menina do começo (leia
trecho traduzido nesta página) é
levada ao prostíbulo porque seus
parentes, especialmente um tio
velho, começam a assediá-la sexualmente, andando sempre
abraçados com ela nua no colo.
Não é exatamente o tipo de literatura que se espera de um burocrata que até recentemente privava dos círculos íntimos da administração mais conservadora a se
instalar na Casa Branca desde Ronald Reagan (1981-1989), liderada
por George W. Bush, que por sua
vez encabeça a guinada à direita
do país e sob cuja vista ascende a
ultradireita religiosa.
Libby renunciou após ser indiciado por falso testemunho, falsa
instrução e obstrução da Justiça.
Se condenado, pode pegar 30
anos. Foi a primeira vez, em mais
de 130 anos, que um funcionário
da Casa Branca foi indiciado.
Desde então, a procura pelas
poucas cópias do livro que ainda
estão em estoque nas livrarias e
nos sites dispararam e viraram
item de colecionador. No mercado livre da Amazon, para quem
não agüenta esperar a demora na
entrega oficial, pede-se US$ 2.100
por um exemplar de capa dura, o
de 1996. A versão de capa mole, de
2002, sai por no mínimo US$ 129.
Em 24 horas, o original passou
do 33.903º lugar entre todos os
milhares de livros vendidos pela
empresa para 16.279º. O de capa
mole pulou para 1.290º, à frente
de títulos como o primeiro livro
de Harry Potter, hoje em 1.633º.
Conversas em off
A blogosfera está em polvorosa.
"Pelo menos, agora nós já sabemos de onde as técnicas de tortura das prisões de Abu Ghraib, no
Iraque, e Guantánamo, em Cuba,
vieram", escreveu Walter Hemker, após ler "The Apprentice".
A Folha pediu que o republicano comentasse o livro e o sucesso
literário que a obra alcança agora,
depois de um lançamento tímido
nos anos 90. Procurou o advogado que o representa, Theodore
Wells, do escritório nova-iorquino Paul, Weiss, Rifkind, Wharton
& Garrison. Não obteve resposta
até a conclusão desta edição.
Misterioso, I. Lewis "Scooter"
Libby não gosta de falar com a imprensa -pelo menos não "on the
record", jargão para entrevistas
que podem ser reproduzidas. É
apontado como delator do nome
da espiã da CIA em conversas em
"off " mantidas há dois anos com
jornalistas norte-americanos, depois intimados a depor.
Faz mistério sobre seu passado,
e há controvérsias inclusive sobre
seu verdadeiro nome. O "I" inicial
já foi apontado como "Irv", "Irving" e "Irve" pelo próprio -o
último parece o mais provável,
por ser o mesmo nome do pai e
constar de seu livro de graduação
na Universidade Yale, dos EUA.
Os álamos tremem
Já o apelido "Scooter", literalmente "patinete", em inglês, também já foi explicado de diversas
maneiras por Libby. Em certas
ocasiões, atribuiu ao apelido de
um jogador de beisebol de sua infância, Phil "Scooter" Rizzuto; em
outras, disse que veio do pai, que
o criou depois de ver o filho correndo em seu "chiqueirinho".
Numa das raras vezes em que
tocou no assunto "The Apprentice", em entrevista ao programa de
Larry King em 2002, disse: "Refugiei-me no Colorado, tomei tequila e escrevi (o livro)". A recepção
da crítica variou de "sessão de
cartas de revistas pornográficas" a
"doentio". Essa, porém, não seria
sua última aventura literária.
Em carta enviada para a repórter Judith Miller, do "New York
Times", em que a liberava para citar seu nome como a pessoa que
revelou a identidade da agente, o
que a jornalista se recusava a fazer
na Justiça e que lhe valeu 85 dias
na cadeia, ele escreveu: "Você foi
presa no verão. É outono agora...
No Oeste, onde você costuma
passar as férias, os álamos ainda
tremem. Eles tremem juntos, pois
as raízes os conectam. Volte para
o seu trabalho -e para a vida".
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