São Paulo, domingo, 07 de janeiro de 2007

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Fim da trégua da ETA abala popularidade de Zapatero

Horas antes do ataque, socialista disse que processo de paz era seu maior êxito

Fracasso nas negociações com grupo basco põe em risco reeleição do premiê espanhol, que era tida como certa no ano que vem

Paco Campos - 04.jan.2007/France Presse
Zapatero (dir.) visita local do atentado, no aeroporto de Madri


RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

No balanço de fim de ano, o premiê socialista espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, enumerou diversas conquistas de seu governo. Como a mais reluzente, o processo de paz com o grupo terrorista ETA, que declarou trégua permanente em março passado. "Daqui a um ano, estaremos muito melhor", prometeu.
Menos de 24 horas depois do discurso triunfante de Zapatero, uma picape com 200 quilos de explosivos destruiu o estacionamento do terminal 4 do aeroporto de Barajas, em Madri, em 30 de dezembro. Era o ruidoso fim da trégua.
Além de dois equatorianos que cochilavam dentro do carro no momento da explosão e morreram na hora -o corpo do segundo foi achado ontem-, a outra grande vítima do atentado é o próprio Zapatero. A derrota para a ETA põe em risco sua folgada reeleição em 2008.
A ETA (sigla para as iniciais em basco de Pátria Basca e Liberdade) continua a demonstrar seu poder de fogo. Entre quinta e sexta-feira, foram encontrados 160 quilos de explosivos na pequena cidade de Atxondo, no País Basco.
Ao visitar os destroços no estacionamento do aeroporto, Zapatero afirmou ter "mais vontade ainda de alcançar a paz". Mas o secretário-geral do Psoe (Partido Socialista Operário Espanhol), José Blanco, admitiu que "a informação que o governo tinha não correspondia à vontade da ETA".
O Partido Popular, de direita, que governou o país entre 1996 e 2004, critica duramente o processo de paz. "Espero que Zapatero anuncie finalmente que não haverá mais nenhuma negociação com a ETA e que o Estado de Direito atue com contundência", disse o líder do PP, Mariano Rajoy.

Ícone da esquerda
Apesar de a Espanha ser apenas a quinta maior economia da União Européia, Zapatero representava muito para a esquerda do continente.
Para muitos intelectuais, é o único governante forte de esquerda num país grande da Europa Ocidental. O inglês Tony Blair se tornou tão conservador quanto a alemã Angela Merkel, enquanto o italiano Romano Prodi tenta administrar uma coalizão problemática, com maioria parlamentar frágil.
E a vitória de Zapatero em 2004 foi celebrada como a primeira derrota séria dos aliados do presidente George W. Bush -entre eles o ex-premiê conservador José María Aznar, que mandou 1.400 soldados para o Iraque, apesar da oposição de 91% dos espanhóis.
Até que tudo mudou em 11 de março de 2004, quando explodiram quatro trens em Madri. O maior atentado terrorista da história européia teve 191 mortos e 1.900 feridos. Às vésperas das eleições gerais, três dias após o atentado, o governo de Aznar escondeu as informações que apontavam para a autoria da Al Qaeda e culpou a ETA para garantir sua vitória.
Na madrugada de domingo, horas antes da eleição, milhares de espanhóis trocaram mensagens por celular, dizendo que o governo mentia e que o atentado era obra da Al Qaeda. E Zapatero se elegeu de forma surpreendente. Em seu primeiro dia no cargo, em 18 de abril, o socialista anunciou a retirada das tropas do Iraque.

"Bambi de aço"
Chamado de "Bambi" antes da eleição por sua fragilidade, Zapatero surpreendeu com suas primeiras medidas. Nomeou oito ministras, metade do gabinete. Depois de brigar com Bush, ele arranjou disputa com o Vaticano ao aprovar o casamento gay e o direito à adoção de crianças por casais homossexuais - ele também pretende legalizar a eutanásia. Regularizou a situação de quase 1 milhão de imigrantes ilegais.
Mandou retirar as poucas estátuas que sobravam no país em homenagem ao ditador Francisco Franco e criou uma comissão para homenagear todas as vítimas da Guerra Civil Espanhola (1936-1939).
Aos poucos, foi afastando (ou derrubando) os velhos caudilhos socialistas. Ex-vice-premiê espanhol no tempo de Felipe González, Alfonso Guerra apelidou Zapatero de "Bambi de aço".
Mas uma das principais bandeiras de Zapatero em política externa, a chamada Aliança das Civilizações, que promoveria o diálogo entre Ocidente e Oriente, cristãos e muçulmanos, mal saiu do papel.
Se não teve nenhum retorno a seu projeto, Zapatero precisará buscar a paz de maneira bem mais concreta com a ETA, o único grupo terrorista da Europa Ocidental em atividade.


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