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Eutanásia opõe Poderes na Itália
Para barrar morte de paciente, Berlusconi passa por cima de decisão da Justiça e de objeção do presidente
Após chefe de Estado se negar a assinar decreto proibindo interrupção de alimentação, premiê volta
à carga com projeto de lei
DA REDAÇÃO
Apoiado pelo Vaticano, o governo do primeiro-ministro
italiano, Silvio Berlusconi, desafiou ontem por duas vezes o
chefe de Estado e o Judiciário
da Itália e se move para tentar
forçar a interrupção da eutanásia da italiana Eluana Englaro,
37, em coma há 17 anos após
um acidente de carro.
Pela manhã, fez passar um
decreto-lei -espécie de medida provisória- que proibia a
interrupção de alimentação e
hidratação de pacientes em estado vegetativo. O objetivo do
documento era barrar o desligamento da alimentação por
sonda de Englaro, autorizado
pela mais alta corte de Justiça
da Itália em novembro.
O decreto criou uma crise
institucional com o Judiciário,
mas inicialmente não ameaçou
a interrupção da alimentação
de Englaro, já que o presidente
da República, o socialista Giorgio Napolitano, se negou a assiná-lo e dar-lhe efeito de lei.
À noite, Berlusconi apresentou o mesmo texto do decreto
ao Legislativo, mas dessa vez
como projeto de lei que, se
aprovado pelos procedimentos
normais, se tornará efetivo sem
necessidade do crivo do presidente. O governo prevê levá-lo
a votação no Senado no início
da semana que vem.
O procedimento de diminuição do fluxo de alimentos e hidratação de Englaro começa
hoje, segundo a agência de notícias Ansa. Segundo os médicos,
não haveria consequências graves para a paciente caso o governo italiano conseguisse parar o procedimento até cinco
dias depois do seu início. Se vier
a ser interrompido depois deste período, a falta de nutrição já
poderá ter causado "graves danos" ao organismo de Englaro.
Democracia
Após intensa batalha judicial,
a família de Englaro foi autorizada pela Justiça, há três meses, a interromper a alimentação artificial que a mantém viva. O governo, conservador e
fortemente ligado ao Vaticano,
tentou, ainda assim, evitar que
a decisão se efetivasse, ao proibir instituições públicas de realizarem o procedimento.
Na última terça-feira, Englaro foi transferida para uma clínica particular em Udine (nordeste do país), que aceitou fazer
a interrupção da alimentação
-desencadeando, em seguida,
a série de manobras de Berlusconi para tentar barrá-la.
Apesar da posição favorável
da Justiça ao desligamento, e
da decisão do presidente de não
assinar o decreto, por considerá-lo inconstitucional -opinião que era conhecida desde a
noite de quinta-feira-, Berlusconi foi adiante e anunciou que,
se necessário, tentará mudar a
Constituição para impedir a
morte de Englaro.
"Não desejo a responsabilidade pela morte de Eluana",
disse o premiê. Para ele, Englaro "poderia inclusive, hipoteticamente, ter um filho, e se encontra em um estado vegetativo reversível, como já vimos
mais de uma vez".
A ação de Berlusconi gerou
reações até mesmo entre aliados. A oposição de esquerda
afirmou que o comportamento
do primeiro-ministro coloca
em risco a democracia e é "totalmente irresponsável".
Em editorial de primeira página ontem, o diretor do jornal
"La Repubblica", Ezio Mauro,
afirmou que o decreto de Berlusconi -que seria aprovado
depois de escrito o texto- romperia o "ordenamento constitucional" da Itália.
"Não estamos apenas frente
a um conflito, mas diante do
problema de quem tem a última palavra numa democracia,
da intocabilidade do julgado, da
própria regra de separação entre os Poderes."
E atacou a orientação religiosa radical do gabinete de Berlusconi. "Dessa forma, o catolicismo italiano deixou de ser religião das pessoas para se converter em religião civil, com
força de lei", escreveu Mauro.
Em resposta a tais questionamentos, o primeiro-ministro
disse que "nenhum formalismo
jurídico tem o mesmo valor que
uma vida humana".
Com agências internacionais.
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