São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2009

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Eutanásia opõe Poderes na Itália

Para barrar morte de paciente, Berlusconi passa por cima de decisão da Justiça e de objeção do presidente

Após chefe de Estado se negar a assinar decreto proibindo interrupção de alimentação, premiê volta à carga com projeto de lei

DA REDAÇÃO

Apoiado pelo Vaticano, o governo do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, desafiou ontem por duas vezes o chefe de Estado e o Judiciário da Itália e se move para tentar forçar a interrupção da eutanásia da italiana Eluana Englaro, 37, em coma há 17 anos após um acidente de carro.
Pela manhã, fez passar um decreto-lei -espécie de medida provisória- que proibia a interrupção de alimentação e hidratação de pacientes em estado vegetativo. O objetivo do documento era barrar o desligamento da alimentação por sonda de Englaro, autorizado pela mais alta corte de Justiça da Itália em novembro.
O decreto criou uma crise institucional com o Judiciário, mas inicialmente não ameaçou a interrupção da alimentação de Englaro, já que o presidente da República, o socialista Giorgio Napolitano, se negou a assiná-lo e dar-lhe efeito de lei.
À noite, Berlusconi apresentou o mesmo texto do decreto ao Legislativo, mas dessa vez como projeto de lei que, se aprovado pelos procedimentos normais, se tornará efetivo sem necessidade do crivo do presidente. O governo prevê levá-lo a votação no Senado no início da semana que vem.
O procedimento de diminuição do fluxo de alimentos e hidratação de Englaro começa hoje, segundo a agência de notícias Ansa. Segundo os médicos, não haveria consequências graves para a paciente caso o governo italiano conseguisse parar o procedimento até cinco dias depois do seu início. Se vier a ser interrompido depois deste período, a falta de nutrição já poderá ter causado "graves danos" ao organismo de Englaro.

Democracia
Após intensa batalha judicial, a família de Englaro foi autorizada pela Justiça, há três meses, a interromper a alimentação artificial que a mantém viva. O governo, conservador e fortemente ligado ao Vaticano, tentou, ainda assim, evitar que a decisão se efetivasse, ao proibir instituições públicas de realizarem o procedimento.
Na última terça-feira, Englaro foi transferida para uma clínica particular em Udine (nordeste do país), que aceitou fazer a interrupção da alimentação -desencadeando, em seguida, a série de manobras de Berlusconi para tentar barrá-la.
Apesar da posição favorável da Justiça ao desligamento, e da decisão do presidente de não assinar o decreto, por considerá-lo inconstitucional -opinião que era conhecida desde a noite de quinta-feira-, Berlusconi foi adiante e anunciou que, se necessário, tentará mudar a Constituição para impedir a morte de Englaro.
"Não desejo a responsabilidade pela morte de Eluana", disse o premiê. Para ele, Englaro "poderia inclusive, hipoteticamente, ter um filho, e se encontra em um estado vegetativo reversível, como já vimos mais de uma vez".
A ação de Berlusconi gerou reações até mesmo entre aliados. A oposição de esquerda afirmou que o comportamento do primeiro-ministro coloca em risco a democracia e é "totalmente irresponsável".
Em editorial de primeira página ontem, o diretor do jornal "La Repubblica", Ezio Mauro, afirmou que o decreto de Berlusconi -que seria aprovado depois de escrito o texto- romperia o "ordenamento constitucional" da Itália.
"Não estamos apenas frente a um conflito, mas diante do problema de quem tem a última palavra numa democracia, da intocabilidade do julgado, da própria regra de separação entre os Poderes."
E atacou a orientação religiosa radical do gabinete de Berlusconi. "Dessa forma, o catolicismo italiano deixou de ser religião das pessoas para se converter em religião civil, com força de lei", escreveu Mauro.
Em resposta a tais questionamentos, o primeiro-ministro disse que "nenhum formalismo jurídico tem o mesmo valor que uma vida humana".

Com agências internacionais.


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