|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
AMÉRICA DO SUL
Dois anos depois do auge da crise, esperança começa a voltar, mas sentimento de impotência continua forte
Argentinos ainda sentem frustração e raiva
CAROLINA VILA-NOVA
DE BUENOS AIRES
A maior crise socioeconômica e
política da história da Argentina
deixou marcas duradouras no espírito argentino. Embora a esperança comece a voltar, os sentimentos de frustração, raiva e angústia ainda são fortes no país
dois anos depois do auge da crise.
O artífice da esperança recém-recuperada atende pelo nome de
Néstor Kirchner, eleito com 22%
dos votos. O início de seu governo, em maio de 2003, deu fôlego
ao desejo de mudança latente em
grande parte da população, ansiosa por uma solução para o drama
da crise. Mesmo os menos otimistas se dispuseram a dar uma
"chance" ao novo presidente.
Mas a consciência da permanência dos problemas resultantes
de cinco anos de recessão, como
altas taxas de desemprego e de
pobreza, seguiu alimentando sentimentos que pesquisas apontavam como predominantes no pico da crise. A diferença agora é o
ímpeto pela mudança.
"Os sentimentos mais profundos que ficaram são raiva e desilusão com a realidade", diz Cristian
Trepichio, 33. "Mas se pode ver
como positivo o fato de ter chegado a uma situação limite e daí tentar encontrar outros caminhos."
"A sensação é de tratar de levantar-se. Estamos tratando de ver o
que aconteceu com cada um, o
que fizemos ou não fizemos para
chegar ao desastre a que chegamos", diz Gabriela Corvalan, 36,
psicóloga social desempregada.
E o que aconteceu com o orgulho, marca tradicional do argentino? "Sabe que sentimento vem
antes do orgulho?", rebate Hugo
Corvalan, 68, pai de Gabriela. "Se
se pode viver bem ou mal. Mas se
tudo é como é, orgulho de quê?
Para sentir orgulho tenho que me
remeter a 200 anos atrás."
"Não se pode sentir orgulho",
concorda Cristian. "É como ter
um amor platônico, que não é
correspondido."
Crise anímica. Esse foi o nome
dado a pesquisadores para a perda de auto-estima e a desmoralização experimentadas pelo argentino durante a crise.
Segundo pesquisa realizada pela consultoria Ricardo Rouvier e
Associados e a Fundação Antea,
os principais sentimentos manifestados em 2001 eram angústia,
tristeza e amargura (55,9%).
No ano seguinte, esses sentimentos permaneceram no alto da
lista (46,6%). Além disso, duplicaram os sentimentos de raiva
(32,6%) e aumentaram os de decepção (20,6%)
Em 2003, após a posse de Kirchner, a pesquisa detectou uma recuperação do sentimento de esperança, que era mínimo nos anos
anteriores e passou a ocupar o segundo lugar (47,5%). Entre as razões mencionadas estavam o novo governo e a sensação de que o
país iria para frente.
Mas a maioria ainda expressava
angústia, tristeza e amargura como sentimentos predominantes
(49,9%). E, como nos anos anteriores, a sensação de falta de futuro ainda pesava sobre o argentino.
A artista plástica Sonia Saluzzi,
73, mostra uma pintura sua para
expressar o que sente pelo país.
"Assim vejo a Argentina. Essas
árvores estão se extinguindo no
sul. Venho de uma época em que
se encontrava trabalho em qualquer parte. Hoje meus filhos estão
travados, não podem seguir em
frente, tenho muita raiva", disse.
"Hoje os jovens não podem fazer projetos porque não têm estabilidade. Não há projetos, todos
foram se deteriorando e criando
um estado de desencontro," lamenta Hugo.
A filha concorda: "O futuro tem
a ver com o que se faz no presente.
Imagino um futuro exatamente
como agora, com todas as lutas,
todos os labirintos que a gente
percorre para buscar esperança".
"Isso se chama consciência da
enfermidade e é bom. É a vergonha de ter sido e a dor de já não
ser", explicou o psicanalista Alfredo Grande. "Justamente tem que
se chegar a isso, depois que o país
foi quebrado. A situação em algumas comunidades é pior que o
pior pós-guerra. Há comunidades
que ficaram isoladas, como depois de um bombardeio. É preciso
incomodar-se, mas não escandalizar-se. Depois o que fazer com
isso é outra questão", disse.
Texto Anterior: Grécia: Dinastias conhecidas disputam o comando do país na eleição grega Próximo Texto: Kirchner é a grande esperança da população, afirma especialista Índice
|