São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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Política externa teria outro estilo com o democrata

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Se o democrata John Kerry conseguir derrotar o republicano George W. Bush na eleição presidencial de novembro, a política externa americana deverá ser menos agressiva e bem mais multilateralista, porém a transformação não será tão radical quanto gostaria o restante do planeta, segundo analistas consultados pela Folha.
"A mudança dependerá não só de Kerry mas também do partido e dos secretários que serão escolhidos para compor o governo. Mesmo assim, se ele for eleito, sua administração será menos agressiva no que concerne a classificar países ou grupos de terroristas ou de seus aliados, abrindo caminho para o uso de força militar contra eles, o que terá forte impacto sobre a cena internacional", analisou Charles Tilly, autor de "From Contention to Democracy" (da contenção à democracia).
Nunca numa eleição presidencial americana, de acordo com os analistas, a política externa esteve tão no centro dos debates quanto estará desta vez. Todavia, como salientou Diana Owen, autora de "Media Messages in American Presidential Elections" (mensagens da mídia em eleições presidenciais americanas), isso "não significa que o eleitorado venha a dar grande atenção ao tema".
"Uma coisa é o que Kerry tentará utilizar como estratégia de campanha. Outra é a percepção popular das necessidades e dos interesses dos americanos. Assim, a ausência de uma forte criação de empregos, por exemplo, será, indubitavelmente, mais relevante para os eleitores que guerras distantes", explicou Owen.
Embora talvez não seja determinante eleitoralmente, a política externa será crucial num eventual governo de Kerry. "O senador democrata terá de ser coerente com sua retórica de campanha. Assim, será compelido a adotar posições mais moderadas, agindo de modo mais multilateralista e reaproximando os EUA de seus aliados europeus tradicionais. Isso sem abandonar a guerra ao terror", avaliou Davis Bobrow, do Centro Ridgway para Estudos sobre Segurança Internacional (EUA).
"Contudo essa mudança não poderá ser radical por razões domésticas. Desde o 11 de Setembro, o espírito da população americana sofreu uma importante transformação, e a proteção dos interesses dos EUA e de seu território passaram a ser vitais. Kerry será mais seletivo, mas não abandonará a possibilidade de agir preventivamente, visto que isso poderia ser visto como um sinal de fraqueza", acrescentou Bobrow.
Por outro lado, para Ivo Daalder, co-autor de "America Unbound: The Bush Revolution in Foreign Policy" (América sem amarras: a revolução de Bush na política externa), Kerry terá de fazer retroceder a "revolução" realizada por Bush, procurando reaproximar os EUA da Europa.
"Depois do 11 de Setembro, o presidente George W. Bush foi responsável por uma revolução na política externa americana, desprezando a política de alianças que caracterizava o país e privilegiando a idéia de que os EUA são tão poderosos que não precisam da ajuda de ninguém na cena global. Kerry terá de alterar esse quadro", afirmou Daalder.
Nesse contexto, para Bobrow, Kerry também deverá dar mais valor às instituições e aos tratados internacionais, sendo mais sensível às necessidades dos países menos desenvolvidos do planeta.
"A proteção do ambiente ganhará mais destaque. E, mesmo no que se refere a alguns aspectos comerciais, como os que dizem respeito a commodities ou a certos produtos farmacêuticos, Kerry será menos protecionista, preocupando-se mais com as necessidades dos países pobres."
Todavia isso não impedirá que, se eleito, ele seja seletivamente protecionista. "O protecionismo de Kerry tende a ser mais sutil. Por exemplo, ele deverá ligar concessões americanas em determinadas áreas ao respeito ao ambiente. Mas, como os democratas são mais ligados aos sindicatos, talvez ele tome outras medidas protecionistas", disse Bobrow.
Mesmo assim, de acordo com Tilly, é provável que Kerry reduza parte de alguns subsídios federais existentes atualmente, que afetam outros Estados. "O substancial financiamento que recebem os grandes fazendeiros será certamente reduzido, pois Kerry não é tão dependente desse grupo de eleitores quanto Bush", apontou.
Os analistas também esperam que o democrata dê mais atenção à América Latina, que foi relegada a segundo plano após o 11 de Setembro. "O continente americano vem sendo negligenciado pelos EUA há muito tempo. Entretanto Kerry já deu a entender que pretende buscar uma maior aproximação com os governos da região", afirmou Tilly.
A Alca (Área de Livre Comércio das Américas), porém, deverá ficar mais distante. "O livre comércio puro é uma idéia republicana. Kerry condicionará acordos à proteção ambiental e ao respeito aos trabalhadores", indicou Tilly.

Oriente Médio
Para Bobrow, a política externa dos EUA para o Oriente Médio não deverá mudar muito, sobretudo no que concerne a Israel e aos palestinos. "Washington não poderá abandonar o Iraque tão cedo. Ademais, a solução do conflito israelo-palestino depende muito mais dos atores políticos israelenses e palestinos que dos americanos. Republicanos e democratas já se cansaram de fazer propostas, contudo sua aceitação não depende dos americanos."



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