São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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UMA VISÃO DE ESQUERDA

Kerry é opção a "direitismo sem limites"


Se os republicanos controlarem a Presidência e o Congresso por mais quatro anos, transformarão a Corte Suprema e não haverá mais contrabalanço à sua política de direita linha-dura


OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO

A eleição deste ano, nos EUA, é a mais importante das últimas décadas porque, se obtiver um novo mandato, o governo de George W. Bush não terá limites para implementar uma política de direita profundamente ideológica.
É o que diz um dos mais reputados intelectuais de esquerda dos EUA, o professor Michael Walzer, editor da revista "Dissent" (www.dissentmagazine.org).
"Se os republicanos controlarem a Presidência e o Congresso por mais quatro anos, transformarão a Corte Suprema e, então, não haverá mais contrabalanço efetivo [ao programa linha-dura de Bush e sua equipe]", disse o pesquisador do Instituto de Estudos Avançados, organização independente sediada em Princeton (Nova Jersey, Costa Leste).
Walzer é autor de "Guerras Justas e Injustas" (1977), referência para estudiosos dos conflitos militares por fazer uma análise rigorosa, a partir de exemplos históricos, de suas justificativas, limites, excessos e conseqüências.
 
Folha - Quem é a melhor opção: Bush ou Kerry?
Michael Walzer -
Esta é provavelmente a eleição mais importante dos últimos 50 anos. Há muita coisa em jogo. Eu apoiaria qualquer candidato democrata, pois realmente acredito ser muito importante derrotar George W. Bush. Seu governo não é apenas o mais à direita que já vi, como é também profundamente ideológico. No passado, pensava-se que a esquerda era ideológica, possuía uma visão do mundo e estava comprometida com ela. E que a direita se movia pela ganância e pelos interesses. Os membros do atual governo ainda são movidos pelos interesses dos mais favorecidos, mas possuem uma ampla agenda linha-dura que se alastra por todas as áreas. Eles são muito perigosos. Se controlarem a Presidência e o Congresso por mais quatro anos, transformarão a Corte Suprema e, então, não haverá mais contrabalanço efetivo.

Folha - O sr. se preocupa porque é de esquerda ou na condição de um cidadão americano comum com uma visão mais ampla do mundo?
Walzer -
Tenho o direito de me preocupar a partir de ambas as perspectivas. A reeleição de Bush seria uma derrota para o que sobrou da esquerda americana. Mas também levanta importantes questões no que diz respeito à defesa das liberdades civis, do governo constitucional, da própria estabilidade do sistema bipartidário e da nossa capacidade de sustentar uma política de oposição. Os republicanos têm, no momento, uma sede de poder sem precedentes na história do país. E, sob a perspectiva mundial, o unilateralismo americano é perigoso.

Folha - O sr. está dizendo que o governo Bush é antidemocrático?
Walzer -
Eles têm tendências autoritárias e, se capturarem a Corte Suprema, não haverá contrabalanço a elas. Um exemplo é a prisão de cidadãos americanos suspeitos de terrorismo por tempo indeterminado sem um processo formal. Há quatro anos, seria impensável que um governo americano fizesse algo semelhante.

Folha - Quais são as razões fundamentais que os democratas deveriam apresentar para convencer os eleitores de que devem negar a Bush um segundo mandato?
Walzer -
Kerry terá de basear sua campanha na economia, como Bill Clinton fez quando se elegeu presidente em 1992, e na saúde. Nunca tivemos uma política fiscal tão regressiva quanto a aprovada há dois anos pelos republicanos. Considero fundamental a defesa de uma maior igualdade social.

Folha - O sr. se refere à decisão do governo de cortar impostos dos mais ricos com o suposto objetivo de estimular a economia?
Walzer -
Sim, os ricos estão pagando menos, menos e menos. É uma inovação extraordinária. As despesas públicas estão pesando principalmente sobre os trabalhadores comuns. Há também o desemprego. Estamos no meio de uma recuperação econômica, mas ela não criou empregos. O déficit público também deve estar no centro do debate porque, ao comprometer os gastos sociais, haverá prejuízo não somente aos menos favorecidos agora como aos nossos filhos e netos, pois a educação será afetada.

Folha - Se os democratas chegarem à Casa Branca, que políticas eles terão de alterar radicalmente?
Walzer -
Em primeiro lugar, a política fiscal. Em segundo, o "Patriot Act", um conjunto de medidas que, com o suposto objetivo de combater o terrorismo, está restringindo mais e mais as liberdades civis. Eles precisarão retomar as negociações com países amigos e aliados para restabelecer a colaboração internacional. Finalmente, terão de repensar o pós-guerra tanto no Afeganistão quanto no Iraque.

Folha - O 11 de Setembro teve, como conseqüência, uma aproximação drástica entre as políticas externa e de defesa dos EUA. A última praticamente subjugou a primeira. Os democratas mudarão esse quadro?
Walzer -
Terão de fazer isso com base na constatação de que a política adotada pelos EUA mundo afora desde o 11 de Setembro não aumentou a segurança do país. Nós nos isolamos num mundo onde é mais seguro estar dentro de alianças e parcerias. Após a Segunda Guerra Mundial, os EUA se envolveram na criação de instituições internacionais, como a ONU, o FMI, a Organização Mundial do Comércio. Espero que retornemos a essa política. E há o Afeganistão e o Iraque. Umas das guerras foi justa, e a outra foi injusta. Mas, em ambos os casos, há muitas críticas a serem feitas em relação ao pós-guerra.

Folha - Fala-se que Kerry seria ainda mais protecionista do que Bush. Há diferenças entre eles?
Walzer -
Bush é um firme defensor do livre mercado quando isso interessa às corporações americanas e é protecionista quando não interessa. Um governo democrata não será indiferente aos interesses do capital americano. Mas, se estiver comprometido também com um mundo mais multilateral, haverá mais espaço para negociações e acordos em todas as áreas.

Folha - Kerry já encontrou uma plataforma eleitoral exitosa?
Walzer -
É possível conduzir uma campanha baseada no sentimento anti-Bush que surgiu com vigor nas prévias democratas. Em 2000, faltava aos democratas um real desejo de vencer. Agora, há um forte desejo de derrotar Bush. Os democratas dificilmente serão maioria no Congresso. Por isso é vital garantir a Casa Branca.



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