|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
UMA VISÃO DE ESQUERDA
Kerry é opção a "direitismo sem limites"
Se os republicanos controlarem a Presidência e o Congresso por mais quatro anos, transformarão a Corte Suprema e não haverá mais contrabalanço à sua política de direita linha-dura
|
OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO
A eleição deste ano, nos EUA, é
a mais importante das últimas décadas porque, se obtiver um novo
mandato, o governo de George
W. Bush não terá limites para implementar uma política de direita
profundamente ideológica.
É o que diz um dos mais reputados intelectuais de esquerda dos
EUA, o professor Michael Walzer,
editor da revista "Dissent"
(www.dissentmagazine.org).
"Se os republicanos controlarem a Presidência e o Congresso
por mais quatro anos, transformarão a Corte Suprema e, então,
não haverá mais contrabalanço
efetivo [ao programa linha-dura
de Bush e sua equipe]", disse o
pesquisador do Instituto de Estudos Avançados, organização independente sediada em Princeton (Nova Jersey, Costa Leste).
Walzer é autor de "Guerras Justas e Injustas" (1977), referência
para estudiosos dos conflitos militares por fazer uma análise rigorosa, a partir de exemplos históricos, de suas justificativas, limites,
excessos e conseqüências.
Folha - Quem é a melhor opção:
Bush ou Kerry?
Michael Walzer -
Esta é provavelmente a eleição
mais importante
dos últimos 50
anos. Há muita
coisa em jogo. Eu
apoiaria qualquer
candidato democrata, pois realmente acredito ser
muito importante
derrotar George
W. Bush. Seu governo não é apenas o mais à direita que já vi, como
é também profundamente ideológico. No passado,
pensava-se que a
esquerda era ideológica, possuía
uma visão do
mundo e estava
comprometida
com ela. E que a
direita se movia
pela ganância e
pelos interesses. Os membros do
atual governo ainda são movidos
pelos interesses dos mais favorecidos, mas possuem uma ampla
agenda linha-dura que se alastra
por todas as áreas. Eles são muito
perigosos. Se controlarem a Presidência e o Congresso por mais
quatro anos, transformarão a
Corte Suprema e, então, não haverá mais contrabalanço efetivo.
Folha - O sr. se preocupa porque é
de esquerda ou na condição de um
cidadão americano comum com
uma visão mais ampla do mundo?
Walzer - Tenho o direito de me
preocupar a partir de ambas as
perspectivas. A reeleição de Bush
seria uma derrota para o que sobrou da esquerda americana. Mas
também levanta importantes
questões no que diz respeito à defesa das liberdades civis, do governo constitucional, da própria
estabilidade do sistema bipartidário e da nossa capacidade de sustentar uma política de oposição.
Os republicanos têm, no momento, uma sede de poder sem precedentes na história do país. E, sob a
perspectiva mundial, o unilateralismo americano é perigoso.
Folha - O sr. está dizendo que o
governo Bush é antidemocrático?
Walzer - Eles têm tendências autoritárias e, se capturarem a Corte
Suprema, não haverá contrabalanço a elas. Um exemplo é a prisão de cidadãos americanos suspeitos de terrorismo por tempo
indeterminado sem um processo
formal. Há quatro anos, seria impensável que um governo americano fizesse algo semelhante.
Folha - Quais são as razões fundamentais que os democratas deveriam apresentar para convencer os
eleitores de que devem negar a
Bush um segundo mandato?
Walzer - Kerry terá de basear sua
campanha na economia, como
Bill Clinton fez quando se elegeu
presidente em 1992, e na saúde.
Nunca tivemos uma política fiscal
tão regressiva quanto a aprovada
há dois anos pelos republicanos.
Considero fundamental a defesa
de uma maior igualdade social.
Folha - O sr. se refere à decisão do
governo de cortar impostos dos
mais ricos com o suposto objetivo
de estimular a economia?
Walzer - Sim, os ricos estão pagando menos, menos e menos. É
uma inovação extraordinária. As
despesas públicas estão pesando
principalmente sobre os trabalhadores comuns. Há também o desemprego. Estamos no meio de
uma recuperação econômica,
mas ela não criou empregos. O
déficit público também deve estar
no centro do debate porque, ao
comprometer os gastos sociais,
haverá prejuízo não somente aos
menos favorecidos agora como
aos nossos filhos e netos, pois a
educação será afetada.
Folha - Se os democratas chegarem à Casa Branca, que políticas
eles terão de alterar radicalmente?
Walzer - Em primeiro lugar, a
política fiscal. Em segundo, o "Patriot Act", um
conjunto de medidas que, com o
suposto objetivo
de combater o
terrorismo, está
restringindo mais
e mais as liberdades civis. Eles precisarão retomar
as negociações
com países amigos e aliados para
restabelecer a colaboração internacional. Finalmente, terão de
repensar o pós-guerra tanto no
Afeganistão
quanto no Iraque.
Folha - O 11 de
Setembro teve, como conseqüência,
uma aproximação
drástica entre as
políticas externa e
de defesa dos EUA.
A última praticamente subjugou a
primeira. Os democratas mudarão
esse quadro?
Walzer - Terão de fazer isso com
base na constatação de que a política adotada pelos EUA mundo
afora desde o 11 de Setembro não
aumentou a segurança do país.
Nós nos isolamos num mundo
onde é mais seguro estar dentro
de alianças e parcerias. Após a Segunda Guerra Mundial, os EUA
se envolveram na criação de instituições internacionais, como a
ONU, o FMI, a Organização Mundial do Comércio. Espero que retornemos a essa política. E há o
Afeganistão e o Iraque. Umas das
guerras foi justa, e a outra foi injusta. Mas, em ambos os casos, há
muitas críticas a serem feitas em
relação ao pós-guerra.
Folha - Fala-se que Kerry seria
ainda mais protecionista do que
Bush. Há diferenças entre eles?
Walzer - Bush é um firme defensor do livre mercado quando isso
interessa às corporações americanas e é protecionista quando não
interessa. Um governo democrata
não será indiferente aos interesses
do capital americano. Mas, se estiver comprometido também com
um mundo mais multilateral, haverá mais espaço para negociações e acordos em todas as áreas.
Folha - Kerry já encontrou uma
plataforma eleitoral exitosa?
Walzer - É possível conduzir
uma campanha baseada no sentimento anti-Bush que surgiu com
vigor nas prévias democratas. Em
2000, faltava aos democratas um
real desejo de vencer. Agora, há
um forte desejo de derrotar Bush.
Os democratas dificilmente serão
maioria no Congresso. Por isso é
vital garantir a Casa Branca.
Texto Anterior: Uma visão de direita: Segurança e economia são êxitos de Bush Próximo Texto: Mundo animal: Ecoturismo e animais nem sempre se dão muito bem Índice
|