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Corte sul-africana ouve ecos do apartheid
Manifestantes brancos e negros são separados por arame farpado diante de fórum que teve audiência por morte de líder racista
Reações de ambos os grupos evidenciam limites na busca por caracterizar a África do Sul como "nação arco-íris", às vésperas da Copa do Mundo
FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A VENTERSDORP
(ÁFRICA DO SUL)
Numa cena com fortes ecos
do apartheid, uma barreira de
arame farpado com dois metros de altura precisou ser erguida ontem para separar negros e brancos em frente ao fórum de Ventersdorp (110 km de
Johannesburgo) e impedir um
confronto.
De um lado e de outro da cerca, isolados ainda por uma centena de policiais armados, os
dois grupos aguardavam o resultado da primeira audiência
com os dois acusados pela morte do líder da extrema-direita
branca Eugene Terreblanche,
em sua fazenda, no sábado.
Chris Mahlangu, 28, e um rapaz de 15 anos cujo nome não
foi revelado, ambos negros, foram acusados formalmente ontem de assassinato, roubo, tentativa de roubo e lesão corporal.
Eles permanecem presos.
A reação vinda de ambos os
grupos também deixou claros
os limites da tentativa de caracterizar a África do Sul como
uma "nação arco-íris", a pouco
mais de dois meses do início da
Copa do Mundo.
Brancos portando a bandeira
laranja, azul e branca da época
do apartheid acusavam crime
político, embora a causa mais
provável seja uma questão trabalhista entre Terreblanche e
os dois homens, empregados
em sua fazenda.
Já a maioria dos negros
aplaudiu a saída dos homens da
corte, num camburão da polícia, mesmo sem tê-los visto.
Assim que o carro arrancou,
homens e mulheres saíram em
disparada, pulando, dançando
e soltando gritos de felicidade.
Por sorte, era o começo da tarde, e a maioria dos manifestantes brancos já havia deixado o
local.
"Heróis! Heróis! Heróis", gritavam alguns, que pulavam numa rodinha.
"Eles fizeram o que todos
aqui queriam fazer!", disse
Tshepo Mokgwowetsi, 25, desempregado. "São nossos amigos e nós ficaremos ao lado deles", afirmou Sello Passie, 31,
que se apresentou como líder
comunitário na cidadezinha.
Numa grande ironia, e sem
que muitos percebessem, um
grupo de negros acompanhou a
movimentação trepado sobre
um monumento em frente ao
fórum que homenageia três integrantes do grupo liderado por
Terreblanche, o AWB, mortos
em 1991 num confronto com
negros.
O grupo, cujas iniciais significam Movimento de Resistência
Africâner, pede uma pátria para os descendentes de holandeses que colonizaram a África do
Sul no século 17.
A polícia afirmou que foi necessário erguer a barreira de
arame farpado após um incidente pela manhã. Uma mulher
branca jogou refrigerante sobre uma plateia de negros, dando início a uma troca de empurrões. A ação policial impediu
que ocorresse algo de mais grave. No restante do dia, apesar
da tensão e das provocações
mútuas, não houve novos conflitos.
Ventersdorp, onde Terreblanche tinha sua fazenda, fica
na Província Noroeste, cuja base é rural.
A cidadezinha de 10 mil habitantes ainda é dominada pela
cultura africâner. Nomes de
ruas e muitas placas estão escritos nesse idioma, uma fusão
de holandês arcaico com inglês
e francês.
Na avenida principal, duas
igrejas separadas por cem metros são de denominações protestantes holandesas.
Os negros são maioria nas
ruas, mas quem controla as lojas e anda nas picapes são fazendeiros com o típico "uniforme" dos bôeres, como são chamados: camisa cáqui, bermuda,
pernas brancas à mostra, botinas e chapéu de caubói.
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