São Paulo, quarta-feira, 07 de abril de 2010

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Corte sul-africana ouve ecos do apartheid

Manifestantes brancos e negros são separados por arame farpado diante de fórum que teve audiência por morte de líder racista

Reações de ambos os grupos evidenciam limites na busca por caracterizar a África do Sul como "nação arco-íris", às vésperas da Copa do Mundo


FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A VENTERSDORP (ÁFRICA DO SUL)

Numa cena com fortes ecos do apartheid, uma barreira de arame farpado com dois metros de altura precisou ser erguida ontem para separar negros e brancos em frente ao fórum de Ventersdorp (110 km de Johannesburgo) e impedir um confronto.
De um lado e de outro da cerca, isolados ainda por uma centena de policiais armados, os dois grupos aguardavam o resultado da primeira audiência com os dois acusados pela morte do líder da extrema-direita branca Eugene Terreblanche, em sua fazenda, no sábado.
Chris Mahlangu, 28, e um rapaz de 15 anos cujo nome não foi revelado, ambos negros, foram acusados formalmente ontem de assassinato, roubo, tentativa de roubo e lesão corporal. Eles permanecem presos.
A reação vinda de ambos os grupos também deixou claros os limites da tentativa de caracterizar a África do Sul como uma "nação arco-íris", a pouco mais de dois meses do início da Copa do Mundo.
Brancos portando a bandeira laranja, azul e branca da época do apartheid acusavam crime político, embora a causa mais provável seja uma questão trabalhista entre Terreblanche e os dois homens, empregados em sua fazenda.
Já a maioria dos negros aplaudiu a saída dos homens da corte, num camburão da polícia, mesmo sem tê-los visto.
Assim que o carro arrancou, homens e mulheres saíram em disparada, pulando, dançando e soltando gritos de felicidade. Por sorte, era o começo da tarde, e a maioria dos manifestantes brancos já havia deixado o local.
"Heróis! Heróis! Heróis", gritavam alguns, que pulavam numa rodinha.
"Eles fizeram o que todos aqui queriam fazer!", disse Tshepo Mokgwowetsi, 25, desempregado. "São nossos amigos e nós ficaremos ao lado deles", afirmou Sello Passie, 31, que se apresentou como líder comunitário na cidadezinha.
Numa grande ironia, e sem que muitos percebessem, um grupo de negros acompanhou a movimentação trepado sobre um monumento em frente ao fórum que homenageia três integrantes do grupo liderado por Terreblanche, o AWB, mortos em 1991 num confronto com negros.
O grupo, cujas iniciais significam Movimento de Resistência Africâner, pede uma pátria para os descendentes de holandeses que colonizaram a África do Sul no século 17.
A polícia afirmou que foi necessário erguer a barreira de arame farpado após um incidente pela manhã. Uma mulher branca jogou refrigerante sobre uma plateia de negros, dando início a uma troca de empurrões. A ação policial impediu que ocorresse algo de mais grave. No restante do dia, apesar da tensão e das provocações mútuas, não houve novos conflitos.
Ventersdorp, onde Terreblanche tinha sua fazenda, fica na Província Noroeste, cuja base é rural.
A cidadezinha de 10 mil habitantes ainda é dominada pela cultura africâner. Nomes de ruas e muitas placas estão escritos nesse idioma, uma fusão de holandês arcaico com inglês e francês.
Na avenida principal, duas igrejas separadas por cem metros são de denominações protestantes holandesas.
Os negros são maioria nas ruas, mas quem controla as lojas e anda nas picapes são fazendeiros com o típico "uniforme" dos bôeres, como são chamados: camisa cáqui, bermuda, pernas brancas à mostra, botinas e chapéu de caubói.


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