São Paulo, quinta-feira, 07 de abril de 2011

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ANÁLISE

Mundo ignora riscos de inédito "golpe de Estado às avessas"

FÁBIO ZANINI
EDITOR DE MUNDO

Na noite de 12 de abril de 1980, o sargento Samuel Doe, acompanhado de 17 amigos de farda, pulou o muro do palácio presidencial na Libéria e sem grande dificuldade invadiu o quarto do presidente, esquartejando-o.
Doe, aos 28 anos, era quase um garoto. Governaria o país do oeste africano de forma brutal pelos dez anos seguintes. A Libéria apenas recentemente voltou a ser um local relativamente estável.
Duas décadas e muitos golpes de Estado depois, a rotina chegou à vizinha Costa do Marfim.
Rebeldes cercam o palácio e tentam desalojar um presidente. A cena, frequente na longa história de violência política africana, tem algo de inusitado. O mundo, ou pelo menos a ONU, está torcendo por eles.
A África acaba de inventar o golpe de Estado às avessas.
O presidente agora é o vilão, não os sujeitos de cara fechada, coletes de balas douradas penduradas no pescoço e óculos escuros tentando arrombar o portão.
Gbagbo, o típico populista truculento, perdeu uma eleição e não cede o cargo. Fica difícil lhe dar razão.
Ouattara, um economista respeitado, que já foi do alto escalão do FMI, conta com a boa vontade internacional.
Mas há alguns riscos nessa narrativa de conto de fadas.
Ouattara só está às portas do palácio porque tem apoio de uma milícia chamada "Novas Forças", que também tem sua cota de brutalidades.
Nem acabou o conflito e já é acusada de ter patrocinado o massacre de até mil pessoas em Duekoue, no oeste do país. Se sentar realmente na cadeira presidencial, Ouattara terá dívida de gratidão com esse grupo sinistro.
Gbagbo, por sua vez, teve nada desprezíveis 46% na eleição de novembro.
Há no momento, portanto, quase metade da população acompanhando, entre temerosa e irritada, o movimento de força para tirá-lo do poder.
E ainda com apoio explícito de uma missão de paz a cada dia mais distante da suposta neutralidade.
A invasão do palácio pode ser inevitável para resolver a crise, mas é difícil imaginar como ela tornará esse contingente mais dócil. A África ensina que golpes, mesmos os "do bem", deixam traumas por muito tempo.


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