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Novo presidente é "Blair da direita"
Visto como "neocon francês", Sarkozy moderou discurso na campanha e promete "ruptura tranqüila"
Eleito, que toma posse no dia 16, mescla receituário liberal ortodoxo e dureza contra imigrantes com defesa do pleno emprego
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL À BASILÉIA
Imaginar o que pode ser o governo Nicolas Sarkozy depende
de saber, antes, quem é o Nicolas Sarkozy que ganhou a eleição de ontem.
Seria um homem "egoísta,
desprovido de toda humanidade, desatento aos outros, duro,
brutal?" Não, não são seus adversários da esquerda que o
acusam de toda essa coleção de
maldades. É ele próprio, na biografia escrita por Catherine
Nay, de modo geral favorável ao
agora presidente da França.
Depois dessa autoflagelação,
Sarkozy diz, no livro, que mudou. É possível acreditar?
Pelo menos de público e durante a campanha eleitoral,
mudou mesmo. Não foi brutal
nem duro, mas surpreendentemente doce, "quase de uma doçura monárquica", como diz
"Le Figaro", o matutino que defendeu sua candidatura.
Mesmo assim, "Le Figaro"
permite-se uma ponta de dúvida sobre tanta doçura, ao lembrar que Luís 16 era de uma "refinada cortesia, assim como o
general De Gaulle".
Sarkozy usou ontem, no discurso da vitória, dessa "refinada cortesia", ao conter as vaias
de seus partidários quando ele
citou o nome de Ségolène Royal, para manifestar seu "respeito por ela e por suas idéias".
A doçura do período eleitoral
não impede, no entanto, que ele
tenha assumido plenamente
suas convicções. Ou, como diz
seu lugar-tenente Patrick Devedjian: "Ele tirou nossos valores da reclusão, ele devolveu a
dignidade à direita".
Talvez por isso, Sarkozy é
freqüentemente rotulado como "um neoconservador norte-americano com passaporte
francês". A questão seguinte é
saber se implantará o receituário da direita dos EUA justamente na França, bastião da resistência ao modelo norte-americano no mundo rico.
Teoria e prática
Sua proposta para a criação
de um Ministério da Imigração
e da Identidade Nacional parece a versão francesa do "choque
de civilizações", a teoria do
conservador norte-americano
Samuel Huttington. Ou, pior
ainda, soa a uma tentativa de
limpeza étnica, na medida em
que Sarkozy chamou de "racaille" (escória) os jovens dos subúrbios que puseram fogo em
meia França em 2005. Disse
até que varreria os "banlieus"
com Kärcher, a máquina de
lançar água com grande pressão para limpar as ruas.
O problema é que o discurso
radical não combina com o fato
de que Sarkozy teve quatro
anos para ser duro na prática,
como ministro do Interior e,
portanto, responsável pela segurança interna. Pois bem: só
no ano passado, 55 mil automóveis foram queimados nos "banlieus", sem que a "Kärcher"
entrasse em ação. Posto de outra forma, Sarkozy pode ter a
convicções que seu amigo Devedjian lhe atribui, mas uma
coisa é tê-las, outra é poder colocá-las em prática.
Primeiro, porque o modelo
social da Europa está tão introjetado na sociedade que copiar
o liberalismo norte-americano
é missão praticamente impossível. Tanto que os governos de
direita (José María Aznar, na
Espanha, Helmut Kohl e agora
Angela Merkel na Alemanha)
mexeram ou mexem nas bordas, jamais no coração do Estado de bem-estar social.
Sarkozy, de resto, promete
algo que nem a esquerda ousa
prometer: o pleno emprego, tido como desemprego perto de
5%. Hoje, está acima de 8%.
Um neocon francês jamais
atacaria, como ele o fez, o Banco Central Europeu, pela excessiva valorização do euro, que
atrapalha a competitividade da
economia francesa. Segundo o
agora presidente eleito, o euro
deveria "ser posto a serviço do
emprego". Parecem mais reivindicações da esquerda do PT
brasileiro do que da direita, européia ou de qualquer parte.
Um neocon francês tampouco diria, como o presidente
eleito o fez no discurso da vitória, que o combate ao aquecimento global "será o primeiro
combate da França".
Não é à toa, portanto, que o
jornal britânico "Financial Times", bíblia dos homens de negócio e que apóia o programa
micro-econômico de Sarkozy, o
classifique de "dirigista" (porque promete opor-se à venda
de empresas francesas estratégicas a estrangeiros, algo que,
de novo, seria aplaudido pela
esquerda brasileira). O FT acha
que Sarkozy "pode chocar boa
parte de seus admiradores
americanos e britânicos".
Mais Blair que neocon
Que seu governo se ancorará
mais à direita do que o de seu
ex-chefe Jacques Chirac, é evidente. Mas até onde à direita, é
cedo para dizer. Afinal, Sarkozy
começou prometendo uma
"ruptura" (com o suposto imobilismo francês). Depois, adoçou o termo, acrescentando
que seria "uma ruptura tranqüila" -uma contradição em
termos. O que indica que Sarkozy, em vez de um neocon
francês, talvez venha a ser um
Tony Blair da direita. Blair foi
capaz de coibir alguns dos excessos de sua ultraliberal antecessora, Margaret Thatcher,
sem, no entanto, romper com o
modelo dito neoliberal.
Se Sarkozy conseguirá ser
menos "dirigista" que seus antecessores, mesmo os da direita, sem implodir o modelo francês, é coisa que se começará a
saber dia 16, quando assume.
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