São Paulo, segunda-feira, 07 de maio de 2007

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Novo presidente é "Blair da direita"

Visto como "neocon francês", Sarkozy moderou discurso na campanha e promete "ruptura tranqüila"

Eleito, que toma posse no dia 16, mescla receituário liberal ortodoxo e dureza contra imigrantes com defesa do pleno emprego

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL À BASILÉIA

Imaginar o que pode ser o governo Nicolas Sarkozy depende de saber, antes, quem é o Nicolas Sarkozy que ganhou a eleição de ontem.
Seria um homem "egoísta, desprovido de toda humanidade, desatento aos outros, duro, brutal?" Não, não são seus adversários da esquerda que o acusam de toda essa coleção de maldades. É ele próprio, na biografia escrita por Catherine Nay, de modo geral favorável ao agora presidente da França.
Depois dessa autoflagelação, Sarkozy diz, no livro, que mudou. É possível acreditar?
Pelo menos de público e durante a campanha eleitoral, mudou mesmo. Não foi brutal nem duro, mas surpreendentemente doce, "quase de uma doçura monárquica", como diz "Le Figaro", o matutino que defendeu sua candidatura.
Mesmo assim, "Le Figaro" permite-se uma ponta de dúvida sobre tanta doçura, ao lembrar que Luís 16 era de uma "refinada cortesia, assim como o general De Gaulle".
Sarkozy usou ontem, no discurso da vitória, dessa "refinada cortesia", ao conter as vaias de seus partidários quando ele citou o nome de Ségolène Royal, para manifestar seu "respeito por ela e por suas idéias".
A doçura do período eleitoral não impede, no entanto, que ele tenha assumido plenamente suas convicções. Ou, como diz seu lugar-tenente Patrick Devedjian: "Ele tirou nossos valores da reclusão, ele devolveu a dignidade à direita".
Talvez por isso, Sarkozy é freqüentemente rotulado como "um neoconservador norte-americano com passaporte francês". A questão seguinte é saber se implantará o receituário da direita dos EUA justamente na França, bastião da resistência ao modelo norte-americano no mundo rico.

Teoria e prática
Sua proposta para a criação de um Ministério da Imigração e da Identidade Nacional parece a versão francesa do "choque de civilizações", a teoria do conservador norte-americano Samuel Huttington. Ou, pior ainda, soa a uma tentativa de limpeza étnica, na medida em que Sarkozy chamou de "racaille" (escória) os jovens dos subúrbios que puseram fogo em meia França em 2005. Disse até que varreria os "banlieus" com Kärcher, a máquina de lançar água com grande pressão para limpar as ruas.
O problema é que o discurso radical não combina com o fato de que Sarkozy teve quatro anos para ser duro na prática, como ministro do Interior e, portanto, responsável pela segurança interna. Pois bem: só no ano passado, 55 mil automóveis foram queimados nos "banlieus", sem que a "Kärcher" entrasse em ação. Posto de outra forma, Sarkozy pode ter a convicções que seu amigo Devedjian lhe atribui, mas uma coisa é tê-las, outra é poder colocá-las em prática.
Primeiro, porque o modelo social da Europa está tão introjetado na sociedade que copiar o liberalismo norte-americano é missão praticamente impossível. Tanto que os governos de direita (José María Aznar, na Espanha, Helmut Kohl e agora Angela Merkel na Alemanha) mexeram ou mexem nas bordas, jamais no coração do Estado de bem-estar social.
Sarkozy, de resto, promete algo que nem a esquerda ousa prometer: o pleno emprego, tido como desemprego perto de 5%. Hoje, está acima de 8%.
Um neocon francês jamais atacaria, como ele o fez, o Banco Central Europeu, pela excessiva valorização do euro, que atrapalha a competitividade da economia francesa. Segundo o agora presidente eleito, o euro deveria "ser posto a serviço do emprego". Parecem mais reivindicações da esquerda do PT brasileiro do que da direita, européia ou de qualquer parte.
Um neocon francês tampouco diria, como o presidente eleito o fez no discurso da vitória, que o combate ao aquecimento global "será o primeiro combate da França".
Não é à toa, portanto, que o jornal britânico "Financial Times", bíblia dos homens de negócio e que apóia o programa micro-econômico de Sarkozy, o classifique de "dirigista" (porque promete opor-se à venda de empresas francesas estratégicas a estrangeiros, algo que, de novo, seria aplaudido pela esquerda brasileira). O FT acha que Sarkozy "pode chocar boa parte de seus admiradores americanos e britânicos".

Mais Blair que neocon
Que seu governo se ancorará mais à direita do que o de seu ex-chefe Jacques Chirac, é evidente. Mas até onde à direita, é cedo para dizer. Afinal, Sarkozy começou prometendo uma "ruptura" (com o suposto imobilismo francês). Depois, adoçou o termo, acrescentando que seria "uma ruptura tranqüila" -uma contradição em termos. O que indica que Sarkozy, em vez de um neocon francês, talvez venha a ser um Tony Blair da direita. Blair foi capaz de coibir alguns dos excessos de sua ultraliberal antecessora, Margaret Thatcher, sem, no entanto, romper com o modelo dito neoliberal.
Se Sarkozy conseguirá ser menos "dirigista" que seus antecessores, mesmo os da direita, sem implodir o modelo francês, é coisa que se começará a saber dia 16, quando assume.


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