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ARTIGO
Temos muito a ganhar com o médico árabe
CLIVE COOKSON
Durante toda a semana, os
comentaristas britânicos expressaram indignada surpresa
porque médicos foram identificados como parte de um complô para cometer assassinato
em massa, em nome da jihad.
É claro que, para os profissionais do Serviço Nacional de
Saúde britânico, é chocante ouvir alegações de suposto terrorismo contra colegas. Mas é ingênuo imaginar que a medicina
de alguma maneira atraia pessoas melhores, menos capazes
de matar por uma causa, do que
seria comum em outras áreas.
Assim que aceitamos o fato
de que revolucionários violentos podem ter origens prósperas, torna-se evidente que médicos são um campo óbvio para
o recrutamento de extremistas
-em especial no Oriente Médio, onde a medicina é há muito
uma profissão prestigiosa.
A grande tradição da medicina muçulmana, estabelecida na
Idade Média, ainda ecoa no
mundo árabe moderno. Ao
mesmo tempo, a medicina representa uma profissão geograficamente móvel, porque as
pessoas e seus problemas de
saúde são essencialmente os
mesmas em todo o mundo.
A medicina tem um longo
histórico de envolvimento em
episódios de violência revolucionária. Entre os médicos que
tomaram parte na Revolução
Francesa estavam o doutor Joseph Guillotin, que promoveu o
uso do instrumento que viria a
levar seu nome como ferramenta para decepar cabeças.
O exemplo mais óbvio para o
envolvimento de médicos no
terrorismo da Al Qaeda é oferecido por Ayman Zawahiri, muitas vezes descrito como o braço
direito de Osama bin Laden.
Zawahiri vem de uma importante família egípcia de médicos e estudou para ser cirurgião
em seu país de origem.
Em retrospecto, a maior surpresa não é que médicos se tenham envolvido em um complô
terrorista, mas sim que tenham
demonstrado tamanha incompetência ao fazê-lo. Médicos
são pessoas práticas, e passaram por treinamento científico. Seria de esperar que explodissem com sucesso um carro-bomba, em especial se estivessem dispostos a se explodir
com ele. Igualmente surpreendente -e reconfortante para
nós- é o fato de que os candidatos a terrorista não tenham
usado as conexões de que dispõem na medicina para incluir
componentes biológicos ou radiativos em suas bombas.
Médicos que estão dispostos
a matar e ferir em nome do que
vêem como uma grande causa
talvez sintam que o Juramento
de Hipócrates se aplique apenas à maneira pela qual tratam
de seus pacientes individuais, e
não a ações fora de sua esfera
profissional. Eles não estavam
contrariando a ética médica da
mesma maneira que Josef
Mengele -para usar exemplo
extremo de médico culpado de
tortura de pacientes.
Não existe motivo para acreditar que aqueles que combinam medicina e militância se
tenham comportado mal em
seu trabalho (ainda que seja
possível que eles não fossem
médicos muito bons). Mas já
surgem indícios esparsos de
que existem pacientes cancelando consultas com médicos
cujos nomes parecem árabes
ou muçulmanos.
Os efeitos secundários do
terrorismo, tanto o incômodo
causado pelas medidas de segurança quanto a perda de coesão
social que surge quando seções
da população se tornam suspeitas, são já mais sérios do que os
incidentes originais. Qualquer
perda de confiança pública em
médicos árabes ou muçulmanos, e quaisquer medidas discriminatórias que tornem mais
difícil a médicos do Oriente
Médio a obtenção de empregos
no Reino Unido, representariam uma tragédia para o NHS.
Continuam a existir "grandes
médicos árabes" trabalhando
em solo britânico hoje, e, caso
os encorajemos, seu número
aumentará ainda no futuro.
CLIVE COOKSON é editor de ciência do jornal
britânico Financial Times
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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