São Paulo, sábado, 07 de julho de 2007

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ARTIGO

Temos muito a ganhar com o médico árabe

CLIVE COOKSON

Durante toda a semana, os comentaristas britânicos expressaram indignada surpresa porque médicos foram identificados como parte de um complô para cometer assassinato em massa, em nome da jihad. É claro que, para os profissionais do Serviço Nacional de Saúde britânico, é chocante ouvir alegações de suposto terrorismo contra colegas. Mas é ingênuo imaginar que a medicina de alguma maneira atraia pessoas melhores, menos capazes de matar por uma causa, do que seria comum em outras áreas.
Assim que aceitamos o fato de que revolucionários violentos podem ter origens prósperas, torna-se evidente que médicos são um campo óbvio para o recrutamento de extremistas -em especial no Oriente Médio, onde a medicina é há muito uma profissão prestigiosa. A grande tradição da medicina muçulmana, estabelecida na Idade Média, ainda ecoa no mundo árabe moderno. Ao mesmo tempo, a medicina representa uma profissão geograficamente móvel, porque as pessoas e seus problemas de saúde são essencialmente os mesmas em todo o mundo.
A medicina tem um longo histórico de envolvimento em episódios de violência revolucionária. Entre os médicos que tomaram parte na Revolução Francesa estavam o doutor Joseph Guillotin, que promoveu o uso do instrumento que viria a levar seu nome como ferramenta para decepar cabeças. O exemplo mais óbvio para o envolvimento de médicos no terrorismo da Al Qaeda é oferecido por Ayman Zawahiri, muitas vezes descrito como o braço direito de Osama bin Laden.
Zawahiri vem de uma importante família egípcia de médicos e estudou para ser cirurgião em seu país de origem. Em retrospecto, a maior surpresa não é que médicos se tenham envolvido em um complô terrorista, mas sim que tenham demonstrado tamanha incompetência ao fazê-lo. Médicos são pessoas práticas, e passaram por treinamento científico. Seria de esperar que explodissem com sucesso um carro-bomba, em especial se estivessem dispostos a se explodir com ele. Igualmente surpreendente -e reconfortante para nós- é o fato de que os candidatos a terrorista não tenham usado as conexões de que dispõem na medicina para incluir componentes biológicos ou radiativos em suas bombas.
Médicos que estão dispostos a matar e ferir em nome do que vêem como uma grande causa talvez sintam que o Juramento de Hipócrates se aplique apenas à maneira pela qual tratam de seus pacientes individuais, e não a ações fora de sua esfera profissional. Eles não estavam contrariando a ética médica da mesma maneira que Josef Mengele -para usar exemplo extremo de médico culpado de tortura de pacientes.
Não existe motivo para acreditar que aqueles que combinam medicina e militância se tenham comportado mal em seu trabalho (ainda que seja possível que eles não fossem médicos muito bons). Mas já surgem indícios esparsos de que existem pacientes cancelando consultas com médicos cujos nomes parecem árabes ou muçulmanos.
Os efeitos secundários do terrorismo, tanto o incômodo causado pelas medidas de segurança quanto a perda de coesão social que surge quando seções da população se tornam suspeitas, são já mais sérios do que os incidentes originais. Qualquer perda de confiança pública em médicos árabes ou muçulmanos, e quaisquer medidas discriminatórias que tornem mais difícil a médicos do Oriente Médio a obtenção de empregos no Reino Unido, representariam uma tragédia para o NHS.
Continuam a existir "grandes médicos árabes" trabalhando em solo britânico hoje, e, caso os encorajemos, seu número aumentará ainda no futuro.


CLIVE COOKSON é editor de ciência do jornal britânico Financial Times

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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