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São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2003

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ANÁLISE

Crise revela falta de rumo político

SÉRGIO MALBERGIER
EDITOR DE MUNDO

O pedido de renúncia de Abu Mazen é o sinal mais claro até aqui do fracasso do novo plano de paz. Mais do que isso, revela a falta de rumo da política palestina desde o início da desastrada Intifada, a revolta contra a ocupação israelense, em setembro de 2000.
O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Iasser Arafat, acreditava que a dura reação israelense à revolta levaria a comunidade internacional a pressionar Israel por mais concessões na busca de um acordo de paz definitivo. Mas esse apoio não veio. E, após o 11 de Setembro, cresceu ainda mais a repulsa mundial a atos terroristas.
A persistência dos atentados e as respostas israelenses instauraram um pavoroso ciclo de violência que endureceu as posições dos dois lados. Israel hoje oferece muito menos aos palestinos do que ofereceu a Arafat pouco antes do início da Intifada. E a hiperpotência americana, hegemônica no Oriente Médio após a ocupação do Iraque, favorece mais do que nunca seu aliado Israel.
O presidente George W. Bush tem horror a Arafat -nunca o recebeu na Casa Branca -, enquanto nutre uma amizade pessoal com o premiê israelense, Ariel Sharon. Boa parte dos principais assessores de Bush são ferrenhos defensores de Israel. Assim como a poderosa comunidade cristã evangélica, cada vez mais influente dentro do Partido Republicano de Bush. De olho nas eleições presidenciais de 2004, tanto democratas quanto republicanos cortejam o apoio judaico. Isso tudo é péssimo para os palestinos. Nada acontece hoje no Oriente Médio sem o aval de Washington.
Isolado, acuado pelas ações militares israelenses e acusado de apoiar ou, no mínimo, não combater o terror, Arafat teve de aceitar as pressões de EUA e Israel e ceder poder. Em fevereiro último, o cargo de premiê foi criado.
O moderado Mazen, antigo aliado de Arafat, que vinha criticando a violência terrorista e a sua ineficácia como arma política, foi eleito pelo Parlamento em 30 de abril. A razão de ser de seu governo era a implementação do novo plano de paz para a região, formulado por EUA, União Européia, Rússia e ONU (o chamado Quarteto), que previa o fim imediato da violência e a criação de um Estado palestino em 2005.
No pomposo lançamento do plano, na Jordânia, em 4 de junho, Mazen defendeu, diante de Bush e Sharon, o fim do terrorismo e a volta à mesa de negociação.
O ponto-chave de seu discurso era a necessidade de os palestinos atuarem com uma só voz e estratégia política, a de seu governo.
Para alcançar tal objetivo, tinha dois desafios extraordinários: convencer os grupos terroristas a cessarem seus ataques contra Israel e Arafat, líder histórico da causa palestina, a ceder o comando das negociações e das forças de segurança palestinas.
Depois de um início auspicioso, com uma trégua anunciada pelos terroristas no final de junho, fracassou em ambos.
Israel, que poderia fortalecê-lo com concessões, limitou-se a libertar alguns prisioneiros e a desmantelar pequenas colônias ilegais. Pior, seguiu fazendo operações contra os grupos terroristas.
O golpe final no novo plano de paz veio com o atentado suicida do Hamas em Jerusalém, em 19 de agosto, que matou 22 israelenses. Mazen abandonou o discurso de que não atacaria os terroristas para não gerar uma guerra civil palestina e prometeu confrontá-los.
Mas Israel não o esperou agir e iniciou uma série de ataques contra líderes do Hamas, disparando mísseis de helicópteros contra alvos dentro da populosa faixa de Gaza, causando a morte de cidadãos não ligados ao grupo.
Mazen, fraco politicamente, ficou ainda mais suscetível a acusações de que era um capacho de Israel e EUA, escalado para combater os terroristas. Sem o controle das forças palestinas, foi ao Parlamento pedir mais apoio, ameaçando renunciar. Não conseguiu.
Seu pedido de renúncia mostra como será difícil aos palestinos quebrar a lógica do terror. Os terroristas suicidas são glorificados diariamente na mídia, dando nome a escolas e torneios de futebol.
A única fonte de esperança é o desejo da maioria dos palestinos, conforme pesquisas, de que a violência cesse e suas vidas, arrasadas pelas draconianas medidas antiterror de Israel, retomem alguma normalidade. Mas como transformar esse desejo em força política forte segue o maior desafio, não conquistado por Mazen.


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