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Lei que proíbe véu em escolas ainda fere muçulmanas
Maioria das jovens islâmicas na França se adaptou à mudança, mas continua a ver determinação como ofensa
Em Paris, há estudantes muçulmanas que dizem se sentir nuas sem adereço; outras preferiram adiar a opção pelo uso do véu
LÚCIA JARDIM
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
Faz três anos e meio que ser
fiel ao islã é mais difícil para as
jovens muçulmanas que moram na França, proibidas por
lei desde 2004 de portar o véu
islâmico nos estabelecimentos
públicos de ensino. O adereço,
para elas, é mais do que um
dogma: faz parte da identidade.
E é como um atentado à personalidade que muitas delas recebem a aplicação da lei.
Adotada para adequar as escolas ao Estado laico francês, a
Lei 14 de Março, como ficou conhecida, só deixou às meninas
duas alternativas: ou se adequavam ou abandonavam os
estudos. E o que se vê nas ruas é
que elas adaptaram a devoção
religiosa à nova norma.
A cena se tornou habitual: as
adolescentes chegam à escola
usando o véu até o último instante, quando o retiram no portão. A situação inversa se repete quando elas deixam o local,
na metade da tarde.
"Eu me sinto agredida por ter
de fazer isso. O véu faz parte da
minha identidade. Não entendo por que um pedaço de tecido
cobrindo os meus cabelos pode
ofender alguém", avaliou Elmoutannabbi Khaoula, 17, que
arrumava os cabelos ao retirar
o véu antes de ingressar no liceu profissional Fréderic August, no norte de Paris.
Fidelidade
Elmoutannabbi e a amiga
Boudaoud Saleha, 18, dizem
que sem o véu se sentem de certa forma nuas. Em sinal de fidelidade "ao profeta" - como todas as entrevistadas se referiram a Maomé-, cobrem os cabelos há quatro anos.
"Nós seguimos a lei, e os protestos praticamente acabaram,
mas eu garanto a você que toda
muçulmana "voilée" ainda se
sente ferida cada vez que é obrigada a se despir em público dessa forma", disse Boudaoud.
Quando a votação no Parlamento determinou a proibição,
fazia poucos meses que ela havia decidido adotar o adereço.
"Foi muito difícil. Imagine se
de um dia para o outro obrigassem você a não usar mais blusa.
Eu percebia os olhares das pessoas e ficava muito incomodada. Sinto exatamente a mesma
coisa todos os dias, até hoje."
Ser muçulmana não é fácil
numa metrópole ocidental,
mas as amigas sustentam que a
lei não lhes provocou mudança
na forma de pensar. "Tenho um
monte de amigas cristãs, mas
não tenho a menor vontade de
expor o meu corpo como eu vejo as mulheres fazendo por aí",
afirma Elmoutannabbi.
O Alcorão dá liberdade à mulher de escolher o momento de
passar a portar o véu, mas sugere o início da puberdade como
período ideal. Amparadas nisso, muitas jovens muçulmanas
na França decidiram não usá-lo
para evitar preconceitos.
É o caso da estudante Sofia
Lina, 19. Embora afirme não
perder uma única reza das cinco diárias obrigatórias, ela deixa os cabelos à mostra. "Para
uma mulher muçulmana que
vive no Ocidente, é muito mais
difícil portar o véu do que não o
portar. Minha família me apóia
porque acha que ficaria mais
vulnerável ao preconceito contra os muçulmanos."
Já Donia Jawmene, 20, começou a usar o véu depois de a
lei ter entrado em vigor. Ela pode portá-lo na universidade,
uma vez que a proibição é válida apenas nos colégios. "Não
pergunto para os outros sobre
suas religiões e gosto que respeitem a minha."
Nora Rami, porta-voz do Comitê 15 de Março e Liberdade,
criado para prestar auxílio às
adolescentes, diz que a opção
por usar o véu costuma ser definitiva e recebe influências da
família, das amigas, de um professor ou até mesmo da TV.
Marco de nova fase
O início do uso do véu, portanto, marca uma nova fase na
vida da mulher muçulmana e
daí a origem da dificuldade em
abandoná-lo. "Pelo menos 300
jovens deixaram a escola depois da lei. Algumas começaram a fazer curso por correspondência, mas raros foram os casos das que não finalizaram o
ensino médio", disse Nora.
As que continuaram os estudos e pertencem a famílias de
tradição islâmica mais rígida
procuraram por estabelecimentos muçulmanos privados.
Só existem dois na França: um
em Lille, no norte, e o outro em
Décine, no sudeste do país. Só o
primeiro é reconhecido.
Por baixo do véu, as muçulmanas francesas usam jeans,
saias estampadas, maquiagem
e salto alto. Na rua de Rennes,
em Montparnasse, as moças
adoram bisbilhotar as lojas de
lingeries, e a avenida Champs-Elysées, meca das principais
grifes, é o endereço escolhido
para os finais de semana.
As grifes de véu também fazem sucesso entre as mulheres
muçulmanas. Em Paris, há desfiles de moda do adereço -a
presença dos homens é proibida. "Eu acho um tremendo
charme usar um véu bem trabalhado. Imagina, você tem
uma festa e coloca um preto ou
um prata, todo bordado, combinando com o restante da roupa... Fica perfeito!", diz Hasbani Ibtissen, 18, que, para um passeio no shopping Quatre
Temps, escolheu um véu que
misturava tons de verde com
laranja, adornado por contas.
De acordo com o Instituto
Nacional de Estatísticas, cerca
de 4% da população francesa
hoje é muçulmana. Entidades
ligadas à religião afirmam que o
dado correto é de 7,5%, ou 5 milhões de pessoas.
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