São Paulo, quinta-feira, 08 de janeiro de 2004

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IRAQUE OCUPADO

Segundo investigação, Bagdá não tinha recursos para concretizar planos que foram o pretexto da guerra

Arsenal proibido não saiu do papel, diz "Post"

DA REDAÇÃO

Maior pretexto da coalizão anglo-americana para invadir o Iraque em março, o arsenal proibido iraquiano nunca saiu do papel, segundo o "Washington Post".
Reportagem do jornal americano publicada ontem diz que o país, alvo de 12 anos de embargos econômicos e sanções internacionais após a Guerra do Golfo (1991), não tinha condições de construir os armamentos.
Com base em entrevistas com cientistas, militares e professores iraquianos -alguns sob custódia dos EUA-, o jornal afirmou que, embora a ditadura de Saddam Hussein tivesse a intenção de produzir armas de destruição em massa, nunca teve os recursos necessários para levá-la adiante.
O governo americano, porém, continua a sustentar que o ex-ditador tinha as armas. Em entrevista à agência de notícias Reuters, Stuart Cohen, vice-presidente do Conselho Nacional de Inteligência dos EUA, afirmou anteontem que os relatórios sobre armas proibidas que serviram de base para as acusações contra o Iraque antes da guerra foram "bem fundamentados" e se baseiam em 15 anos de pesquisas.
Segundo Cohen, Saddam teve "15 anos para aperfeiçoar sua capacidade de esconder coisas". O especialista, que defende a continuidade das buscas, afirmou, no entanto, que o Iraque não desenvolveu armas nucleares.

"Provas cabais"
Os meses que antecederam a guerra foram marcados por uma intensa campanha, capitaneada pelos EUA, sobre a ameaça representada pelo Iraque e seu suposto arsenal não-convencional (químico e biológico), uma violação das sanções da ONU.
Em fevereiro, o secretário de Estado americano, Colin Powell, chegou a ir à ONU exibir fotos e relatórios como "provas cabais" da produção ilegal de Saddam -que mais tarde se revelaram trabalhos universitários de dez anos antes.
Desde a invasão, há quase dez meses, a coalizão tem equipes no país trabalhando exclusivamente na busca do arsenal proibido. Até agora, os maiores achados foram dois laboratórios móveis que Bagdá usaria para produzir armas biológicas ou químicas, mas nos quais não foi encontrado vestígio de substâncias proibidas.
Segundo o "Post", os veículos eram usados na produção de hidrogênio durante a guerra contra o Irã (1980-88), conforme afirmou Thair Masraf, um engenheiro iraquiano que chegou a marcar uma audiência com a equipe americana, mas foi ignorado.
A equipe, com 1.200 especialistas, está há meses no Iraque, mas ainda não encontrou provas da existência das armas proibidas. Seu antigo coordenador, o ex-agente da CIA David Kay, afirmou, porém, que não era possível dizer que elas não existiam, já que poderiam estar escondidas.

Saddam enganado
A conclusão da equipe de Kay é a mesma à qual chegou o time de inspetores da ONU que esteve no país no fim de 2002. Uma hipótese levantada pelo "Post" é que o próprio Saddam tenha sido enganado por seus cientistas e pensasse que seu arsenal realmente existia ou estava em produção.
"Ninguém ia dizer para Saddam Hussein, na cara dele, que não dava para fazer alguma coisa", disse um general citado pelo jornal sem que seu nome fosse revelado.
O ex-inspetor-chefe da ONU Hans Blix, que comandou as investigações, fez uma analogia ao falar com o "Post": "Você pode colocar uma placa de "cuidado com o cachorro" mesmo sem ter o cachorro. Não há mal em parecer mais sério e mais perigoso".
Um ponto central para os investigadores é se o Iraque realmente destruiu o arsenal que tinha antes de 1991, de existência comprovada. Segundo o "Post", Bagdá manteve parte das armas até meados dos anos 90, quando Hussein Kamel, o genro de Saddam que chefiava a Comissão Militar Industrial do Iraque, desertou.
Kamel -que meses depois foi morto- detalhou para autoridades ocidentais tudo o que sabia sobre os programas iraquianos, obrigando Bagdá a admitir sua manutenção e a destruí-los de maneira verificável. Segundo uma carta escrita na época pelo chefe da Agência Nacional de Monitoramento iraquiana, Hossam Amim, pouca coisa ficou de fora do depoimento de Kamel -só algumas bibliotecas de projetos.
O "Post" contemporiza ao afirmar que havia planos para desenvolver o arsenal, sobretudo o biológico, com estudos centrados no agente da varíola. Além disso, Modher Sadeq-Saba Tamimi, um engenheiro de foguetes iraquiano sob custódia dos EUA, citou uma série de projetos -alguns de sua autoria- escondidos dos inspetores da ONU e dos EUA.
Mas o jornal contrapõe a declaração de outro general: "Saddam ordenou o trabalho. Mas como obteríamos o material?".


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