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IRAQUE NA MIRA
Dependendo do desfecho do caso, entidade poderá ter sua legitimidade e sua utilidade questionadas, diz Ole Holsti
Crise é vital para futuro da ONU, diz analista
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A crise iraquiana é crucial para o
futuro da ONU porque, dependendo do modo como ela será solucionada, tanto os defensores da
guerra quanto seus detratores
questionarão a utilidade e a legitimidade da organização.
A análise é de Ole Holsti, especialista em sistema da ONU e em
política externa americana, professor e pesquisador na Universidade Duke (EUA) e autor de, entre outros, "Unity and Disintegration in International Alliances"
(unidade e desintegração em
alianças internacionais).
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.
Folha - Como a situação atual afetará o futuro da ONU?
Holsti - A crise não é boa para o
futuro da organização. Não creio
que a nova resolução venha a ser
aprovada mesmo que conte com
a maioria dos votos, visto que a
França ou a Rússia deverão vetá-la. Porém, como disse [George
W.] Bush, os EUA manterão sua
intenção de atacar Bagdá.
Com isso, tanto os defensores
da ação militar quanto seus detratores ficarão descontentes. Os primeiros, sobretudo a ala mais conservadora do Partido Republicano dos EUA, dirão que a ONU não é legítima porque permite
que Saddam Hussein mantenha
suas armas. Os outros sustentarão
que a oposição da ONU não conta
muito e que, assim, ela não serve
para muita coisa. Trata-se de um
período crucial para a entidade.
Folha - Bush disse ontem [anteontem] que os EUA vão atacar o
Iraque mesmo sem a anuência da
ONU, mas ele insiste em apresentar
a nova resolução para votação no
Conselho de Segurança. Por quê?
Ole Holsti - Logo após os atentados terroristas de 11 de setembro,
Bush disse ao restante do planeta
que o mundo deveria estar do lado dos EUA ou do lado dos terroristas. Sua atitude atual lembra
muito o que ele dizia à época, mas
agora sua frase implícita é: "Ou
vocês estão com os EUA ou com
Saddam". Creio que, com isso, ele
queira pressionar os outros membros do CS a repensar sua posição
em relação ao regime iraquiano.
Não sei se sua estratégia terá sucesso, pois, certamente, a apresentação de Hans Blix [chefe dos inspetores de armas da ONU] deverá ter muita influência na tomada de decisão dos membros do CS
que ainda estão indecisos. Embora tenha sido bastante equilibrada, ela foi relativamente favorável
ao Iraque. Uma coisa é certa: Bush
já se decidiu pela guerra. A França
e a Rússia, por outro lado, já tomaram uma posição contrária a
ela, o que tende a provocar uma
séria crise diplomática na ONU.
Folha - Fala-se muito em "compra
de votos" no CS. O sr. crê nisso?
Holsti - Sim, isso é prática comum no mundo diplomático.
Contudo não se trata de dar dinheiro aos diplomatas de um determinado país, mas de acelerar a
aprovação de programas de ajuda
financeira, por exemplo. O caso
da Turquia é emblemático. Afinal,
se não permitir a passagem de soldados americanos pelo país, Ancara não receberá um vultoso pacote de ajuda, que, segundo a mídia, poderia chegar a US$ 30 bilhões. E a Turquia [fora do CS]
realmente precisa de ajuda.
É claro que os países abastados
que se opõem à posição dos EUA,
como a França e a Alemanha,
agem da mesma forma. Em fevereiro, houve uma cúpula entre Estados africanos e a França, em Paris. Sem dúvida, a França deve ter
proposto a ampliação de parte de
seus projetos nos três países africanos que fazem parte do CS [Angola, Guiné e Camarões], mas que
ainda não definiram sua posição.
Folha - O sr. acredita que a aliança atual entre Paris, Moscou e Pequim possa ser duradoura?
Holsti - Trata-se de algo bastante
ilustrativo da crise diplomática
atual. Os russos, os chineses e os
franceses não se oporão aos americanos sistematicamente. Como
a situação é muito importante, a
aliança tem grande valor diplomático, contudo não se trata de
um bloco de oposição a Washington. Os três Estados têm razões
específicas para agir assim.
É lógico que o primeiro motivo
é evitar a deflagração de um conflito cujas consequências não são
totalmente previsíveis, todavia
também há outros. A Rússia emprestou muito dinheiro ao Iraque
e teme que, com uma eventual
mudança de regime, os empréstimos não sejam pagos. A França
nutre laços históricos com Bagdá,
além de ter interesse em seu petróleo. A China, aparentemente,
quer apenas evitar o alastramento
do estado de guerra mundial.
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