UOL


São Paulo, sábado, 08 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

IRAQUE NA MIRA

Dependendo do desfecho do caso, entidade poderá ter sua legitimidade e sua utilidade questionadas, diz Ole Holsti

Crise é vital para futuro da ONU, diz analista

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A crise iraquiana é crucial para o futuro da ONU porque, dependendo do modo como ela será solucionada, tanto os defensores da guerra quanto seus detratores questionarão a utilidade e a legitimidade da organização.
A análise é de Ole Holsti, especialista em sistema da ONU e em política externa americana, professor e pesquisador na Universidade Duke (EUA) e autor de, entre outros, "Unity and Disintegration in International Alliances" (unidade e desintegração em alianças internacionais).
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.
 

Folha - Como a situação atual afetará o futuro da ONU?
Holsti -
A crise não é boa para o futuro da organização. Não creio que a nova resolução venha a ser aprovada mesmo que conte com a maioria dos votos, visto que a França ou a Rússia deverão vetá-la. Porém, como disse [George W.] Bush, os EUA manterão sua intenção de atacar Bagdá.
Com isso, tanto os defensores da ação militar quanto seus detratores ficarão descontentes. Os primeiros, sobretudo a ala mais conservadora do Partido Republicano dos EUA, dirão que a ONU não é legítima porque permite que Saddam Hussein mantenha suas armas. Os outros sustentarão que a oposição da ONU não conta muito e que, assim, ela não serve para muita coisa. Trata-se de um período crucial para a entidade.

Folha - Bush disse ontem [anteontem] que os EUA vão atacar o Iraque mesmo sem a anuência da ONU, mas ele insiste em apresentar a nova resolução para votação no Conselho de Segurança. Por quê?
Ole Holsti -
Logo após os atentados terroristas de 11 de setembro, Bush disse ao restante do planeta que o mundo deveria estar do lado dos EUA ou do lado dos terroristas. Sua atitude atual lembra muito o que ele dizia à época, mas agora sua frase implícita é: "Ou vocês estão com os EUA ou com Saddam". Creio que, com isso, ele queira pressionar os outros membros do CS a repensar sua posição em relação ao regime iraquiano.
Não sei se sua estratégia terá sucesso, pois, certamente, a apresentação de Hans Blix [chefe dos inspetores de armas da ONU] deverá ter muita influência na tomada de decisão dos membros do CS que ainda estão indecisos. Embora tenha sido bastante equilibrada, ela foi relativamente favorável ao Iraque. Uma coisa é certa: Bush já se decidiu pela guerra. A França e a Rússia, por outro lado, já tomaram uma posição contrária a ela, o que tende a provocar uma séria crise diplomática na ONU.

Folha - Fala-se muito em "compra de votos" no CS. O sr. crê nisso?
Holsti -
Sim, isso é prática comum no mundo diplomático. Contudo não se trata de dar dinheiro aos diplomatas de um determinado país, mas de acelerar a aprovação de programas de ajuda financeira, por exemplo. O caso da Turquia é emblemático. Afinal, se não permitir a passagem de soldados americanos pelo país, Ancara não receberá um vultoso pacote de ajuda, que, segundo a mídia, poderia chegar a US$ 30 bilhões. E a Turquia [fora do CS] realmente precisa de ajuda.
É claro que os países abastados que se opõem à posição dos EUA, como a França e a Alemanha, agem da mesma forma. Em fevereiro, houve uma cúpula entre Estados africanos e a França, em Paris. Sem dúvida, a França deve ter proposto a ampliação de parte de seus projetos nos três países africanos que fazem parte do CS [Angola, Guiné e Camarões], mas que ainda não definiram sua posição.

Folha - O sr. acredita que a aliança atual entre Paris, Moscou e Pequim possa ser duradoura?
Holsti -
Trata-se de algo bastante ilustrativo da crise diplomática atual. Os russos, os chineses e os franceses não se oporão aos americanos sistematicamente. Como a situação é muito importante, a aliança tem grande valor diplomático, contudo não se trata de um bloco de oposição a Washington. Os três Estados têm razões específicas para agir assim.
É lógico que o primeiro motivo é evitar a deflagração de um conflito cujas consequências não são totalmente previsíveis, todavia também há outros. A Rússia emprestou muito dinheiro ao Iraque e teme que, com uma eventual mudança de regime, os empréstimos não sejam pagos. A França nutre laços históricos com Bagdá, além de ter interesse em seu petróleo. A China, aparentemente, quer apenas evitar o alastramento do estado de guerra mundial.


Texto Anterior: EUA propõem dar ultimato até 17 de março
Próximo Texto: Dia internacional da mulher: "Mulheres de preto" protestam em silêncio
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.