São Paulo, sexta-feira, 08 de julho de 2005

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Londres já abortou atentados, diz especialista

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Al Qaeda ou núcleos a ela aparentados já haviam planejado ataques em Londres. Há cerca de um mês, a polícia disse ter abortado de quatro a cinco atentados.
Se os terroristas conseguiram agora atingir seu intento é porque provavelmente a atenção dos serviços de inteligência estava voltada para a proteção dos governantes estrangeiros que participam, na Escócia, da cúpula do G8.
É o que disse à Folha o ensaísta indiano Dilip Hiro, autor de 27 livros sobre a Ásia e o Oriente Médio, entre eles "Secrets and Lies: Operation Iraqi Freedom and After" (segredos e mentiras: operação liberdade iraquiana e conseqüências). Eis sua entrevista.

 

Folha - Por que agora Londres?
Dilip Hiro -
Devemos ligar alguns pontos. São eles: bombas em Bali, outubro de 2002, com 202 mortos, sobretudo australianos; bombas em Madri, março de 2004, com um saldo de 191 mortos. E agora, julho de 2005, Londres. A Austrália, a Espanha e o Reino Unido participaram diretamente dos esforços militares dos EUA.

Folha - Há a possibilidade de os terroristas serem ligados à insurgência laica iraquiana?
Hiro -
Em 14 de janeiro deste ano, o Conselho Nacional de Inteligência dos EUA divulgou um estudo baseado em relatórios de especialistas e agentes americanos e estrangeiros. Concluiu que a insurgência islâmica no Iraque estava recrutando militantes de uma nova geração. Aproveitava, para isso, a predisposição de uma parcela de jovens radicais. Na mesma época o "New York Times" teve acesso a documentos da CIA segundo os quais esses ativistas islâmicos, treinados no Iraque, estavam sendo enviados de volta a seus respectivos países. Esses terroristas tinham grandes chances, ainda segundo a CIA, de praticar algum atentado espetacular ainda em 2005. Foi o que ocorreu.

Folha - A seu ver os atentados de Londres foram cometidos por muçulmanos britânicos ou por comandos que vieram de fora?
Hiro -
Foram terroristas de fora e de dentro, atuando em conjunto. Os que chegam de fora precisam ter contatos dentro do Reino Unido. Eles não podem se hospedar em hotéis para não deixar pistas. São hospedados por simpatizantes islâmicos. Não são propriamente células da Al Qaeda, mas grupos que atuam segundo a lógica da organização. Os que chegam de fora são chamados na gíria dos serviços de inteligência de "slippers" (chinelos, pessoas escorregadias). Esses agentes deixam o país antes da ocorrência dos atentados. Foi o que aconteceu em agosto de 1998, quando dos ataques às embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia, que mataram 140.

Folha - Como imaginar que o Reino Unido estivesse desprotegido?
Hiro -
Os britânicos estão constantemente em alerta. Há questão de quatro semanas, a polícia anunciou ter desmontado planos que teriam levado a Al Qaeda a cometer de quatro a cinco atentados em Londres. Os planos foram abortados por meio dos serviços de inteligência.

Folha - Os terroristas, então, se vingam por causa do Iraque?
Hiro -
Com certeza. Tony Blair enviou ao Iraque um terço das forças britânicas disponíveis. Assim, se os terroristas quiserem identificar quem são os "bad guys" [os homens maus], os britânicos encabeçariam a lista. Eles têm proporcionalmente mais soldados no Iraque do que os EUA.

Folha - Mas, se houve um aborto de atentados anteriores...
Hiro -
Desta vez, havia a conferência do G8. Os focos de atenção da polícia e dos serviços de inteligência estavam na proteção dos governantes estrangeiros. Esse esforço de segurança deixou desprotegido um setor da rede de vigilância em que os atentados estavam sendo planejados.

Folha - Uma parcela dos britânicos islâmicos apoiaria eventualmente essa barbaridade?
Hiro -
É algo complexo. Há uma mágoa pelo fato de a guerra ao terrorismo ter sido pretexto para invadir um país árabe.


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