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TERROR EM LONDRES
Londrinos ficam perplexos, mas enfrentam tragédia com resignação
Contraste do pânico nos locais dos atentados com a calma relativa nas ruas da capital britânica caracteriza a reação dos habitantes da cidade ao pior atentado de sua história
DA REDAÇÃO
A cidade que, há dois dias, festejava vitória na disputa para sediar
as Olimpíadas de 2012 voltou suas
energias para se recompor de um
múltiplo ataque terrorista, cujo
saldo de mortos se contou às dezenas, e o de feridos, às centenas.
Tão contrastante quanto a alegria da véspera e a tragédia de ontem foi o terror que se espalhou
nas cenas de explosão com a tranqüilidade com que os moradores
de Londres enfrentaram a situação, muitas vezes isolados em
suas casas, escritórios e até em
pubs da cidade à espera de notícias e do restabelecimento do sistema de transportes. Leia, a seguir, relatos dos repórteres e colaboradores da Folha em Londres e
a agências de notícias.
POR POUCO
Quando saiu de sua casa no norte de
Londres, às 8h35, para trabalhar, o estudante brasileiro Thiago Alberto
Hommerding, 19, não imaginava que
escaparia por pouco dos atentados.
Em sua jornada de metrô, Hommerding deveria passar pela estação de
King's Cross, onde uma das explosões
ocorreu às 8h56. Mas, ao chegar à estação próxima à sua casa, foi informado
que deveria ir de ônibus, já que os
trens não estavam funcionando "por
uma pane elétrica". Ao chegar a King's
Cross, o estudante encontrou um cenário que descreveu como "pavoroso".
"A situação estava caótica. Ninguém
sabia o que estava acontecendo. Tinha
gente chorando, helicópteros sobrevoando. Os policiais estavam mandando as pessoas saírem daquela área e fechando a rua. O trânsito parou. Vi algumas pessoas ensangüentadas indo a
pé para um hospital ali perto."
Informado por um policial que deveria voltar para casa, Thiago caminhou
até a estação de Euston, perto de onde
ocorreu a explosão no ônibus. "Passei
por um hospital. Vi tanta gente lá que
resolvi perguntar se podia ajudar, mas
me dispensaram porque não tinha curso de primeiros-socorros", afirmou.
Em Euston, o estudante pegou o ônibus 30 (a mesma linha em que ocorreu
a explosão), mas desceu por conta do
congestionamento. "Vi um ônibus logo à frente que passava mais perto da
minha casa. Resolvi trocar. Não sei se o
ônibus em que estava foi o que explodiu, mas estou aliviado."
"SORTE INACREDITÁVEL"
Era no ônibus que explodiu que estava o gerente de projetos britânico Richard Jones, 60. "Havia acabado de
descer quando senti a explosão e ouvi
um barulho altíssimo. O estranho é
que tudo parecia extremamente calmo, ninguém gritava, não tinha pandemônio", afirmou. "Vi umas 20 pessoas levantarem de seus assentos e
saírem pela traseira do ônibus, em
meio aos escombros, um ajudando o
outro. A polícia chegou na mesma hora. Fiquei repetindo sem parar: "Acabei
de sair daquele ônibus!". Sinto-me com
uma sorte inacreditável."
Segundo Raj Matto, "o teto do ônibus voou pelos ares e aterrissou a uns
dez metros de distância". "O funcionário de um estacionamento disse que
um pedaço de carne humana caiu em
seus braços." O segurança Ayobami
Bello, 42, assistiu à cena da rua. "O
chão tremeu, o ônibus voou pelos ares,
em pedaços. Todo mundo correu para
salvar a pele, aos berros. Havia sangue
em todo lugar, pedaços de corpos no
chão. Vi três corpos na rua e três pendurados para fora do ônibus. Saí do ar."
SARDINHAS EM LATA
Na estação King's Cross, uma das
principais da cidade e alvo de uma das
explosões, a situação foi mais caótica.
"Estávamos todos presos como sardinhas numa lata, esperando para morrer. Eu, sinceramente, achei que ia
morrer. Todo mundo achou", afirmou
Angelo Power, à rede de TV CNN.
Uma testemunha que não quis se
identificar e estava no vagão em frente
a um dos que explodiram disse que viu
muitos corpos estendidos pelo chão.
"Houve a explosão, e o trem parou. As
pessoas entraram em pânico. Enquanto a fumaça entrava pelo vagão, ouviam-se gritos e choro. Todos estavam
aterrorizados. Quando nos tiraram de
lá, passamos pelo vagão em que a explosão ocorreu. O metal estava todo
retorcido", disse Arash Kazerouni.
Gary Lewis viu gente coberta de fuligem, fumaça preta e sangue. "As pessoas corriam em todas as direções, gritando. Foi o caos. Saí para o hall da bilheteria e vi paramédicos atendendo
feridos em toda parte."
"Depois do 11 de Setembro, todo
mundo temia que isso acontecesse
aqui. Mas, na hora, você esquece. Isso
mostra que não estamos a salvo, que
essas coisas podem acontecer a qualquer momento", afirmou Janet Biggs.
CALMA BRITÂNICA
O economista peruano Enrique Bernales, 26, que trabalha no setor financeiro, ficou ilhado na City. Todos os
transportes para ir ao centro financeiro
ou sair dele foram suspensos. Os serviços de táxi não suportaram as centenas de chamadas. Ele vivia em Madri
no 11 de Março e se impressiona com a
calma e a atitude dos britânicos.
"Na Espanha, as pessoas estavam
mais assustadas e com muita raiva.
Aqui parece que as pessoas não sabem
bem o que está acontecendo e estão
mais preocupadas com a volta para casa", diz. A organização e a calma britânicas não devem ser confundidas com
frieza. Os telefones celulares são emprestados sem cerimônia, as longas caminhadas enfrentadas sem queixas.
O estudante de medicina Thomas
Berriman, um britânico de 23 anos que
passou mais de 20 minutos trancado
em um dos trens da District Line, afirma que Londres é uma cidade acostumada com o terrorismo. "Só tivemos
sorte de que isso deixasse de acontecer nos últimos anos. De certo modo, é
só uma triste volta ao que era antes".
Para Bernales, a calma advém da falta de imagens explícitas. "Em Madri, as
cenas eram mais claras. Aqui, ninguém
vê o interior do metrô."
PUBS LOTADOS
No pub East India Arms, a 600 metros da estação de metrô de Aldgate,
cuja linha até Liverpool Street foi a primeira atingida pelos ataques, executivos de escritórios da região bebiam
cerveja. Em frente à estação, policiais
faziam graça com quem buscava informação para voltar para casa. "Só caminhando. Sorte que você tem um sapato confortável", diziam.
Foi com certa indiferença, uma dose
de cinismo e até um pouco de humor
negro que o centro financeiro de Londres reagiu aos atentados. "Não é a situação ideal, é triste, muita gente que
morreu estava chegando ao trabalho.
Eu peguei aquela linha dez minutos
antes. Mas pelo menos ganhamos uma
desculpa para beber cerveja", disse
Alan Gothard, 22, que trabalha em um
banco em Aldgate.
Os pubs nas regiões atingidas ficaram lotados -em parte porque as
pessoas não tinham como retornar para casa, em parte porque queriam comentar os fatos. E criticar a suposta falta de controle do governo em relação à
imigração, um dos principais debates
das eleições de maio passado.
"Fomos orientados a deixar o escritório e vamos esperar uma ligação do
nosso pessoal de segurança para saber
se trabalharemos amanhã [hoje]. Lamentamos, mas temos que seguir a vida", disse John Savaidge, 54, bancário.
"É um absurdo sermos uma ilha e não
termos controle sobre a imigração."
"Não podemos sair correndo pelas
ruas, com medo. Estamos cientes de
que essa é uma situação política. Todos já estávamos esperando algo assim, só não sabíamos quando e onde
seria. É por isso que pagamos uma fortuna para andar de metrô", declarou o
economista Phillip Roberts, 27, dois
copos de cerveja nas mãos, diante de
uma ambulância.
Bloqueadas para o trânsito, as ruas
se tornaram um mar de gente buscando informações. Nas farmácias, pessoas faziam filas para comprar escovas
e pastas de dente, na expectativa de
terem de passar a noite nos escritórios.
Colaboraram Érica Fraga, Luciana Dutra, Nathalia Jabur e Fábio Seixas em Londres
Com agências de notícias
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