São Paulo, sexta-feira, 08 de julho de 2005

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TERROR EM LONDRES

Londrinos ficam perplexos, mas enfrentam tragédia com resignação

Contraste do pânico nos locais dos atentados com a calma relativa nas ruas da capital britânica caracteriza a reação dos habitantes da cidade ao pior atentado de sua história

DA REDAÇÃO

A cidade que, há dois dias, festejava vitória na disputa para sediar as Olimpíadas de 2012 voltou suas energias para se recompor de um múltiplo ataque terrorista, cujo saldo de mortos se contou às dezenas, e o de feridos, às centenas.
Tão contrastante quanto a alegria da véspera e a tragédia de ontem foi o terror que se espalhou nas cenas de explosão com a tranqüilidade com que os moradores de Londres enfrentaram a situação, muitas vezes isolados em suas casas, escritórios e até em pubs da cidade à espera de notícias e do restabelecimento do sistema de transportes. Leia, a seguir, relatos dos repórteres e colaboradores da Folha em Londres e a agências de notícias.

POR POUCO
Quando saiu de sua casa no norte de Londres, às 8h35, para trabalhar, o estudante brasileiro Thiago Alberto Hommerding, 19, não imaginava que escaparia por pouco dos atentados.
Em sua jornada de metrô, Hommerding deveria passar pela estação de King's Cross, onde uma das explosões ocorreu às 8h56. Mas, ao chegar à estação próxima à sua casa, foi informado que deveria ir de ônibus, já que os trens não estavam funcionando "por uma pane elétrica". Ao chegar a King's Cross, o estudante encontrou um cenário que descreveu como "pavoroso".
"A situação estava caótica. Ninguém sabia o que estava acontecendo. Tinha gente chorando, helicópteros sobrevoando. Os policiais estavam mandando as pessoas saírem daquela área e fechando a rua. O trânsito parou. Vi algumas pessoas ensangüentadas indo a pé para um hospital ali perto."
Informado por um policial que deveria voltar para casa, Thiago caminhou até a estação de Euston, perto de onde ocorreu a explosão no ônibus. "Passei por um hospital. Vi tanta gente lá que resolvi perguntar se podia ajudar, mas me dispensaram porque não tinha curso de primeiros-socorros", afirmou.
Em Euston, o estudante pegou o ônibus 30 (a mesma linha em que ocorreu a explosão), mas desceu por conta do congestionamento. "Vi um ônibus logo à frente que passava mais perto da minha casa. Resolvi trocar. Não sei se o ônibus em que estava foi o que explodiu, mas estou aliviado."

"SORTE INACREDITÁVEL"
Era no ônibus que explodiu que estava o gerente de projetos britânico Richard Jones, 60. "Havia acabado de descer quando senti a explosão e ouvi um barulho altíssimo. O estranho é que tudo parecia extremamente calmo, ninguém gritava, não tinha pandemônio", afirmou. "Vi umas 20 pessoas levantarem de seus assentos e saírem pela traseira do ônibus, em meio aos escombros, um ajudando o outro. A polícia chegou na mesma hora. Fiquei repetindo sem parar: "Acabei de sair daquele ônibus!". Sinto-me com uma sorte inacreditável."
Segundo Raj Matto, "o teto do ônibus voou pelos ares e aterrissou a uns dez metros de distância". "O funcionário de um estacionamento disse que um pedaço de carne humana caiu em seus braços." O segurança Ayobami Bello, 42, assistiu à cena da rua. "O chão tremeu, o ônibus voou pelos ares, em pedaços. Todo mundo correu para salvar a pele, aos berros. Havia sangue em todo lugar, pedaços de corpos no chão. Vi três corpos na rua e três pendurados para fora do ônibus. Saí do ar."

SARDINHAS EM LATA
Na estação King's Cross, uma das principais da cidade e alvo de uma das explosões, a situação foi mais caótica. "Estávamos todos presos como sardinhas numa lata, esperando para morrer. Eu, sinceramente, achei que ia morrer. Todo mundo achou", afirmou Angelo Power, à rede de TV CNN.
Uma testemunha que não quis se identificar e estava no vagão em frente a um dos que explodiram disse que viu muitos corpos estendidos pelo chão. "Houve a explosão, e o trem parou. As pessoas entraram em pânico. Enquanto a fumaça entrava pelo vagão, ouviam-se gritos e choro. Todos estavam aterrorizados. Quando nos tiraram de lá, passamos pelo vagão em que a explosão ocorreu. O metal estava todo retorcido", disse Arash Kazerouni.
Gary Lewis viu gente coberta de fuligem, fumaça preta e sangue. "As pessoas corriam em todas as direções, gritando. Foi o caos. Saí para o hall da bilheteria e vi paramédicos atendendo feridos em toda parte."
"Depois do 11 de Setembro, todo mundo temia que isso acontecesse aqui. Mas, na hora, você esquece. Isso mostra que não estamos a salvo, que essas coisas podem acontecer a qualquer momento", afirmou Janet Biggs.

CALMA BRITÂNICA
O economista peruano Enrique Bernales, 26, que trabalha no setor financeiro, ficou ilhado na City. Todos os transportes para ir ao centro financeiro ou sair dele foram suspensos. Os serviços de táxi não suportaram as centenas de chamadas. Ele vivia em Madri no 11 de Março e se impressiona com a calma e a atitude dos britânicos.
"Na Espanha, as pessoas estavam mais assustadas e com muita raiva. Aqui parece que as pessoas não sabem bem o que está acontecendo e estão mais preocupadas com a volta para casa", diz. A organização e a calma britânicas não devem ser confundidas com frieza. Os telefones celulares são emprestados sem cerimônia, as longas caminhadas enfrentadas sem queixas.
O estudante de medicina Thomas Berriman, um britânico de 23 anos que passou mais de 20 minutos trancado em um dos trens da District Line, afirma que Londres é uma cidade acostumada com o terrorismo. "Só tivemos sorte de que isso deixasse de acontecer nos últimos anos. De certo modo, é só uma triste volta ao que era antes".
Para Bernales, a calma advém da falta de imagens explícitas. "Em Madri, as cenas eram mais claras. Aqui, ninguém vê o interior do metrô."

PUBS LOTADOS
No pub East India Arms, a 600 metros da estação de metrô de Aldgate, cuja linha até Liverpool Street foi a primeira atingida pelos ataques, executivos de escritórios da região bebiam cerveja. Em frente à estação, policiais faziam graça com quem buscava informação para voltar para casa. "Só caminhando. Sorte que você tem um sapato confortável", diziam.
Foi com certa indiferença, uma dose de cinismo e até um pouco de humor negro que o centro financeiro de Londres reagiu aos atentados. "Não é a situação ideal, é triste, muita gente que morreu estava chegando ao trabalho. Eu peguei aquela linha dez minutos antes. Mas pelo menos ganhamos uma desculpa para beber cerveja", disse Alan Gothard, 22, que trabalha em um banco em Aldgate.
Os pubs nas regiões atingidas ficaram lotados -em parte porque as pessoas não tinham como retornar para casa, em parte porque queriam comentar os fatos. E criticar a suposta falta de controle do governo em relação à imigração, um dos principais debates das eleições de maio passado.
"Fomos orientados a deixar o escritório e vamos esperar uma ligação do nosso pessoal de segurança para saber se trabalharemos amanhã [hoje]. Lamentamos, mas temos que seguir a vida", disse John Savaidge, 54, bancário. "É um absurdo sermos uma ilha e não termos controle sobre a imigração."
"Não podemos sair correndo pelas ruas, com medo. Estamos cientes de que essa é uma situação política. Todos já estávamos esperando algo assim, só não sabíamos quando e onde seria. É por isso que pagamos uma fortuna para andar de metrô", declarou o economista Phillip Roberts, 27, dois copos de cerveja nas mãos, diante de uma ambulância.
Bloqueadas para o trânsito, as ruas se tornaram um mar de gente buscando informações. Nas farmácias, pessoas faziam filas para comprar escovas e pastas de dente, na expectativa de terem de passar a noite nos escritórios.


Colaboraram Érica Fraga, Luciana Dutra, Nathalia Jabur e Fábio Seixas em Londres

Com agências de notícias


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