São Paulo, quinta-feira, 09 de janeiro de 2003

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Posição brasileira é perigosa, dizem analistas

OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva, ao adotar uma política ativa na crise venezuelana, pode comprometer uma tradição de quase um século da diplomacia brasileira de não-ingerência nos assuntos internos de outros países sul-americanos sem, no entanto, obter avanços significativos na solução dos problemas do país vizinho.
É o que dizem dois estudiosos ouvidos pela Folha, o brasileiro Octavio Amorim Neto, professor de ciência política da Fundação Getulio Vargas (RJ), e o americano Peter Hakim, presidente do Inter-American Dialogue, um dos principais centros de análise política do continente americano, baseado nos EUA.
Para ambos, a situação política venezuelana apresenta um tal nível de divisão da população e de conflagração política que dificilmente o Brasil teria êxito em auxiliar a obtenção de uma solução pacífica sem ser acusado de tomar partido por um dos lados.
Amorim Neto lembra que Lula, ao enviar seu assessor para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, à Venezuela em dezembro e ao apoiar o envio de um navio carregado de gasolina ao país, sinalizou que pretende adotar uma diplomacia "mais agressiva" no continente.
"Há pessoas que criticam o Itamaraty por ser excessivamente passivo diante das crises que acontecem na América Latina. Querem que o Brasil tenha um envolvimento na região à altura de sua importância. Nesse sentido, há algo de positivo no que Lula está fazendo", disse.
"Mas isso não pode ser feito em detrimento de todo o patrimônio diplomático construído a partir da gestão do barão do Rio Branco [1902-1912], que é baseado na não-interferência e no respeito aos assuntos domésticos dos países vizinhos", disse ele.
Como exemplo do terreno minado no qual o Brasil está pisando, Amorim Neto citou as manifestações em frente à Embaixada do Brasil em Caracas, realizadas no final do ano pela oposição venezuelana em protesto contra o envio de gasolina brasileira.
"É comum haver protestos em frente a embaixadas brasileiras em defesa da ecologia, por questões sociais etc. Mas não me lembro de precedente de uma embaixada brasileira ser cercada por conta da intervenção da diplomacia brasileira na política doméstica de um país", afirmou.
"Ainda que esteja se escudando na noção de que está apoiando o governo constitucional de um país, o governo brasileiro precisa estar consciente de que a Venezuela é um país completamente conflagrado, rachado ao meio entre chavistas e não-chavistas, à beira de uma guerra civil. Uma intervenção pode ter um custo muito grande", disse Amorim Neto.

Apoio a Gaviria
"O Brasil deve caminhar devagar se quiser fazer mudanças em sua diplomacia. E certamente a Venezuela não é o lugar adequado para começar a fazer isso", afirmou Peter Hakim.
"A situação na Venezuela é extraordinariamente complexa e perigosa. E o Brasil provavelmente não é o país certo para assumir um papel de liderança neste momento porque Lula é visto como pró-Chávez", afirmou Hakim.
Para ele -e também para Amorim Neto- a melhor coisa que os países vizinhos e os EUA podem fazer é apoiar com firmeza e sem ambiguidade as tentativas de mediação que estão sendo feitas há várias semanas pelo secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), o colombiano César Gaviria.
"Acho mais interessante apoiar o que já está sendo feito por Gaviria, que é o presidente da instituição que congrega todos os países americanos, do que criar um grupo "ad hoc" informal", disse Amorim Neto. "O risco é que esse grupo de amigos da Venezuela acabe se tornando o grupo de amigos do Chávez porque Lula é amigo do Chávez e não da oposição venezuelana."
"Acho um erro que qualquer país, seja o Brasil ou os EUA, apóie um dos lados no conflito interno da Venezuela. O desafio é buscar uma solução pacífica e democrática. Não é hora de escolher um lado", disse Hakim.
Para Amorim Neto, Lula corre o risco de sofrer um desgaste no plano internacional se apostar num projeto de salvamento de Chávez. "Lula é líder do maior partido de esquerda do mundo atualmente. E não há uma única mancha em seu histórico enquanto democrata. Por que deveria investir as primeiras fichas de seu capital político num relacionamento tão forte com líderes com biografias democráticas complicadas como Chávez e Fidel?", indagou Amorim Neto. "Acho que Lula poderia encontrar amigos mais interessantes."


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