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Posição brasileira é perigosa, dizem analistas
OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO
O governo de Luiz Inácio Lula
da Silva, ao adotar uma política
ativa na crise venezuelana, pode
comprometer uma tradição de
quase um século da diplomacia
brasileira de não-ingerência nos
assuntos internos de outros países sul-americanos sem, no entanto, obter avanços significativos
na solução dos problemas do país
vizinho.
É o que dizem dois estudiosos
ouvidos pela Folha, o brasileiro
Octavio Amorim Neto, professor
de ciência política da Fundação
Getulio Vargas (RJ), e o americano Peter Hakim, presidente do Inter-American Dialogue, um dos
principais centros de análise política do continente americano, baseado nos EUA.
Para ambos, a situação política
venezuelana apresenta um tal nível de divisão da população e de
conflagração política que dificilmente o Brasil teria êxito em auxiliar a obtenção de uma solução
pacífica sem ser acusado de tomar
partido por um dos lados.
Amorim Neto lembra que Lula,
ao enviar seu assessor para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, à Venezuela em dezembro e ao apoiar o envio de um
navio carregado de gasolina ao
país, sinalizou que pretende adotar uma diplomacia "mais agressiva" no continente.
"Há pessoas que criticam o Itamaraty por ser excessivamente
passivo diante das crises que
acontecem na América Latina.
Querem que o Brasil tenha um
envolvimento na região à altura
de sua importância. Nesse sentido, há algo de positivo no que Lula está fazendo", disse.
"Mas isso não pode ser feito em
detrimento de todo o patrimônio
diplomático construído a partir
da gestão do barão do Rio Branco
[1902-1912], que é baseado na
não-interferência e no respeito
aos assuntos domésticos dos países vizinhos", disse ele.
Como exemplo do terreno minado no qual o Brasil está pisando, Amorim Neto citou as manifestações em frente à Embaixada
do Brasil em Caracas, realizadas
no final do ano pela oposição venezuelana em protesto contra o
envio de gasolina brasileira.
"É comum haver protestos em
frente a embaixadas brasileiras
em defesa da ecologia, por questões sociais etc. Mas não me lembro de precedente de uma embaixada brasileira ser cercada por
conta da intervenção da diplomacia brasileira na política doméstica de um país", afirmou.
"Ainda que esteja se escudando
na noção de que está apoiando o
governo constitucional de um
país, o governo brasileiro precisa
estar consciente de que a Venezuela é um país completamente
conflagrado, rachado ao meio entre chavistas e não-chavistas, à
beira de uma guerra civil. Uma intervenção pode ter um custo muito grande", disse Amorim Neto.
Apoio a Gaviria
"O Brasil deve caminhar devagar se quiser fazer mudanças em
sua diplomacia. E certamente a
Venezuela não é o lugar adequado para começar a fazer isso",
afirmou Peter Hakim.
"A situação na Venezuela é extraordinariamente complexa e
perigosa. E o Brasil provavelmente não é o país certo para assumir
um papel de liderança neste momento porque Lula é visto como
pró-Chávez", afirmou Hakim.
Para ele -e também para
Amorim Neto- a melhor coisa
que os países vizinhos e os EUA
podem fazer é apoiar com firmeza
e sem ambiguidade as tentativas
de mediação que estão sendo feitas há várias semanas pelo secretário-geral da OEA (Organização
dos Estados Americanos), o colombiano César Gaviria.
"Acho mais interessante apoiar
o que já está sendo feito por Gaviria, que é o presidente da instituição que congrega todos os países
americanos, do que criar um grupo "ad hoc" informal", disse Amorim Neto. "O risco é que esse grupo de amigos da Venezuela acabe
se tornando o grupo de amigos do
Chávez porque Lula é amigo do
Chávez e não da oposição venezuelana."
"Acho um erro que qualquer
país, seja o Brasil ou os EUA,
apóie um dos lados no conflito interno da Venezuela. O desafio é
buscar uma solução pacífica e democrática. Não é hora de escolher
um lado", disse Hakim.
Para Amorim Neto, Lula corre o
risco de sofrer um desgaste no
plano internacional se apostar
num projeto de salvamento de
Chávez. "Lula é líder do maior
partido de esquerda do mundo
atualmente. E não há uma única
mancha em seu histórico enquanto democrata. Por que deveria investir as primeiras fichas de seu
capital político num relacionamento tão forte com líderes com
biografias democráticas complicadas como Chávez e Fidel?", indagou Amorim Neto. "Acho que Lula poderia encontrar amigos
mais interessantes."
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