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Sauditas temem protestos contra a guerra no Hajj
PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO
Mais de 1,8 milhão de muçulmanos, incluindo cerca de 16 mil
iraquianos, iniciaram ontem o
Hajj -peregrinação islâmica a
Meca- sob o temor saudita de
que haja protestos contra a provável ação militar no Iraque.
Ano após ano, as autoridades
exortam os peregrinos a deixar
manifestações políticas de lado
-às vezes, sem sucesso- e a
concentrar sua participação no
Hajj nos deveres espirituais. Apesar disso, alguns iranianos e árabes afirmam que os protestos são
parte fundamental do Hajj e defendem que a oposição a uma
guerra deve ser enfatizada.
"A crise iraquiana vai repercutir
entre os peregrinos, que vão fazer
o mundo ouvir o que pensam",
afirmou Abbas Ali Hosseini, líder
muçulmano xiita, em Qom (Irã).
"Com certeza, os norte-americanos vão prestar atenção ao apelo
comum de cerca de 2 milhões de
muçulmanos reunidos em Meca.
Pelo menos eles vão esperar o final do Hajj [na próxima quarta-feira" para promover uma ação
militar", disse Ali Hosseini.
Na semana passada, a Arábia
Saudita reforçou as já rígidas medidas contra manifestações durante o Hajj para evitar que os cerca de 500 mil peregrinos do reino
e o mais de 1,3 milhão de estrangeiros promovam protestos de
caráter político.
O príncipe Nayef bin Abdulaziz,
ministro do Interior da Arábia
Saudita, disse, na última quarta-feira, que seu país "não permitirá
que ninguém provoque confusões com a segurança".
"Reforçamos nossas medidas
de segurança e tomamos todas as
precauções" necessárias, afirmou
o príncipe, sem explicar quais foram essas medidas.
No ano passado, o governo saudita convocou mais de 80 mil voluntários, policiais e soldados em
Meca. Na cidade e nos arredores,
foram instaladas ao menos 1.500
câmeras de vigilância para "manter a ordem". Também foram recolhidas impressões digitais e foram utilizados equipamentos especiais para escaneamento a fim
de coletar dados de peregrinos.
O Hajj já testemunhou ondas de
tensão política. Em 1987, 402 pessoas -em sua maioria, do Irã-
morreram e 649 ficaram feridas
em confrontos com forças de segurança sauditas em uma manifestação em Meca contra os EUA
e Israel. Por causa disso, o Irã boicotou o Hajj durante três anos. Pisoteios e incêndios provocaram
tragédias em outros anos.
Repressão a protestos
Em alguns países do Oriente
Médio, apesar da repressão sistemática contra protestos, houve
atos contra a guerra nas últimas
semanas. O Cairo (capital do Egito) foi palco de ao menos cinco
manifestações e diversas aglomerações populares contra a iminente ofensiva.
"Apenas centenas de pessoas
participaram desses atos por causa dos milhares de policiais antimotim que bloqueavam o acesso
aos locais onde ocorriam as manifestações. Mas os analistas afirmam que o número modesto de
participantes não é representativo
do tamanho real da oposição à
guerra", afirma a jornalista Amira
Howeidy, no Cairo.
Howeidy argumenta que "o estado de urgência em vigor desde
1981 [após a morte do presidente
Anwar al Sadat" proíbe estritamente qualquer manifestação".
Para ela, as palavras de ordem
proferidas no Cairo estabeleciam
um paralelo entre a situação do
Iraque e a do Egito. "Podia-se ouvir claramente: "Bagdá é o Cairo" e
"Nós exigimos liberdade'", diz.
Segundo o analista político libanês Khalid Abu Marwan, "muitos
países temem as manifestações
porque acham que elas poderiam
incentivar sublevações contra as
ditaduras do Oriente Médio".
"Os autocratas árabes temem
que a queda de Saddam Hussein
abra caminho para golpes de Estado na região e para a imposição
de novas ditaduras com o incentivo ou com a participação direta
dos EUA", analisa Marwan.
O cientista político alega que "a
hostilidade contra Washington
vem aumentando na península
Arábica por causa do apoio irrestrito a Israel, da sensação de que
os recursos petrolíferos da região
estejam em perigo crescente e
também porque muitos muçulmanos acreditam que a chamada
"guerra antiterror" seja, na realidade, uma campanha contra o islã".
Na quarta, o chanceler do Irã,
Kamal Kharrazi, disse que "a
guerra deve provocar um choque
de civilizações". "Ela é contra Saddam Hussein e o regime iraquiano ou [o alvo" se trata do Oriente
Médio e do mundo islâmico?",
questionou Kharrazi.
Sem política
Diversas autoridades religiosas
defendem que o Hajj não seja usado como palco para protestos.
"Durante o Hajj, a prioridade é
realizar os rituais, não atos políticos", acredita Ali Assimman, vice-presidente do Comitê de Diálogo Inter-Religioso de Al Azhar
(no Cairo), principal instituição
islâmica sunita do mundo.
"O Hajj fortalece a sensação de
união quando os peregrinos se
reúnem e rezam. Essa sensação
deveria ajudar a pensar e trabalhar pelo bem do islã em todos os
campos quando eles forem para
casa", diz Assimman.
Há mais de 1,3 bilhão de muçulmanos no mundo, dos quais 1,5
milhão está no Brasil (segundo a
Federação Islâmica Brasileira).
Ao menos 60 brasileiros foram à
Arábia Saudita, incluindo nove
mulheres de Foz de Iguaçu (PR)
que viajaram acompanhadas de
um xeque.
(PDF)
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