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São Paulo, domingo, 09 de fevereiro de 2003

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Sauditas temem protestos contra a guerra no Hajj

PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO

Mais de 1,8 milhão de muçulmanos, incluindo cerca de 16 mil iraquianos, iniciaram ontem o Hajj -peregrinação islâmica a Meca- sob o temor saudita de que haja protestos contra a provável ação militar no Iraque.
Ano após ano, as autoridades exortam os peregrinos a deixar manifestações políticas de lado -às vezes, sem sucesso- e a concentrar sua participação no Hajj nos deveres espirituais. Apesar disso, alguns iranianos e árabes afirmam que os protestos são parte fundamental do Hajj e defendem que a oposição a uma guerra deve ser enfatizada.
"A crise iraquiana vai repercutir entre os peregrinos, que vão fazer o mundo ouvir o que pensam", afirmou Abbas Ali Hosseini, líder muçulmano xiita, em Qom (Irã). "Com certeza, os norte-americanos vão prestar atenção ao apelo comum de cerca de 2 milhões de muçulmanos reunidos em Meca. Pelo menos eles vão esperar o final do Hajj [na próxima quarta-feira" para promover uma ação militar", disse Ali Hosseini.
Na semana passada, a Arábia Saudita reforçou as já rígidas medidas contra manifestações durante o Hajj para evitar que os cerca de 500 mil peregrinos do reino e o mais de 1,3 milhão de estrangeiros promovam protestos de caráter político.
O príncipe Nayef bin Abdulaziz, ministro do Interior da Arábia Saudita, disse, na última quarta-feira, que seu país "não permitirá que ninguém provoque confusões com a segurança".
"Reforçamos nossas medidas de segurança e tomamos todas as precauções" necessárias, afirmou o príncipe, sem explicar quais foram essas medidas.
No ano passado, o governo saudita convocou mais de 80 mil voluntários, policiais e soldados em Meca. Na cidade e nos arredores, foram instaladas ao menos 1.500 câmeras de vigilância para "manter a ordem". Também foram recolhidas impressões digitais e foram utilizados equipamentos especiais para escaneamento a fim de coletar dados de peregrinos.
O Hajj já testemunhou ondas de tensão política. Em 1987, 402 pessoas -em sua maioria, do Irã- morreram e 649 ficaram feridas em confrontos com forças de segurança sauditas em uma manifestação em Meca contra os EUA e Israel. Por causa disso, o Irã boicotou o Hajj durante três anos. Pisoteios e incêndios provocaram tragédias em outros anos.

Repressão a protestos
Em alguns países do Oriente Médio, apesar da repressão sistemática contra protestos, houve atos contra a guerra nas últimas semanas. O Cairo (capital do Egito) foi palco de ao menos cinco manifestações e diversas aglomerações populares contra a iminente ofensiva.
"Apenas centenas de pessoas participaram desses atos por causa dos milhares de policiais antimotim que bloqueavam o acesso aos locais onde ocorriam as manifestações. Mas os analistas afirmam que o número modesto de participantes não é representativo do tamanho real da oposição à guerra", afirma a jornalista Amira Howeidy, no Cairo.
Howeidy argumenta que "o estado de urgência em vigor desde 1981 [após a morte do presidente Anwar al Sadat" proíbe estritamente qualquer manifestação". Para ela, as palavras de ordem proferidas no Cairo estabeleciam um paralelo entre a situação do Iraque e a do Egito. "Podia-se ouvir claramente: "Bagdá é o Cairo" e "Nós exigimos liberdade'", diz.
Segundo o analista político libanês Khalid Abu Marwan, "muitos países temem as manifestações porque acham que elas poderiam incentivar sublevações contra as ditaduras do Oriente Médio".
"Os autocratas árabes temem que a queda de Saddam Hussein abra caminho para golpes de Estado na região e para a imposição de novas ditaduras com o incentivo ou com a participação direta dos EUA", analisa Marwan.
O cientista político alega que "a hostilidade contra Washington vem aumentando na península Arábica por causa do apoio irrestrito a Israel, da sensação de que os recursos petrolíferos da região estejam em perigo crescente e também porque muitos muçulmanos acreditam que a chamada "guerra antiterror" seja, na realidade, uma campanha contra o islã".
Na quarta, o chanceler do Irã, Kamal Kharrazi, disse que "a guerra deve provocar um choque de civilizações". "Ela é contra Saddam Hussein e o regime iraquiano ou [o alvo" se trata do Oriente Médio e do mundo islâmico?", questionou Kharrazi.

Sem política
Diversas autoridades religiosas defendem que o Hajj não seja usado como palco para protestos. "Durante o Hajj, a prioridade é realizar os rituais, não atos políticos", acredita Ali Assimman, vice-presidente do Comitê de Diálogo Inter-Religioso de Al Azhar (no Cairo), principal instituição islâmica sunita do mundo.
"O Hajj fortalece a sensação de união quando os peregrinos se reúnem e rezam. Essa sensação deveria ajudar a pensar e trabalhar pelo bem do islã em todos os campos quando eles forem para casa", diz Assimman.
Há mais de 1,3 bilhão de muçulmanos no mundo, dos quais 1,5 milhão está no Brasil (segundo a Federação Islâmica Brasileira). Ao menos 60 brasileiros foram à Arábia Saudita, incluindo nove mulheres de Foz de Iguaçu (PR) que viajaram acompanhadas de um xeque. (PDF)


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