São Paulo, sexta-feira, 09 de março de 2007

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Legislativo perdeu poder que tinha, diz analista

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

A crise política equatoriana é resultado de um Congresso oposicionista fragilizado diante de um presidente popular, mas que agia como se ainda retivesse o amplo poder dos últimos anos, quando destituiu três mandatários, segundo a avaliação de Adrián Bonilla, professor da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais). Para ele, dificilmente os 57 deputados de oposição a Rafael Correa recuperarão seus mandatos. Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida à Folha, de Quito:

 

FOLHA - O afastamento do presidente do TSE pelo Congresso e a destituição de 57 parlamentares têm respaldo constitucional?
ADRIÁN BONILLA
- Não se trata de um problema jurídico. Em qualquer uma das duas posições, é possível encontrar opiniões jurídicas contra ou a favor das medidas. É um problema político em relação à convocatória de uma consulta popular sobre uma Assembléia Constituinte. Por diferentes motivos, um grupo majoritário de parlamentares vinha tentando bloquear essa consulta. Parece difícil, neste momento, que a consulta possa ser detida.

FOLHA - Como fica o Congresso?
BONILLA
- O Congresso equatoriano, nos períodos anteriores, era muito forte politicamente e pôde dar três golpes de Estado. Era um Congresso que pôde tirar os presidentes do sério desde o começo, diante do temor de que podiam ser destituídos. E desse Congresso dependiam depois os presidentes interinos que sucediam os derrubados.
O Congresso atual, no entanto, é débil por duas razões básicas: primeiro, porque o presidente deliberadamente não apresentou candidatos parlamentares para dar credibilidade à sua proposta eleitoral de convocar uma Assembléia Constituinte. Em segundo, o presidente é muito popular.
De forma que um Congresso de oposição é débil, mas atuou nestes dois meses como se fosse um fortíssimo Congresso de períodos anteriores. Perdeu a perspectiva da luta política e tensionou tanto as coisas que parece difícil reconstituir-se na sua forma anterior.

FOLHA - Quais são os cenários?
BONILLA
- Eu vejo dois: o primeiro é que a decisão do TSE se consolide, e isso significa que os 57 parlamentares serão destituídos. E a segunda possibilidade, menos provável, é que haja um transigência mediante a qual os parlamentares continuariam com mandato, desde que não haja nenhuma interferência no referendo. Isso dependerá do apoio político que o Congresso conseguirá reunir. No momento, é pouco: apenas alguns meios de comunicação.

FOLHA - Não pode haver uma pressão de fora?
BONILLA
- A possibilidade de que a comunidade internacional interprete isso como uma ruptura democrática também é muito distante porque a destituição se produz não pelo presidente, mas por parte de um organismo colegiado nomeado pelo próprio Congresso há apenas seis semanas.

FOLHA - O sr., portanto, considera que o Congresso foi destituído?
BONILLA
- É uma destituição da maioria dos deputados feita pelo TSE, nomeado por esse mesmo Congresso, para evitar ser destituído por essa maioria. Ou seja, é uma reação do TSE diante da iminente destituição desse tribunal pelo Congresso.

FOLHA - A bancada do ex-presidente Lucio Gutiérrez também foi destituída, apesar de ele ter indicado o presidente do TSE, Jorge Acosta, até recentemente seu advogado pessoal. Como houve essa mudança radical em tão pouco tempo?
BONILLA
- É o partido de Gutiérrez, PSP, que precipita a crise porque concorda em destituir o presidente do TSE. Isso ocorreu por que Acosta deixou passar o processo do referendo. Gutiérrez apoiava a Constituinte na retórica, mas na prática cria obstáculos com os votos de seu partido.

FOLHA - Está criado um clima de polarização comparável ao que existe na Venezuela?
BONILLA
- Não, o país é muito fragmentado. Temos um conflito político, mas isso não significa que a população tenha se polarizado a favor de Correa ou contra ele. Ele tem um partido quase inexistente e uma Assembléia Constituinte também será fragmentada, com uma maioria de centro-esquerda, mas não de forças homogêneas. Correa tem de pactuar com várias forças, assim como a oposição.


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