São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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Em Letícia, fronteira é de refugiados sociais

Capital do departamento colombiano do Amazonas atrai pobres da região; alimentos vêm do Equador

JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM LETÍCIA (COLÔMBIA)

A crise da última semana não chegou ao departamento (equivalente a Estado) colombiano do Amazonas, na fronteira com a brasileira Tabatinga e com uma ilha peruana, em meio ao rio Solimões, que abriga um vilarejo chamado Santa Rosa, com 1.400 habitantes.
Essa região é chamada pelo governador Félix Francisco Acosta Soto de "fronteiras da harmonia e da paz". Essa paz, no entanto, não impede o surgimento de "refugiados sociais" em Letícia, a capital do Amazonas colombiano.
A possibilidade de um confronto bélico entre Equador e Colômbia, com a interferência da Venezuela, assusta o governador. "Pelas condições geográficas, não teríamos guerrilheiros das Farc em nosso departamento. Mas poderiam chegar refugiados civis e nossa infra-estrutura não comporta isso", disse Soto.
O departamento do Amazonas tem 72 mil habitantes. Metade vive em Letícia e em Puerto Nariño. A outra metade se espalha em nove vilarejos dispersos pela floresta e em aldeias indígenas. Letícia tem um hospital regional. Em Puerto Nariño há um posto de atendimento básico de saúde.
Na última semana, os moradores de Letícia temiam que ocorresse uma escassez de produtos hortigranjeiros, frutas, grãos e óleo comestível. Motivo: esses itens são importados do Equador. "O fechamento da fronteira com o Equador pode criar uma situação de falta desses produtos", afirmou Acosta.
Já a fronteira entre a cidade colombiana e Tabatinga é quase imperceptível. Na divisa dos dois municípios existe uma avenida que leva os nomes de Amizade, do lado brasileiro, e de Internacional, na parte colombiana. As únicas indicações de que são duas cidades e dois países são um mastro com bandeiras do Brasil e do Estado do Amazonas e um módulo da Polícia Nacional da Colômbia, guardado por só um soldado.

Barrio Nuevo
Em Letícia, a reportagem visitou Barrio Nuevo, onde vivem acampadas cerca de 150 famílias, que há dois anos esperam casas prometidas pelo governo colombiano. "Somos refugiados sociais esperando promessas serem cumpridas", afirmou Andréa Almada, 29, colombiana que faz parte de um grupo de famílias expulso de assentamento do Incra em Tabatinga.
Em Barrio Nuevo convivem colombianos, brasileiros e peruanos. Como Letícia é a cidade mais bem estruturada na região, a atração é inevitável. O governador estima que 550 pessoas vivam aqui na "condição de refugiados".
A colombiana Ana Paula Souza Silva, 20, duas filhas e grávida de um terceiro, sintetiza a situação: "Aqui tem peruanos, brasileiros e colombianos; todos estão na mesma, esperando por uma promessa não-cumprida". O governador afirma que o governo federal já comprou uma área para as moradias, mas faltam recursos para construir casas subsidiadas.
Apesar de mais bem estruturada do que suas vizinhas -Tabatinga e a peruana Santa Rosa-, Letícia depende de produtos de origem equatoriana e brasileira. Do Equador, chegam grãos, frutas e hortigranjeiros, além de óleo comestível. Do Brasil, a dependência vai do GLP (gás liqüefeito de petróleo) à carne bovina.
O gás chega de Manaus em balsas, assim como o cimento. Búfalos e bois são transportados, também em balsas, da ilha de Marajó. Um conflito com o Equador afetaria diretamente a economia de Letícia. A cidade vive do turismo, com navios-hotéis desembarcando duas vezes por mês. Depois dos colombianos, são os equatorianos que sustentam o turismo local.


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