São Paulo, sábado, 09 de junho de 2001

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ANÁLISE

Reformas dependem do apoio de conservadores

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Que o presidente Mohamad Khatami seria reeleito ontem no Irã, ninguém duvidava. Tampouco há dúvidas sobre o fato de que ele é, ainda, a personificação de um movimento reformista que busca cuidadosa e vagarosamente afastar o país da "velayat-e faqih" (a supremacia da legislação islâmica).
Mas depois de várias incursões recentes pelo Irã, Suzanne Maloney, pesquisadora do norte-americano Instituto Brookings, disse à Folha que prefere apostar no que ela chama de "uma espécie de terceira via" para fazer as reformas no país.
Seria uma coligação entre os reformistas de Khatami e um grupo de conservadores que Maloney descreve assim: "Nos últimos três anos, houve uma evolução na ala conservadora, que consiste, essencialmente, de um grupo mais pragmático e moderno de escritores, políticos e ativistas que advoga por uma coalizão entre reformistas e conservadores".
Para ela, seria a única maneira de romper o impasse dos últimos quatro anos, caracterizado por tímidas tentativas reformistas respondidas, invariavelmente, por uma poderosa contra-ofensiva conservadora.
Mas, para que o cenário imaginado pela pesquisadora do Brookings se materialize há precondições. A primeira delas: a vitória de Khatami nas urnas terá que ser pelo menos por margem igual à que obteve em 1997 (68% dos votos, em pleito que teve a participação de 76% dos eleitores).
"Se Khatami ganhar de novo com uma margem igualmente elevada será um tremendo impulso para o seu lado", disse Katerina Dalacoura, do Departamento de Relações Internacionais da London School of Economics.
"O noticiário da mídia dá a entender que qualquer coisa aquém do triunfo de 97 sinalizará o fracasso do movimento reformista", contrapõem Naghmed Sohrabi (Universidade de Harvard) e Arang Keshavarzian (Princeton) em artigo publicado esta semana pela revista "Middle East Report".
Para obter um novo impulso para o movimento reformista Khatami terá que convencer uma parte cativa de seu eleitorado (os estudantes, as mulheres e os jovens em geral) de que é de fato capaz de levar adiante as reformas prometidas.
Os dois pesquisadores de Harvard e Princeton, que estão no Irã fazendo pesquisa de campo, relataram que "o eleitorado continua respaldando Khatami e o movimento reformista, mas é um suporte temperado por uma reflexão consciente e crítica".
Ou, talvez, o eleitorado tenha se dado conta de uma constatação assim exposta por Richard Murphy, diretor de Estudos de Oriente Médio do Council on Foreign Relations de Nova York: "É importante lembrar que ele é um reformista, não um contra-revolucionário".
Posto de outra forma, o que está em jogo não é a substituição do reinado dos aiatolás, mas apenas a reforma e a modernização do sistema.
Suzanne Maloney, a pesquisadora do Brookings, acha que essa descrição mais realista de Khatami está de acordo com o que pensa a maioria dos iranianos. "Muitos deles continuam sem vontade alguma de montar barricadas para forçar mais mudanças, mais rapidamente. Assim, a barganha central que os reformistas oferecem (reforma, em vez de substituição do sistema) é a que preenche as aspirações básicas da população."
Mas seus colegas de Harvard e Princeton vão na direção exatamente oposta. Relatam um comício no Colégio Técnico da Universidade de Teerã, em que um membro não-identificado da Associação de Estudantes Islâmicos tomou o microfone e disse que os quatro anos anteriores talvez demandassem uma liderança mais quieta.
Mas, prosseguiu o orador, "os estudantes reformistas agora querem um líder que faça avançar mais agressivamente o movimento reformista". Ganhou uma extraordinária ovação.
Esteja certa Maloney ou Sohrabi/Keshavarzian, o que está em jogo nas eleições iranianas é o avanço das reformas (inclusive no campo econômico) ou a manutenção de um impasse, cujo rompimento é um jogo de tudo ou nada para o Irã. A ponto de o "Global Agenda", diário eletrônico da revista britânica "The Economist", afirmar que "o próximo mandato (de Khatami) pode ser a última chance de o Irã mudar pacificamente".



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