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ANÁLISE
Reformas dependem do apoio de conservadores
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Que o presidente Mohamad Khatami seria reeleito
ontem no Irã, ninguém duvidava.
Tampouco há dúvidas sobre o fato de que ele é, ainda, a personificação de um movimento reformista que busca cuidadosa e vagarosamente afastar o país da
"velayat-e faqih" (a supremacia
da legislação islâmica).
Mas depois de várias incursões
recentes pelo Irã, Suzanne Maloney, pesquisadora do norte-americano Instituto Brookings, disse à
Folha que prefere apostar no que
ela chama de "uma espécie de terceira via" para fazer as reformas
no país.
Seria uma coligação entre os reformistas de Khatami e um grupo
de conservadores que Maloney
descreve assim: "Nos últimos três
anos, houve uma evolução na ala
conservadora, que consiste, essencialmente, de um grupo mais
pragmático e moderno de escritores, políticos e ativistas que advoga por uma coalizão entre reformistas e conservadores".
Para ela, seria a única maneira
de romper o impasse dos últimos
quatro anos, caracterizado por tímidas tentativas reformistas respondidas, invariavelmente, por
uma poderosa contra-ofensiva
conservadora.
Mas, para que o cenário imaginado pela pesquisadora do Brookings se materialize há precondições. A primeira delas: a vitória
de Khatami nas urnas terá que
ser pelo menos por margem igual
à que obteve em 1997 (68% dos
votos, em pleito que teve a participação de 76% dos eleitores).
"Se Khatami ganhar de novo
com uma margem igualmente
elevada será um tremendo impulso para o seu lado", disse Katerina Dalacoura, do Departamento
de Relações Internacionais da
London School of Economics.
"O noticiário da mídia dá a entender que qualquer coisa aquém
do triunfo de 97 sinalizará o fracasso do movimento reformista",
contrapõem Naghmed Sohrabi
(Universidade de Harvard) e
Arang Keshavarzian (Princeton)
em artigo publicado esta semana
pela revista "Middle East Report".
Para obter um novo impulso
para o movimento reformista
Khatami terá que convencer uma
parte cativa de seu eleitorado (os
estudantes, as mulheres e os jovens em geral) de que é de fato capaz de levar adiante as reformas
prometidas.
Os dois pesquisadores de Harvard e Princeton, que estão no Irã
fazendo pesquisa de campo, relataram que "o eleitorado continua
respaldando Khatami e o movimento reformista, mas é um suporte temperado por uma reflexão consciente e crítica".
Ou, talvez, o eleitorado tenha se
dado conta de uma constatação
assim exposta por Richard
Murphy, diretor de Estudos de
Oriente Médio do Council on Foreign Relations de Nova York: "É
importante lembrar que ele é um
reformista, não um contra-revolucionário".
Posto de outra forma, o que está
em jogo não é a substituição do
reinado dos aiatolás, mas apenas
a reforma e a modernização do
sistema.
Suzanne Maloney, a pesquisadora do Brookings, acha que essa
descrição mais realista de Khatami está de acordo com o que pensa a maioria dos iranianos. "Muitos deles continuam sem vontade
alguma de montar barricadas para forçar mais mudanças, mais
rapidamente. Assim, a barganha
central que os reformistas oferecem (reforma, em vez de substituição do sistema) é a que preenche as aspirações básicas da população."
Mas seus colegas de Harvard e
Princeton vão na direção exatamente oposta. Relatam um comício no Colégio Técnico da Universidade de Teerã, em que um
membro não-identificado da Associação de Estudantes Islâmicos
tomou o microfone e disse que os
quatro anos anteriores talvez demandassem uma liderança mais
quieta.
Mas, prosseguiu o orador, "os
estudantes reformistas agora querem um líder que faça avançar
mais agressivamente o movimento reformista". Ganhou uma extraordinária ovação.
Esteja certa Maloney ou Sohrabi/Keshavarzian, o que está em
jogo nas eleições iranianas é o
avanço das reformas (inclusive
no campo econômico) ou a manutenção de um impasse, cujo
rompimento é um jogo de tudo ou
nada para o Irã. A ponto de o
"Global Agenda", diário eletrônico da revista britânica "The Economist", afirmar que "o próximo
mandato (de Khatami) pode ser a
última chance de o Irã mudar pacificamente".
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