|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SURPRESA
Morales, líder de plantadores de coca e a favor da reestatização, pode passar ao 2º turno indireto do pleito presidencial
Eleição boliviana reforça poder indígena
RODRIGO UCHÔA
DA REDAÇÃO
O líder cocaleiro Evo Morales, 42, assumiu ontem o segundo lugar na apuração dos votos da eleição presidencial boliviana do dia
30 de junho e pode ir para o segundo turno contra Gonzalo "Goni" Sánchez de Lozada, 72, candidato do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), o
mais tradicional e antigo partido
do país. Mesmo que Morales não
avance na disputa, analistas dizem que os movimentos indígenas chacoalharam definitivamente o equilíbrio político da Bolívia.
Somados os votos de Morales e
de seu aliado Felipe Quispe, líder
do Movimento Indígena Pachakuti, a votação ultrapassaria a de
Goni, como o ex-presidente liberal (1993-97) é conhecido.
Morales tinha ontem pouco
mais de 700 votos sobre o populista Manfred Reyes Villa, da NFR
(Nova Força Republicana).
Com 99,76% da apuração, o liberal Sánchez de Lozada tinha
623.830 votos (22,45% dos votos
válidos), contra 581.870 (20,94%)
de Morales e 581.051 (20,91%) de
Reyes. O ex-presidente social-democrata (1989-93) Jaime Paz Zamora seguia em quarto, com
453.153 (16,31%). Quispe estava
em quinto, com 169.237 (6,09%).
Os dois primeiros colocados
disputarão um segundo turno indireto no Congresso.
Juntos, os dois principais líderes
indígenas do país somavam 27%
dos votos válidos.
"É sem dúvida uma evolução na
representatividade dos indígenas", afirmou o analista político
Tito Zambra. "Na Bolívia, a mobilização dos indígenas já é impressionante, mas faltava representatividade política", concluiu.
O presidente da Bolívia, Jorge
Quiroga, aplaudiu ontem os resultados eleitorais alcançados pelos movimentos indígenas.
A inesperada e imprevista votação no MAS (Movimento ao Socialismo), partido de Morales, pode estar ligada a dois fatores, dizem os analistas: a desilusão crescente com os partidos tradicionais e o voto de protesto contra a
excessiva ingerência dos EUA nos
assuntos internos da Bolívia.
Três dias antes do pleito, o embaixador dos EUA no país, Manuel Rocha, disse que Washington fecharia seus mercados aos
produtos bolivianos caso o líder
cocaleiro fosse eleito presidente.
Morales é crítico dos programas
de erradicação das plantações de
coca e, por isso, foi acusado pelo
diplomata americano de manter
ligações com o narcotráfico.
"Há uma demonização sem
sentido do líder cocaleiro", afirmou o brasileiro Wálter Maierovitch, que foi secretário nacional antidrogas do governo FHC.
"Ele é bem-visto pelas entidades internacionais de defesa dos direitos humanos, já que luta pelo desenvolvimento sustentável das populações indígenas que hoje
são extremamente dependentes das plantações de coca," disse.
Deputado eleito em 1997, Morales teve seu mandato cassado menos de dois anos depois, acusado de incitar a violência nos conflitos das forças de segurança bolivianas com os cocaleiros.
Agora ele liderará uma bancada de oito senadores e quase 30 deputados. Ele, porém, se nega a fazer alianças com os partidos de direita. "Não podemos trair o voto do povo, que elegeu esta representação", disse.
Segundo Isaac Bigio, analista internacional da London School of
Economics, Reyes poderia querer
formar um bloco com o MIR e o
MAS contra os "partidos do sistema", mas o MAS se recusa a qualquer contato com o populista.
Paz Zamora agora é procurado
como o fiel a balança na eleição.
Bigio não descarta uma aliança
dele com Morales. "O MIR já se
coligou com todo o espectro político nacional." Nascido em 1971
como um movimento guerrilheiro contra a ditadura Hugo Bánzer
(1971-78), o MIR se aliou em 1989
ao próprio Bánzer e, de 1997 a
2002, foi uma das bases de sustentação do banzerismo.
Processo indireto
No dia 30 de junho, os bolivianos votaram para a sucessão presidencial e para a renovação das 130 cadeiras na Câmara dos Deputados e das 27 cadeiras do Senado. Como nenhum dos candidatos a presidente alcançou mais
da metade dos votos válidos, o Congresso fica responsável pelo
segundo turno indireto entre os dois mais votados.
Os parlamentares devem se reunir no dia 4 de agosto para eleger
o sucessor do presidente Jorge
Quiroga, que entrega o cargo no
dia 6 de agosto.
Cerca de 4,2 milhões dos 8 milhões de bolivianos estavam registrados para votar, mas mais de 30% dos eleitores não compareceram às urnas. Ao menos 55% dos
bolivianos são indígenas das etnias quêchua e aymará, 30% são
mestiços e 15% são brancos.
O país tem as maiores reservas
de gás natural da América do Sul.
Evo Morales defende a reestatização das empresas de gás e o fim
do modelo "neoliberal" adotado
nas duas últimas décadas.
Sánchez de Lozada terá o controle de uma bancada de 11 senadores e 42 deputados. Principal implementador dos programas de privatização, ele promete criar
empregos com obras públicas.
A Confederação Sindical Única dos Trabalhadores Camponeses prometeu bloquear as principais rotas rodoviárias da Bolívia se Sánchez de Lozada for eleito.
Com agências internacionais
Texto Anterior: Analista se diz pessimista e defende cautela Próximo Texto: Afeganistão: Estrangeiros ajudarão a inquirir morte de vice Índice
|