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Disputa étnica lembra cenário pré-guerra civil
IGOR GIELOW
COORDENADOR DA AGÊNCIA FOLHA
Quando assumiu o poder interino do Afeganistão pela primeira
vez, em dezembro, Hamid Karzai
prometeu pôr fim à ""lei das armas" no país. O assassinato de
Abdul Qadir mostra quão distantes são discurso e realidade.
Mais do que isso, sua morte
aproxima o cenário político afegão àquele que gerou a guerra civil em 1992, quando tomou o poder uma coalizão de ""senhores da
guerra" de grupos étnicos distintos. Quando uma facção começou
a se sentir menos favorecida que
outra, estourou o conflito que
abriu caminho para o Taleban.
Qadir era o principal representante da etnia pashtu do leste afegão, centrado na Província de
Nangarhar e sua capital, Jalalabad. Sua morte vai aumentar as
queixas de que há tadjiques e uzbeques étnicos em demasia no governo -num país no qual 40% da
população é pashtu. Sobra Karzai,
mas sua facção tribal ligada à família real é minoritária.
Qadir tinha um histórico conturbado. Lutou a guerra contra os
soviéticos à sombra do irmão, o
famoso comandante Abdul Haq.
Em maio de 1996, governando
Nangarhar, foi a primeira autoridade a abrigar como ""hóspede" o
saudita Osama bin Laden, que vinha do Sudão fugindo da CIA.
Se dava bem também com o
chefe do Taleban, mulá Mohamad Omar. Tanto que teria sido
""indenizado" em US$ 10 milhões
quando Jalalabad foi ocupada pelo Taleban, em setembro de 96.
Refugiou-se em Peshawar (Paquistão) com a família, mas logo
teve de exilar-se na Europa.
O 11 de setembro mudou tudo.
Com os ataques norte-americanos ao Taleban, Qadir voltou a
Peshawar e preparou-se para reocupar Jalalabad. Seu irmão Haq
tentou convencer talebans a
apoiar os EUA. Foi pego e morto.
As tropas do mulá Omar saíram
de Jalalabad no dia 14 de novembro. No dia seguinte, Qadir organizou uma caravana de jornalistas
em Peshawar, a Folha inclusa, para voltar à sua cidade.
Cobrando US$ 100 por cabeça,
mostrou-se à vontade no papel de
""chefão". Hospedou parte dos repórteres no palácio do governo,
quando o único hotel da cidade ficou lotado. Tipicamente, não cedeu um milímetro de informação
política relevante.
Na manhã seguinte, uma repórter italiana disse ter seus documentos e US$ 3.000 roubados.
Qadir disse para ela não se preocupar porque os documentos seriam achados. ""Quanto ao dinheiro, aqui está", disse, sacando um
gordo maço de notas de US$ 100.
Qadir não era querido fora de
sua região, e a investigação de sua
morte poderá mostrar isso. A versão de que foi morto por traficantes insatisfeitos parece mais servir
aos EUA, a quem não interessa
mais confusão entre etnias
-além de esquecer que Qadir teria feito fortuna com a heroína.
O Afeganistão de 2002 não é o
de 1992. Mas é exatamente o fator
de diferença, a presença militar
dos EUA, que pode determinar a
repetição ou não da história.
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