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Polêmica sobre o Oriente Médio, que levou à retirada dos EUA e de Israel, dominou a reunião, qualificada como "decepcionante"
Conferência foi marcada pela intolerância
DA ENVIADA ESPECIAL A DURBAN
Pensada como um encontro de
direitos humanos, a Conferência
das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação Racial, a
Xenofobia e a Intolerância Correlata não fez jus ao próprio nome:
foi marcada pela radicalidade e
pela intolerância.
Todas as principais discussões
ficaram atreladas às mesmas polêmicas em debate nos dez meses
de reuniões preparatórias para o
encontro de Durban: o Oriente
Médio, as reparações e a definição
da lista de vítimas.
As declarações finais, repletas
de ressalvas e ainda pendentes de
aprovação até o final da tarde de
ontem, ficaram enfraquecidas
principalmente pela ausência dos
Estados Unidos. Junto com Israel,
os EUA se retiraram da conferência alegando não concordar com
os rumos da discussão sobre o
Oriente Médio.
Os países árabes insistiam em
qualificar o sionismo (movimento iniciado no século 19 com o objetivo de estabelecer um Estado
judaico) como forma de racismo.
Pediam também que Israel fosse
explicitamente citado como Estado racista.
Os ataques a Israel foram o pretexto para que os Estados Unidos
deixassem Durban e fugissem do
debate sobre reparações pela escravidão, uma das bandeiras do
movimento negro nos EUA.
Com a saída dos EUA, a França
também ameaçou cair fora, levando junto toda a União Européia. Também ameaçaram deixar
a reunião o Canadá e a Austrália.
A África do Sul jogou tudo para
salvar a conferência. Gastou toda
sua energia para que o texto final
falasse da escravidão como crime
contra a humanidade -mas preferiu se calar diante das denúncias
de práticas de escravidão hoje no
Sudão e na Mauritânia.
Nos grupos encarregados de redigir os dois principais textos,
qualquer parágrafo que fizesse
menção aos temas polêmicos era
imediatamente rechaçado. A solução foi ciar grupos de consulta,
com facilitadores encarregados
de elaborar redações alternativas.
"Faltou preparo de todas as pessoas envolvidas. Não houve avanço em quase nada, muito do que
foi dito aqui já está na Declaração
dos Direitos Humanos. Faltaram
medidas concretas", afirmou à
Folha Ravi Nair, professor da
Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, e diretor do Centro
de Documentação de Direitos
Humanos do Sul da Ásia.
Para Nair, a questão do Oriente
Médio deveria ter sido tratada do
ponto de vista dos direitos humanos, com uma menção à situação
dos palestinos. "Mas o que houve
foi um embate político, com países lutando como cães e gatos."
No último dia da conferência, as
palavras mais ouvidas eram "decepcionante" e "desapontador".
Foi decepcionante, por exemplo, para os indígenas. Eles queriam ser citados sob a denominação "povos indígenas". A expressão foi aprovada, porém atrelada
a um parágrafo indicando que a
expressão não tem nenhum significado no direito internacional.
O resultado foi desapontador
também para os homossexuais,
que enfrentaram a intolerância de
países islâmicos e não foram incluídos entre vítimas da discriminação. Essa era uma das propostas do Brasil, mas foi rechaçada.
Brasil
Para Ivanir dos Santos, uma das
lideranças do movimento negro
brasileiro, a conferência foi um
"meio fracasso". "Foi decepcionante porque falou-se muito da
questão palestina, evitando o
aprofundamento de outras questões. Mas, para o Brasil, foi importante, porque trouxe à tona de vez
o debate sobre a situação dos negros no país".
A conferência aprovou medidas
de ação afirmativa para beneficiar
vítimas de discriminação, mas o
parágrafo sobre cotas na educação acabou sem ser discutido.
Também instituiu de vez a expressão "descendência africana",
a partir das pressões do movimento negro internacional.
O economista Marcelo Paixão,
professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, disse que as
dificuldades enfrentadas em Durban são exatamente a prova de
que ela é a mais importante conferência já realizada pela ONU.
"O que se viu aqui foi uma prova de que, quando o tema é racismo, o acordo é quase inalcançável. É preciso avaliar a razão disso.
No Brasil, por exemplo, a questão
racial enfrenta o silêncio tanto da
esquerda quanto da direita. Os
candidatos de oposição também
não se posicionam sobre a situação do negro", afirmou.
As poucas pessoas que acompanharam as reuniões dos grupos
encarregados de redigir a declaração e o programa de ação listam
algumas medidas importantes.
Foram aprovados, no texto do
programa de ação, parágrafos que
citam mulheres e crianças como
pessoas especialmente sujeitas à
discriminação. Também foram
aprovados parágrafos pedindo
proteção especial para migrantes
e ciganos.
Para Guacira Cesar de Oliveira,
do Cefemea (Centro Feminista de
Estudos e Assessoria), os parágrafos aprovados permitem a elaboração de políticas de monitoramento da situação feminina no
mundo. "Ficou claro, apesar de
tudo, que ser mulher e negra é diferente de ser mulher e branca",
afirmou Guacira.
Especializada na análise de indicadores sociais, a historiadora
Wânia Sant'Anna, do Conselho
Nacional de Direitos da Mulher,
elogiou os parágrafos que definem a forma de coleta e análise de
dados estatísticos populacionais.
"Ficou claro aqui que tem de haver participação das ONGs nas
pesquisas, incluindo em seu desenho, o que hoje temos muita dificuldade em fazer. Há uma recomendação de coleta periódica,
monitoramento dos dados, fornecimento de informação sobre
violência policial. Tudo isso diz
respeito diretamente ao Brasil",
afirma.
(FERNANDA DA ESCÓSSIA)
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