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INTERNET
Projeto criado há cinco anos já tem mais de 2 milhões de artigos em 180 línguas; acadêmicos torcem o nariz para a idéia
Wikipedia, a enciclopédia aberta, se agiganta
DA REDAÇÃO
"Wiki", em havaiano, quer dizer "rápido". Mas, quando batizou seu projeto mais ambicioso
como "Wikipedia", em 2001, o
empresário americano Jimmy
Wales não esperava que a enciclopédia eletrônica idealizada por ele
e pelo então editor Larry Sanger
atingisse, menos de cinco anos
depois, um crescimento em velocidade exponencial.
Já alvo de uma média de 2 bilhões de acessos mensais, o website tem dobrado seu tráfego a cada
três ou quatro meses, segundo dados citados por Wales. E acumula
mais de 2,1 milhões de artigos em
180 línguas, do javanês ao esperanto -só em inglês, são 750 mil.
Em português, outros 77,7 mil.
A idéia é simples: uma enciclopédia on-line gratuita, para a qual
qualquer um com acesso à internet pode contribuir, editando ou
criando novos verbetes.
Mas trata-se de uma enorme
inovação. Em muito pouco a Wikipedia lembra seus antepassados
em papel. Na evolução primeiro
para o online e depois para o "wiki" (nome do tipo de software que
permite a livre atualização de um
site pelos usuários), a irmã caçula
de Barsas e Encartas tornou-se
maior em tudo. Número de verbetes, número de colaboradores,
extensão de textos, variedade de
assuntos. Mas, também, em número de erros.
Tradicionalistas tendem a torcer o nariz. "É um banheiro público, você não sabe quem usou por
último", escreveu em um artigo
um editor da Britannica.
Mas "nerds" de carteirinha -e
a geração do copy-and-paste- ficaram fascinados. "Trata-se do
verdadeiro guia do mochileiro
das galáxias", regozijou-se o colunista Paul Boutin na revista eletrônica "Slate", aludindo ao livro
fictício imaginado pelo escritor
Douglas Adams que traz respostas para quase tudo no universo.
Ambos têm razão. Com a promiscuidade do processo de edição, é impossível isentar o compêndio eletrônico de erros ou
mesmo de cibervandalismo.
Dias atrás, o próprio verbete
"wikipedia", na versão em inglês,
trazia no rodapé um vigoroso
"Wikipedia sucks" (algo como "a
Wikipedia é uma droga") em letras garrafais. Os mantenedores,
então, contam com o princípio do
darwinismo. Com a edição é aberta e contínua, erros graves não
persistirão no ar, e apenas os melhores verbetes prevalecerão.
Para fazer a tese funcionar, criaram uma comunidade, na qual os
usuários podem se cadastrar e, se
desejarem, criar uma "lista de tópicos de atenção" com assuntos
sobre os quais tenham domínio.
Assim, se você tem uma lista de
atenção sobre "religião" , toda vez
que uma mudança for feita em
um verbete sobre uma tradição islâmica ou a biografia de um santo
católico, por exemplo, ou que um
novo artigo for criado, você será
alertado e convidado a revisá-lo.
Pop e "geek"
Como a medida evita apenas
que os erros persistam no ar, mas
não que eles apareçam, artigos sobre temas mais complexos e/ou
delicados, como aqueles que envolvem religião e política, acabam
fechados para a edição quando os
mantenedores os consideram suficientemente completo.
Para os mantenedores, uma
vantagem desse "darwinismo editorial" é que os artigos acabam
mais equilibrados do que seus pares em enciclopédias tradicionais.
Como qualquer um pode mexer
no texto, versões extremadas para
qualquer lado não perduram.
Mas, se o "conselho de geeks"
(gente viciada em tecnologia e informação) em que se transformou a comunidade da Wikipedia,
segundo seu criador, consegue
trazer equilíbrio e precisão ao
compêndio, ele também dá cores
próprias à gama de temas.
O lado positivo é que, dado o
grau de devoção de seus usuários,
a Wikipedia se mantém atualizada com uma instantaneidade de
deixar para trás muitos sites de
notícias. No dia dos atentados terroristas em Londres, em julho, o
compêndio já contava, poucas
horas após a explosão, com um
verbete a respeito. Quando quase
mil iraquianos morreram pisoteados em Bagdá não apenas surgiu um artigo para "tumulto em
Bagdá" como um para "mesquita
Kadhimiya" e outro para "ponte
Aima", cenas da tragédia.
E não se trata de verbetes sucintos. O brasileiro Jean Charles de
Menezes, morto por erro da polícia britânica em julho último ao
ser confundido com um terrorista, conta com um artigo dividido
em 12 itens e mais oito subitens
que conferem um grau de detalhamento a sua biografia e ao incidente que poucos jornais, revistas
e canais de TV foram capazes de
incluir em um único texto.
O outro lado da moeda é que os
assuntos prediletos dos usuários
-normalmente política e cultura
pop- ganham atenção demais.
Onde mais o verbete "Batman",
por exemplo, seria dez vezes
maior do que aquele dedicado a
Johann Gutenberg, o inventor da
técnica de impressão?
Credibilidade
A reivindicação da Wikipedia
pelo status de enciclopédia, segundo escreveram os próprios
criadores, é controversa. Muitos
não vêem no compêndio eletrônico credibilidade suficiente para
conferir-lhe a condição de fonte
de referência.
O próprio Larry Sanger, depois
que migrou para o mundo acadêmico, culpou o perfil "antielitista"
do site pela percepção pública errada sobre ele. O problema ganha
força em grupos como professores e bibliotecários, que, na falta
de uma autoridade ou de alguma
tradição por trás do projeto, recusam-se a usá-lo como fonte.
"O problema não é que a Wikipedia não seja confiável. Independentemente de ser mais ou menos
confiável do que uma enciclopédia tradicional, ela não é vista como confiável o suficiente por
muitos acadêmicos", escreveu
Sanger em artigo. "A razão para
isso é óbvia: eles sabem que qualquer um pode editar, e não há um
processo formal de revisão, mesmo que o processo em vigor acabe
funcionando e muita gente use o
site", acrescentou. "O problema é
que a Wikipedia não tem como
tradição o respeito pelo conhecimento de especialista."
Wales afirma que há muitos
acadêmicos entre os 20 mil colaboradores do site. Mas suas próprias declarações ajudam a dar
base ao que diz Sanger. "Nós não
olhamos o currículo da pessoa,
mas sim a qualidade do trabalho
dela na Wikipedia", afirmou.
Outro ponto proposto que está
longe de ser cumprido é a penetração. A Wikipedia tem como
missão, segundo Wales, ser um
"esforço para criar e distribuir
uma enciclopédia gratuita da melhor qualidade possível a cada
pessoa no planeta, em sua própria
língua". Problema: apenas 15% da
população do planeta, segundo as
estatísticas mais difundidas, tem
acesso à rede.
(LUCIANA COELHO)
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