São Paulo, sábado, 09 de novembro de 2002

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IRAQUE NA MIRA

Após quase dois meses de negociações, até Síria aprova resolução mais importante do Conselho desde 1990

Votação expõe o poder dos EUA e revigora a ONU

DAVID USBORNE
DO "THE INDEPENDENT"

Foram precisos quase dois meses, mas na manhã de ontem não havia dúvida de que a resolução sobre o Iraque seria aprovada no Conselho de Segurança da ONU.
Os EUA, com apoio britânico, haviam feito o máximo diplomaticamente -em todos os níveis de governo, do presidente George W. Bush, que usou o telefone como nunca, para baixo- para garantir que isso acontecesse. Mas ninguém ousara prever 15 braços erguidos em aprovação unânime no Conselho de Segurança (CS).
O significado da unanimidade tornou-se instantaneamente óbvio para o satisfeito Hans Blix, o chefe dos inspetores de armas da ONU, e todos os demais presentes no Conselho de Segurança (CS).
O órgão executivo da ONU obtivera unanimidade em uma decisão mais importante do que qualquer outra tomada desde que autorizou o uso da força para expulsar os invasores iraquianos do Kuwait, em 1990. Assim, nos poucos segundos que durou a votação formal, muitas coisas foram conseguidas. Blix recebeu a máxima autoridade para vasculhar o Iraque em busca de armas. O Iraque foi confrontado sem hesitação. E uma outra realidade da diplomacia mundial se tornou clara: poucos países ousam desafiar o poder dos EUA quando eles realmente querem alguma coisa.
Em parte, o motivo é dinheiro. Quando o Iêmen votou em 1990 contra a resolução que autorizava o uso da força para expulsar as forças iraquianas do Kuwait, foi punido materialmente. Os EUA suspenderam um pacote de US$ 70 milhões em assistência ao país, e a Arábia Saudita expulsou milhares de trabalhadores iemenitas de seu território. E quando o governo de Maurício retirou seu embaixador das Nações Unidas, na semana passada, todos sabiam o motivo: Jagdish Koonjul não fora subserviente o bastante em seu apoio a Washington na ONU. Dólares estavam em jogo.
Enquanto assistíamos à cena da votação unânime, que decerto encontrará lugar nos livros de história, era como se o CS, debilitado por anos de disputas internas sobre o Iraque, tivesse recebido uma injeção de esteróides. Seus ombros subitamente se alargaram. Bastou essa resolução para torná-lo resoluto, enfim.
Será preciso agradecer à Síria. Ninguém sabia de que maneira a Síria votaria. Como vizinho do Iraque e membro da lista dos EUA de países que apóiam o terrorismo, decerto os sírios devem ter sentido a tentação de votar "não" ou ao menos de se abster. Mas Faysall Mekdad, o representante sírio, não hesitou. Disse sim. E, como quase todos os demais países -do México à Irlanda, passando pela Bulgária-, a Síria, disse ele, votou "sim" porque Washington e Londres prometeram que a resolução não representa de maneira alguma uma luz verde para uma ação militar norte-americana e não contém "gatilhos" ou "automaticidade" no que tange a deflagrar uma guerra.
Foi uma promessa reafirmada tanto por John Negroponte, o embaixador dos EUA junto à ONU, quanto por sir Jeremy Greenstock, o representante britânico. "Nós ouvimos com clareza, durante as negociações, as preocupações quanto a automaticidade e gatilhos ocultos. Não existe automaticidade", disse o britânico.
Mas tanto os EUA quanto o Reino Unido queriam que o CS tivessem em mente que a perspectiva de guerra estava longe de afastada. Se o Iraque não revelar seus programas de armas e não jogar limpo com Blix, as ""sérias conseqüências" a que a resolução se refere decerto surgirão. É verdade que a resolução compele Washington e Londres a consultar o CS, se isso acontecer. Mas não contém nada que impeça o presidente Bush de enviar os bombardeiros caso o Iraque se comporte mal.
Será que Rússia, China e França, todas as três potências dotadas do direito de veto no CS, além de EUA e Londres, aceitam a opção militar? Talvez essa pergunta não precise ser respondida. Mas, dado o histórico do Iraque de iludir e frustrar os inspetores, poucos apostariam nessa hipótese.


Tradução de Clara Allain


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