São Paulo, quarta-feira, 09 de novembro de 2005

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EUROPA

Para moradores de Le Raincy, na Grande Paris, onde quatro carros foram queimados, o político quer "aparecer"

Prefeito manda criar "patrulha cidadã"

DO ENVIADO A PARIS

O prefeito de Le Raincy, Eric Raoult, quis ser mais realista que o rei e virou alvo de crítica e chacota dos moradores que governa. Antes mesmo de o governo francês decretar oficialmente o estado de emergência, que libera os municípios para adotarem o toque de recolher, o que foi feito ontem, Raoult anunciou anteontem, por conta própria, a medida na localidade de 13 mil habitantes a nordeste de Paris.
Sustentado por uma combinação de leis em vários níveis governamentais, o decreto municipal tem alcance limitado. Estabelece que menores de 18 anos não podem circular nas ruas entre 22h e 6h sem a companhia de um maior responsável por eles, sob pena de serem detidos e levados ao comissariado da infância e juventude.
Diferentemente da determinação emitida ontem pelo presidente Jacques Chirac, que limita a 12 dias o estado de emergência, o decreto de Le Raincy tem validade indeterminada.
No que foi definido pelo prefeito como "patrulha cidadã", já anteontem à noite a primeira blitz partiu em busca de transgressores da nova lei. Um carro com funcionários da prefeitura e outro da guarda municipal circularam pela cidade, mas voltaram à base sem deter ninguém.
A pequena e quase pacata Le Raincy, com prédios em estilo neoclássico e ruas limpas e arborizadas, reagiu com surpresa à novidade. Desde o início dos distúrbios, em 27 de outubro, quatro carros foram queimados lá, pouco em comparação com os municípios vizinhos, em especial Clichy-sous-Bois.
"Isso é marketing do prefeito. O poder aquisitivo aqui é alto, o desemprego é baixo, a cidade está calma. Ele quer é aparecer", disse à Folha o engenheiro recém-formado Kevin Legloahec, 23.
"Não tem necessidade disso aqui. Para que prender os jovens em casa? Você quer saber por que ele fez essa lei? Para falarmos dele", acrescentou a conselheira conjugal Isabelle Nicolas, 44.
"É um pouquinho de publicidade dele. Aqui não tem "cité" [conjunto habitacional], o problema é menor. Óbvio que há um risco e, nesse sentido, pode até funcionar a curto prazo, mas não vai resolver nada", arrematou a garçonete Assia Grange.
Raoult, que também é deputado (vice-presidente da Assembléia Nacional), defende-se com o argumento de que sua cidade fica ao lado de Clichy-sous-Bois e Montfermeil, onde ocorreram distúrbios violentos. Diz que ônibus que vão às duas cidades passam por Le Raincy e que vândalos já pararam lá para queimar carros e promover quebra-quebra. "Isso não pode se repetir. Nossa cidade sempre foi calma, e isso foi feito para que continue assim. É melhor prevenir que remediar", disse o chefe-de-gabinete do prefeito, Jean Michel Legrand.
Ele negou que o seu chefe tenha tomado a medida em busca de publicidade. "Ele já é vice-presidente da Assembléia Nacional, não precisa dessas coisas."
Apesar da grande presença de jornalistas de todo o mundo ontem na cidadezinha, Raoult não estava na sede da prefeitura no início da tarde de ontem.
Além de baixar o decreto, ele fez uma sugestão a prefeitos de 40 municípios da região de Seine-Saint-Denis para que sigam o exemplo de Le Raincy.
Ao menos três municípios já se valeram do estado de emergência para decretar toque de recolher. Segundo a agência de notícias Reuters, Amiens, no extremo norte da França, aprovou um decreto idêntico ao do município da Grande Paris. "Para não estigmatizar nenhum bairro, a lei valerá para a cidade e todos os seus subúrbios", disse um porta-voz da prefeitura.
Outras duas cidades, Orléans, no centro, e Savigny-sur-Orge, ao sul de Paris, também anunciaram a adoção do toque de recolher a partir da primeira hora de hoje.
A explicação para que as medidas se restrinjam a menores de idade é o fato de que os principais protagonistas da onda de violência são adolescentes.
(FÁBIO VICTOR)

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