São Paulo, quarta-feira, 09 de novembro de 2005

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GRITO DO SUBÚRBIO

Ausência de rede de proteção social e violência policial são combustíveis para distúrbios, relatam jovens envolvidos

"Se nos organizarmos, teremos granadas e Kalashnikovs"

YVES BORDENAVE
MUSTAPHA KESSOUS
DO "LE MONDE"

Domingo, 6 de novembro. 20h. Abdel, Bilal, Youssef, Ousman, Nadir e Laurent (os nomes são fictícios) se encontram ante o prédio de dez andares do conjunto habitacional 112 em Aubervilliers, situado em Seine-Saint-Denis. Quando se reúne a eles, usando um casaco pesado, Rachid acende um cigarro e ateia fogo ao local onde ficam as latas de lixo do prédio. "É uma pena, mas não temos outra escolha", diz Nadir em tom de escárnio.
Cenas como essas vêm se repetindo diariamente há dias. A pequena gangue desse HLM (conjunto habitacional de padrão e preço baixo, espécie de BNH) da rua Hélène-Cochennec, que abriga mais de mil locatários, quer "quebrar tudo". Carros e depósitos são alvo dessa raiva que não obedece a nenhuma palavra de ordem ou organização.
"Se algum dia nos organizarmos, teremos granadas, explosivos e Kalashnikovs", ameaçam. "Marcaremos um encontro na praça da Bastilha, e haverá uma guerra." Nem líderes islâmicos nem dirigentes de qualquer tipo parecem ditar sua conduta e menos ainda manipulá-los.
"Estamos mais revoltados do que com ódio", declara Youssef, o mais velho do grupo. Ele tem 25 anos e diz que anda mais calmo desde que ficou noivo. Apesar disso, ele não deixa de sentir raiva. Sua revolta se dirige sobretudo a Nicolas Sarkozy (ministro do Interior) e a seu discurso "guerreiro". "Já que somos a escória, vamos dar a esse racista o que limpar com seu aspirador. As palavras ferem mais do que socos. "Sarko" tem de cair. Enquanto ele não pedir desculpas, continuaremos."
Laurent tem 17 anos e é o mais jovem do grupo. Ele afirma que, duas horas antes, ateou fogo a um Peugeot 607 bem perto dali. Para eles, é muito fácil. Basta uma garrafa de vidro com gasolina e um lenço para servir de mecha. Quebra-se um vidro e atira-se o coquetel molotov lá dentro. Em dois minutos o veículo pega fogo, isso quando não explode.
Para que queimar esses veículos, que normalmente pertencem a pessoas de sua própria comunidade? "Não temos escolha. Estamos dispostos a sacrificar tudo, já que não temos nada", justifica Bilal. "Chegamos a queimar o carro de um amigo nosso. Ele ficou furioso, mas entendeu."
O amigo em questão está lá também. Ele tem 21 anos e trabalha como ajudante de cozinheiro num restaurante de Paris. Ele não desmente as palavras de Bilal. Tira seu celular do bolso e, orgulhosamente, mostra a foto de sua tela: a de uma viatura policial em chamas. "Você sabe, quando atiramos um coquetel molotov, estamos pedindo socorro. Não temos palavras para expressar o que sentimos. O único jeito é atear fogo a alguma coisa."
20h19. Ouve-se a sirene de um carro de bombeiros. "Os franceses imbecis estão chegando. Vamos entrar", ordena Youssef. O grupo entra no hall do prédio. O elevador pára em dois dos dez andares, o quarto e o nono.
No quarto andar, eles se sentem protegidos de uma eventual revista policial. Bilal, 21, já conhece o esquema: "Já fui revistado duas vezes hoje. Os tiras me fizeram deitar no chão. Colocaram um "flashball" [arma com balas de borracha] no rosto e me xingaram". Eles não entendem por que o governo gasta "milhões para equipar a polícia, mas se recusa a gastar um centavo para abrir um local para jovens".
Será que as declarações provocadoras de Nicolas Sarkozy não vieram apenas lhes dar o pretexto que esperavam para liberar essa raiva toda? "Estamos nos afogando, e, em lugar de nos estender uma bóia, eles nos enfiam a cabeça debaixo d'água. Ajudem-nos", repetem.
21h. O grupo volta para o lado de fora do prédio. Os bombeiros apagaram o incêndio nas latas de lixo. Youssef, e os amigos perguntam: "O que esperamos para atear fogo a outra coisa?".


Tradução de Clara Allain

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