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GRITO DO SUBÚRBIO
Ausência de rede de proteção social e violência policial são combustíveis para distúrbios, relatam jovens envolvidos
"Se nos organizarmos, teremos granadas e Kalashnikovs"
YVES BORDENAVE
MUSTAPHA KESSOUS
DO "LE MONDE"
Domingo, 6 de novembro. 20h.
Abdel, Bilal, Youssef, Ousman,
Nadir e Laurent (os nomes são
fictícios) se encontram ante o
prédio de dez andares do conjunto habitacional 112 em Aubervilliers, situado em Seine-Saint-Denis. Quando se reúne a
eles, usando um casaco pesado,
Rachid acende um cigarro e ateia
fogo ao local onde ficam as latas
de lixo do prédio. "É uma pena,
mas não temos outra escolha",
diz Nadir em tom de escárnio.
Cenas como essas vêm se repetindo diariamente há dias. A pequena gangue desse HLM (conjunto habitacional de padrão e
preço baixo, espécie de BNH) da
rua Hélène-Cochennec, que
abriga mais de mil locatários,
quer "quebrar tudo". Carros e
depósitos são alvo dessa raiva
que não obedece a nenhuma palavra de ordem ou organização.
"Se algum dia nos organizarmos, teremos granadas, explosivos e Kalashnikovs", ameaçam.
"Marcaremos um encontro na
praça da Bastilha, e haverá uma
guerra." Nem líderes islâmicos
nem dirigentes de qualquer tipo
parecem ditar sua conduta e menos ainda manipulá-los.
"Estamos mais revoltados do
que com ódio", declara Youssef,
o mais velho do grupo. Ele tem
25 anos e diz que anda mais calmo desde que ficou noivo. Apesar disso, ele não deixa de sentir
raiva. Sua revolta se dirige sobretudo a Nicolas Sarkozy (ministro
do Interior) e a seu discurso
"guerreiro". "Já que somos a escória, vamos dar a esse racista o
que limpar com seu aspirador.
As palavras ferem mais do que
socos. "Sarko" tem de cair. Enquanto ele não pedir desculpas,
continuaremos."
Laurent tem 17 anos e é o mais
jovem do grupo. Ele afirma que,
duas horas antes, ateou fogo a
um Peugeot 607 bem perto dali.
Para eles, é muito fácil. Basta
uma garrafa de vidro com gasolina e um lenço para servir de mecha. Quebra-se um vidro e atira-se o coquetel molotov lá dentro.
Em dois minutos o veículo pega
fogo, isso quando não explode.
Para que queimar esses veículos, que normalmente pertencem a pessoas de sua própria comunidade? "Não temos escolha.
Estamos dispostos a sacrificar
tudo, já que não temos nada",
justifica Bilal. "Chegamos a queimar o carro de um amigo nosso.
Ele ficou furioso, mas entendeu."
O amigo em questão está lá
também. Ele tem 21 anos e trabalha como ajudante de cozinheiro
num restaurante de Paris. Ele
não desmente as palavras de Bilal. Tira seu celular do bolso e, orgulhosamente, mostra a foto de
sua tela: a de uma viatura policial
em chamas. "Você sabe, quando
atiramos um coquetel molotov,
estamos pedindo socorro. Não
temos palavras para expressar o
que sentimos. O único jeito é
atear fogo a alguma coisa."
20h19. Ouve-se a sirene de um
carro de bombeiros. "Os franceses imbecis estão chegando. Vamos entrar", ordena Youssef. O
grupo entra no hall do prédio. O
elevador pára em dois dos dez
andares, o quarto e o nono.
No quarto andar, eles se sentem protegidos de uma eventual
revista policial. Bilal, 21, já conhece o esquema: "Já fui revistado duas vezes hoje. Os tiras me
fizeram deitar no chão. Colocaram um "flashball" [arma com
balas de borracha] no rosto e me
xingaram". Eles não entendem
por que o governo gasta "milhões para equipar a polícia, mas
se recusa a gastar um centavo para abrir um local para jovens".
Será que as declarações provocadoras de Nicolas Sarkozy não
vieram apenas lhes dar o pretexto que esperavam para liberar essa raiva toda? "Estamos nos afogando, e, em lugar de nos estender uma bóia, eles nos enfiam a
cabeça debaixo d'água. Ajudem-nos", repetem.
21h. O grupo volta para o lado
de fora do prédio. Os bombeiros
apagaram o incêndio nas latas de
lixo. Youssef, e os amigos perguntam: "O que esperamos para
atear fogo a outra coisa?".
Tradução de Clara Allain
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