São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 2009

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ARTIGO

Pecados originais da guerra e uma saída

HILLEL SCHENKER

No dia do Ano-Novo, o escritor Nir Baram envolveu-se numa discussão com um âncora da TV pública Canal 1. "Nós, israelenses, precisamos mudar nossa mentalidade automática, que diz sempre que a ação militar vai resolver nossos problemas", disse Baram. O âncora respondeu em nome do consenso nacional: "E como fica o Hamas? Não o vejo mudando sua mentalidade!".
Não há dúvida de que a maioria do público israelense apoia a decisão do governo de atacar Gaza, com o objetivo de "ensinar uma lição ao Hamas". Sob muitos aspectos, o próprio Hamas desencadeou esta guerra, quando, em 19 de dezembro, declarou que não renovaria a "calma" e retomou o disparo de foguetes, ao mesmo tempo em que manobrava para conseguir um "cessar-fogo melhor" do seu ponto de vista -o fim do bloqueio internacional.
Vale notar que o fim do bloqueio era previsto no acordo de cessar-fogo de junho e não foi implementado por Israel e pela comunidade internacional. O governo israelense achou necessário agir militarmente devido à pressão da opinião pública, da mídia e da direita. Afinal, estamos no meio de uma campanha eleitoral [as eleições são em 10 de fevereiro]. E as regras da vida no Oriente Médio ditam que não se pode demonstrar fraqueza. É a essa mentalidade a que Baram se referiu.

Guerra e eleições
A campanha militar é liderada pelo trio formado pelo premiê Olmert, o ministro da Defesa e líder do Partido Trabalhista, Ehud Barak, e a ministra das Relações Exteriores -e também candidata a premiê pelo Kadima- Tzipi Livni.
O elemento-chave aqui é Barak, o militar mais condecorado na história de Israel, mas que enfraqueceu o Partido Trabalhista. O partido que fundou o Estado e que, em seu auge, teve 51 membros no Knesset (de 120 cadeiras), estava previsto para conseguir apenas entre 8 e 11 cadeiras no próximo Knesset (contra 19 em 2006). Olmert estava jogando a carta da paz até o último dia de seu mandato, esperando poder incluir em seu legado um encontro público com os sírios, ao lado de declarações sobre a necessidade de um retorno às fronteiras de 1967. Livni estava dando declarações mais intransigentes, tentando afastar a ameaça de Binyamin Netanyahu, do Likud, pela direita.
A partir de 19 de dezembro, todos os líderes atuais enxergaram uma janela de oportunidade e decidiram fazer uso dela. Eles também aproveitaram o momento entre o final do governo Bush e o início do governo Obama para agir, partindo da premissa de que a comunidade internacional teria dificuldade em intervir. Agora o objetivo de Barak é mostrar que ele pode ser um líder militar eficaz e responsável.
É ele quem vem ganhando mais com a ação militar, tendo quase dobrado a previsão de cadeiras a serem conquistadas pelo Partido Trabalhista, hoje em 16. Quanto a Olmert, ele gostaria de compensar por sua imagem de líder militar fracassado, decorrente da debacle de 2006 no Líbano. Livni não é vista como sendo líder da operação. Mas ela poderá reconquistar crédito quando ingressarmos na fase diplomática.
No curto prazo, um dos resultados políticos da operação é que, pela primeira vez, a combinação de centro-esquerda dos partidos Kadima, Trabalhista e Meretz, apoiada pelos partidos árabes, tem previsão de conquistar uma maioria no Knesset. Se isso acontecer, será Tzipi Livni, e não Netanyahu, quem se tornará premiê. Mas a opinião pública pode ser volúvel, especialmente se o número de baixas israelenses subir.

Sucessão de erros
Há vários pecados originais que levaram a este momento. Um deles foi o fato de o governo Sharon ter insistido em fazer a retirada unilateral de Gaza em 2005, em lugar de negociar e entregar as chaves do território a Mahmoud Abbas e à Autoridade Nacional Palestina (ANP). Isso possibilitou ao Hamas afirmar que sua política de "resistência" obrigara Israel a deixar o território, enquanto a política de negociação de Abbas não dera resultados.
O segundo erro foi o fato de o governo israelense ter cedido à insistência do governo Bush de que as eleições palestinas fossem realizadas em janeiro de 2006, apesar das reservas de Israel e da ANP em relação ao timing do pleito. O resultado foi a vitória do Hamas.
O terceiro pecado original foi o fato de que, após as eleições, Israel e a comunidade internacional não tentaram relacionar-se com o governo democraticamente eleito do Hamas, mesmo que não houvesse garantia de êxito nisso. E o pecado final foi o fato de o Hamas ter dado um golpe de Estado contra a ANP e jogado com Israel um jogo de falcões e pombas com os mísseis Qassam.

Declaração
Nem todos os israelenses apoiaram a ação militar. Em 27 de dezembro, quando começaram os bombardeios, uma manifestação foi organizada em Tel Aviv -apenas com e-mails e divulgação boca-a-boca- para protestar contra a ação militar e pedir um cessar-fogo imediato e o retorno às negociações. A manifestação atraiu mais de mil participantes. O fórum israelense PeaceNGO, coalizão de mais de 70 grupos que trabalham pela paz e a coexistência, se reuniu em Tel Aviv para formular sua posição.
A decisão foi divulgar uma declaração em três pontos: 1) Pedir um cessar-fogo israelense imediato, sem levar em conta a reação do Hamas, no espírito de um artigo de opinião do destacado escritor israelense David Grossman (cuja voz carrega autoridade moral especial porque seu filho mais jovem foi morto no último e desnecessário dia da guerra de 2006 no Líbano); 2) Declarar que a matança de civis inocentes de ambos os lados é um crime moral e identificar-se com o sofrimento das populações de Gaza e Israel; 3) Simultaneamente, pedir a retomada do processo de paz, baseado na Iniciativa Árabe de Paz, vista como a única alternativa viável.
Há momentos em que uma situação de crise quebra a inércia que afeta muitos dos atores num contexto específico, podendo até mesmo levar a importantes transformações e iniciativas construtivas.

HILLER SCHENKER , jornalista em Tel Aviv, é comentarista sobre assuntos árabe-israelenses e co-editor do "Palestine-Israel Journal". Este artigo foi distribuído pela Agence Global

Tradução de CLARA ALLAIN



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