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ARTIGO
Pecados originais da guerra e uma saída
HILLEL SCHENKER
No dia do Ano-Novo, o escritor Nir Baram envolveu-se numa discussão com um âncora
da TV pública Canal 1. "Nós, israelenses, precisamos mudar
nossa mentalidade automática,
que diz sempre que a ação militar vai resolver nossos problemas", disse Baram. O âncora
respondeu em nome do consenso nacional: "E como fica o
Hamas? Não o vejo mudando
sua mentalidade!".
Não há dúvida de que a maioria do público israelense apoia
a decisão do governo de atacar
Gaza, com o objetivo de "ensinar uma lição ao Hamas". Sob
muitos aspectos, o próprio Hamas desencadeou esta guerra,
quando, em 19 de dezembro,
declarou que não renovaria a
"calma" e retomou o disparo de
foguetes, ao mesmo tempo em
que manobrava para conseguir
um "cessar-fogo melhor" do
seu ponto de vista -o fim do
bloqueio internacional.
Vale notar que o fim do bloqueio era previsto no acordo de
cessar-fogo de junho e não foi
implementado por Israel e pela
comunidade internacional.
O governo israelense achou
necessário agir militarmente
devido à pressão da opinião pública, da mídia e da direita. Afinal, estamos no meio de uma
campanha eleitoral [as eleições
são em 10 de fevereiro]. E as regras da vida no Oriente Médio
ditam que não se pode demonstrar fraqueza. É a essa mentalidade a que Baram se referiu.
Guerra e eleições
A campanha militar é liderada pelo trio formado pelo premiê Olmert, o ministro da Defesa e líder do Partido Trabalhista, Ehud Barak, e a ministra
das Relações Exteriores -e
também candidata a premiê
pelo Kadima- Tzipi Livni.
O elemento-chave aqui é Barak, o militar mais condecorado na história de Israel, mas
que enfraqueceu o Partido Trabalhista. O partido que fundou
o Estado e que, em seu auge, teve 51 membros no Knesset (de
120 cadeiras), estava previsto
para conseguir apenas entre 8 e
11 cadeiras no próximo Knesset
(contra 19 em 2006).
Olmert estava jogando a carta da paz até o último dia de seu
mandato, esperando poder incluir em seu legado um encontro público com os sírios, ao lado de declarações sobre a necessidade de um retorno às
fronteiras de 1967. Livni estava
dando declarações mais intransigentes, tentando afastar a
ameaça de Binyamin Netanyahu, do Likud, pela direita.
A partir de 19 de dezembro,
todos os líderes atuais enxergaram uma janela de oportunidade e decidiram fazer uso dela.
Eles também aproveitaram o
momento entre o final do governo Bush e o início do governo Obama para agir, partindo
da premissa de que a comunidade internacional teria dificuldade em intervir.
Agora o objetivo de Barak é
mostrar que ele pode ser um líder militar eficaz e responsável.
É ele quem vem ganhando mais
com a ação militar, tendo quase
dobrado a previsão de cadeiras
a serem conquistadas pelo Partido Trabalhista, hoje em 16.
Quanto a Olmert, ele gostaria
de compensar por sua imagem
de líder militar fracassado, decorrente da debacle de 2006 no
Líbano. Livni não é vista como
sendo líder da operação. Mas
ela poderá reconquistar crédito
quando ingressarmos na fase
diplomática.
No curto prazo, um dos resultados políticos da operação é
que, pela primeira vez, a combinação de centro-esquerda dos
partidos Kadima, Trabalhista e
Meretz, apoiada pelos partidos
árabes, tem previsão de conquistar uma maioria no Knesset. Se isso acontecer, será Tzipi Livni, e não Netanyahu,
quem se tornará premiê. Mas a
opinião pública pode ser volúvel, especialmente se o número
de baixas israelenses subir.
Sucessão de erros
Há vários pecados originais
que levaram a este momento.
Um deles foi o fato de o governo
Sharon ter insistido em fazer a
retirada unilateral de Gaza em
2005, em lugar de negociar e
entregar as chaves do território
a Mahmoud Abbas e à Autoridade Nacional Palestina (ANP).
Isso possibilitou ao Hamas afirmar que sua política de "resistência" obrigara Israel a deixar
o território, enquanto a política
de negociação de Abbas não dera resultados.
O segundo erro foi o fato de o
governo israelense ter cedido à
insistência do governo Bush de
que as eleições palestinas fossem realizadas em janeiro de
2006, apesar das reservas de Israel e da ANP em relação ao timing do pleito. O resultado foi a
vitória do Hamas.
O terceiro pecado original foi
o fato de que, após as eleições,
Israel e a comunidade internacional não tentaram relacionar-se com o governo democraticamente eleito do Hamas,
mesmo que não houvesse garantia de êxito nisso. E o pecado final foi o fato de o Hamas
ter dado um golpe de Estado
contra a ANP e jogado com Israel um jogo de falcões e pombas com os mísseis Qassam.
Declaração
Nem todos os israelenses
apoiaram a ação militar. Em 27
de dezembro, quando começaram os bombardeios, uma manifestação foi organizada em
Tel Aviv -apenas com e-mails
e divulgação boca-a-boca- para protestar contra a ação militar e pedir um cessar-fogo imediato e o retorno às negociações. A manifestação atraiu
mais de mil participantes.
O fórum israelense PeaceNGO, coalizão de mais de 70 grupos que trabalham pela paz e a
coexistência, se reuniu em Tel
Aviv para formular sua posição.
A decisão foi divulgar uma declaração em três pontos:
1) Pedir um cessar-fogo israelense imediato, sem levar
em conta a reação do Hamas,
no espírito de um artigo de opinião do destacado escritor israelense David Grossman (cuja
voz carrega autoridade moral
especial porque seu filho mais
jovem foi morto no último e
desnecessário dia da guerra de
2006 no Líbano);
2) Declarar que a matança de
civis inocentes de ambos os lados é um crime moral e identificar-se com o sofrimento das
populações de Gaza e Israel;
3) Simultaneamente, pedir a
retomada do processo de paz,
baseado na Iniciativa Árabe de
Paz, vista como a única alternativa viável.
Há momentos em que uma
situação de crise quebra a inércia que afeta muitos dos atores
num contexto específico, podendo até mesmo levar a importantes transformações e
iniciativas construtivas.
HILLER SCHENKER , jornalista em Tel Aviv, é
comentarista sobre assuntos árabe-israelenses
e co-editor do "Palestine-Israel Journal". Este
artigo foi distribuído pela Agence Global
Tradução de CLARA ALLAIN
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