São Paulo, sábado, 10 de abril de 2010

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ANÁLISE

Obama vira o jogo na esfera nuclear

PHILIP STEPHENS
DO "FINANCIAL TIMES"

ENTÃO ELE não é Jimmy Carter, afinal de contas. Barack Obama assinou um tratado de redução de armas estratégicas com a Rússia. Na próxima semana, receberá 50 líderes mundiais para discutir o fortalecimento dos dispositivos de segurança nuclear. No intervalo, divulgou nova estratégia militar que limita significativamente as circunstâncias em que os EUA usariam seu arsenal nuclear.
Esses três acontecimentos assinalam uma estação importante na rota que ele mapeou em um discurso proferido na capital tcheca um ano atrás. Ainda estamos a anos-luz de distância do mundo sem armas nucleares que ele mencionou então. Mas deixamos de andar na direção errada. As iniciativas mais recentes restauraram ímpeto à redução de armas nucleares. O colapso do Tratado de Não Proliferação Nuclear não está parecendo tão inevitável quanto antes.
Isso põe Obama longe das caricaturas dele que vinham sendo feitas há dois ou três meses. Mesmo observadores favoráveis traçavam comparações com as calamidades de política externa do governo Carter.
O estilo meditativo do presidente destoa da impaciência de uma cultura política moldada por notícias transmitidas 24 horas por dia. Mas a percepção de fracasso sempre foi prematura. Ela refletia uma crença pouco realista na ideia de que o país mais poderoso do mundo sempre consegue impor sua vontade. Os desafios de política externa não podem todos ser "resolvidos". Alguns precisam ser administrados.
O momento de virada para Obama se deu com a aprovação da reforma do sistema de saúde. De um dia para outro, o líder assediado por críticas virou um Titã que realizara algo que seus predecessores mais ilustres não tinham conseguido.
A percepção de que Obama reconstruiu a autoridade política em casa faz com que seja levado mais a sério fora dos EUA. Na política, o êxito gera mais êxito. Mas, por mais que tenha sido tolice tratá-lo como letra morta algumas semanas atrás, seria igualmente errado imaginar que tudo será fácil agora.
Em julho passado, comparei Obama a um enxadrista que joga várias partidas simultaneamente. Em lugar de encarar os desafios de política externa sequencialmente, ele tinha feito o lance de abertura de todas as partidas importantes. Mas cada uma delas está se mostrando mais difícil que ele imaginou.
A Casa Branca transmitiu a Israel, com atraso, que a suspensão das construções em territórios palestinos é uma precondição para um acordo de paz. Mas isso, por si só, não é garantia de avanços.
As ações recentes do presidente afegão, Hamid Karzai, ressaltaram quão difícil será conseguir vencer a luta contra o Taleban. A paralisia política em Bagdá coloca em risco o cronograma da retirada das tropas americanas do Iraque.
A assinatura da Rússia no novo Start não abranda suas ambições de reafirmar sua influência no antigo espaço soviético. O degelo nas relações com a China pode ser tão breve quanto o gelo que o precedeu.
E há o Irã, partida em que os trunfos são maiores. E Obama pode muito bem perdê-la.
Analogias com Carter à parte, porém, Obama facilitou sua vida, embora isso não signifique que baste ele desejar para pôr fim aos problemas do mundo. Em xadrez ou política externa, ter o final de jogo almejado em vista não garante êxito. Mas é um começo bem útil.


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