São Paulo, sábado, 10 de maio de 2008

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ARTIGO

Guerra por procuração entre EUA e Irã

ROBERT FISK
DO "INDEPENDENT"

Mais uma humilhação para os Estados Unidos. Os atiradores xiitas que passaram de carro pelo meu apartamento no oeste de Beirute, ontem, estavam buzinando, erguendo os dedos em sinal de vitória, com os fuzis apontados para o ar, provando aos muçulmanos da capital que o governo eleito do Líbano chegou ao fim.
E chegou. O Exército nacional continua a patrulhar as ruas, mas apenas para impedir mortes ou massacres sectários. Longe de desmantelar o sistema secreto de telecomunicações do Hizbollah e desarmar o grupo pró-iraniano, o gabinete de Fuad Siniora está acomodado no velho palácio turco de Beirute, denunciando a violência com a mesma autoridade que o governo iraquiano instalado na zona verde de Bagdá.
O Exército libanês vigia os bloqueios de rua do Hizbollah e nada faz. Em termos do confronto entre Teerã e Washington, o Irã venceu, pelo menos por enquanto. Walid Jumblatt, o líder druso, partidário pró-americano do governo de Siniora, está isolado em sua casa na região oeste de Beirute, mas não foi atacado.
O mesmo se aplica a Saad Hariri, um dos mais proeminentes parlamentares governistas, filho de Rafik Hariri, o premiê assassinado. Ele continua em seu palácio em Koreitem, no oeste de Beirute, protegido por policiais e soldados, mas não pode sair de lá sem autorização do Hizbollah. O simbolismo é tudo.

Paralelos
Quando o Hamas se tornou parte do governo palestino, o Ocidente rejeitou o fato. Por isso, o Hamas tomou o controle da faixa de Gaza. Quando o Hizbollah se tornou parte do governo libanês, os norte-americanos rejeitaram o fato. Agora, o Hizbollah tomou o controle da parte oeste de Beirute. Os paralelos não são exatos.
O Hamas conquistou uma vitória eleitoral convincente; o Hizbollah era uma minoria no governo Siniora. O fato de que os representantes do movimento e outros xiitas tenham abandonado seus postos ministeriais se deve às políticas pró-EUA adotadas por Siniora, e à incapacidade eleitoral do movimento para alterá-las.
Os libaneses não querem uma república islâmica, como tampouco os palestinos. Mas quando Sayed Hassan Nasrallah, o presidente do Hizbollah, anunciou em que havia começado "uma nova era" para o Líbano, ele estava falando sério.
Na rua Hamra, uma das duas principais artérias comerciais de Beirute, estavam mais de cem homens do Hizbollah, parados ou em patrulha, usando uniformes de camuflagem novos, coletes pretos novos à prova de balas e, o que parece mais importante, portando rifles norte-americano de precisão igualmente novos.
Não, se trata de uma revolução. Não é um "seqüestro" de Beirute ocidental ou do aeroporto, que continua isolado por trás de barreiras formadas por pneus em chamas protegidas por combatentes do Hizbollah.

Como Israel
Mas os partidários do governo merecem algum espaço. Diversos deles apontaram que os israelenses fecharam o aeroporto de Beirute em 2006. Que direito o Hizbollah teria de infligir o mesmo problema aos libaneses? E, de acordo com Hariri, Nasrallah, ao chamar Jumblatt de "ladrão e assassino", estava "autorizando o seu assassinato e claramente afirmando que "o Estado sou eu'".
O jornal "L'Orient Le Jour", que circula em francês, publicou um editorial especialmente bom no qual perguntava como o Hizbollah -literalmente Partido de Deus, em árabe- podia ter a guerra como razão de ser e ao mesmo tempo ser um fator de paz e estabilidade nos assuntos internos libaneses.
"E esse partido, será que eles podem mesmo se denominar "o partido de Deus" sem criar, a longo prazo, desconfiança entre os demais que se consideram como filhos do mesmo e único Deus?"
Não, não se trata de uma guerra civil. Nem de um golpe de Estado, ainda que a situação atenda a alguns dos critérios para as duas classificações. O que vemos é parte da guerra contra os Estados Unidos no Oriente Médio. O Hizbollah "deve parar de semear problemas", disse a Casa Branca, de forma um tanto branda. Sim. Como o Taleban. E a Al Qaeda.
E os insurgentes iraquianos. E o Hamas. Quem mais?


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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